Como formar um pensamento sem história ? ou Sobre imagens e palavras (i)

DSC_3152
Amoras silvestres que ensejaram a conversa reproduzida na primeira parte deste post.

Este texto pertence à série sobre as razões pelas quais estou no facebook, subsérie conversas que se tem por lá, e poderia se chamar, também (se o título não ficasse muito longo), eu sigo (iii) Luiz Afonso Alencastre Escosteguy.

Nunca encontrei Luiz Afonso pessoalmente. Tive, no entanto, com ele, em caixas de comentários, algumas das mais interessantes conversações mantidas nos últimos tempos. Como, por exemplo, a que segue. Suscitada por uma provocação vinculada à postagem da foto acima. Tudo começou com o seguinte:

A última foto que postei já foi curtida 31 vezes. A divulgação do último post que publiquei, 4. Estes números devem querer dizer alguma coisa. Are images any better than words ?

Ao que Luiz Afonso prontamente retrucou:

Significa apenas que, em geral, as pessoas não entram no FB para ler. FB é entretenimento e não fonte de informação ou de leitura. Tirando os blogs jornalísticos, o acesso a textos perde de longe para o de imagens. Comigo – e com quase todos os que escrevem – acontece o mesmo…

Ocorreu, então, o seguinte diálogo:

Augusto: Ou seja, tudo se resume, no fundo, à velha e boa oposição entre lifecasting e mindcasting. Sonho com o dia em que o facebook e seus concorrentes ofereçam filtros inteligentes capazes de distinguir um do outro. Com os quais será bem mais fácil constituir PLNs.

Luiz Afonso: E tem mais, quanto mais posicionado for o texto, menos lido, menos curtido e menos comentado.

Augusto: (curioso: por que a exposição virtual é tão temida?)

Luiz Afonso: Por que poucos são capazes de sustentar argumentos, ideias ou de serem coerentes. Na maioria são repetidores de manchetes e não passam muito disso.

Augusto: Entendo. Uma civilização de slogans. Posso copiar esta conversa no blog ?

Luiz Afonso: Uma geração perdida. Tenho visto jovens de 20 a 35 anos que sequer conhecem fatos da história que temos por notórios. Como formar um pensamento sem história? Como ser crítico sem história?

Luiz Afonso: Pode, claro!

Augusto: Título provisório para o post: como formar um pensamento sem história ?

Augusto: (outra hora, te falo das raríssimas exceções que conheço ao princípio de que não há CC competente…)

Luiz Afonso: Se não existissem exceções, não seria regra hehehe

Luiz Afonso: Voltando ao teu post, esse foi o maior mal causado pela mídia: o imediatismo da solução pronta nas manchetes. Eliminou, com o passar dos anos, a capacidade das pessoas de irem atrás de mais informações/conhecimentos para fazerem a crítica do que recebem. E ir atrás de informação/conhecimento é ir atrás da história, da história que a mídia esconde. E assim também nas escolas…

Augusto Maurer: Outra coisa: que tipo de imagem posso usar para ilustrar essa conversa ? Pois, afinal, o Milton Ribeiro insiste muito que é bem mais fácil divulgar textos vinculados a imagens do que sem elas.

Luiz Afonso: Augusto Maurer, Sempre uso imagens nos posts. A escolha envolve técnicas de comunicação e, claro, sensibilidade…

Luiz Afonso: AH, e usaria essa imagem para ilustrar o post

imagens X palavras

* * *

Nessa mesma conversa, outros comentaristas também se referiram à primazia da imagem sobre a palavra como uma tendência importante em nossa época. Sempre que me deparo com este tipo de discussão, me vem imediatamente à mente a instigante formulação do Parêntesis de Gutenberg, ao qual já me referi aqui, segundo a qual estaríamos vivendo o ocaso de uma era de predomínio da escrita, delimitada no início pelo advento da imprensa e no fim (suponho) pela omnidisponibilidade de tecnologias visuais, como em tablets ou smartphones. Antes dele, dominavam as narrativas orais. Depois, viriam as visuais.

Então, de acordo com os estudiosos que o endossam, não haveria um problema maior no fato observável de que gerações mais recentes tenham cada vez menos familiaridade com a linguagem escrita, pois estaríamos no limiar de uma nova era de comunicação essencialmente visual. Faz sentido. Pois nativos digitais passam cada vez mais tempo se relacionando com telas. Seja interativamente ou apenas vendo, na melhor das hipóteses, podcasts e vlogs de algum youtuber ou, na pior, séries de TV. Não mencionei os jogos tão somente por que estes merecem um olhar mais dedicado.

No intuito de se estabelecer a importância relativa entre som e imagem em canais e meios de comunicação, um observador arguto poderia idealizar o experimento de, primeiro, ver televisão sem som e, depois, ouvir seu som sem ver a imagem para, então, decidir em qual dos dois modos consegue entender melhor o que se passa no programa transmitido. Alguém, dada a atual farra da ciência institucional, deve nalgum momento obter algum subsídio para uma pesquisa nestes moldes. Enquanto isto não acontece, podemos tergiversar, por exemplo, sobre se não seria bem mais fácil entender o cinema sem áudio do que sem imagens – enquanto a TV seria, por sua vez, bem mais incompreensível sem audio do que sem imagem. Fora, é claro, em transmissões de partidas de futebol. Sei lá. É só um palpite.

Cabe, ainda, observar que, enquanto praticamente toda postagem compatível com a categoria de mindcasting é fortemente apoiada sobre algum tipo de linguagem verbal, seja ela escrita ou não, já aquelas reconhecíveis como lifecasting se valem com frequência bem maior de recursos exclusivamente visuais. Como provam todas as postagens de selfies, foodporn e afins. Então, se for assim – e se os defensores do Parêntesis de Gutenberg tiverem razão – rumamos para uma era obscurantista na qual todo conhecimento só estaria ao alcance de uns poucos iniciados, porquanto letrados. Só nas piores distopias, como em Farenheit 451, se imaginou um porvir tão tenebroso.

Melhor não pensar nisso. Principalmente por que, até lá, dá para ter muitas conversas como essas que só as redes sociais ensejam. Curioso. Mesmo sem ter jamais encontrado Luiz Afonso pessoalmente, sei, graças às redes, que nutrimos as mesmas paixões pela escrita e pela cozinha. Mantidas as devidas nuances. Pois, enquanto me dou melhor com panelas, ele é um exímio assador. Alguém duvida ?

torta de pernil de cordeiro
Torta de pernil de cordeiro feita por Luiz Afonso.

 

 

Deixe um comentário