De como grupos de WhatsApp perdem por ser seriais ao invés de paralelos

Já disse aqui ter ouvido de alguém, ao saber que eu ainda não usava WhatsApp, a exclamação “Bem que fazes !”. Depois, quando me rendi, por razões práticas, ao aplicativo, me disseram que “O importante é ficar longe dos grupos.” Hoje, tendo sido encontrado por dois grupos de ex-colegas, entendo melhor a segunda ressalva.

Grupos de mensagem trazem na origem o seguinte dilema. Quando criados, desejamos que se tornem, de algum modo, ativos (ou morrerão de inanição). Acontece que, tão logo sediam alguma discussão que valha a pena (quase sempre sobre política, religião, gênero ou futebol, sistematicamente banidas por moderadores mais incisivos), passam rapidamente de ativos a hiperativos, o que torna sua leitura proibitiva, por vezes até incompatível com outras atividades. Já havia observado esta peculiaridade em pessoas que me são queridas, mas só entendi mesmo o processo quando entrei, eu mesmo, na brincadeira.

A meu ver, o grande problema dos grupos de mensagens é o design serial das plataformas, que publica tudo o que é dito num único stream que não distingue (ou o faz apenas precariamente) um tema dos demais que competem pela atenção em cada grupo. Desta forma, a prolixidade, outrossim tão desejada por mentores de grupos “sociais”, logo se torna a principal dificuldade em sua leitura, pois não há como, num fluxo contínuo e desordenado, visualizar locuções relacionadas – a menos, é claro, que diferentes threads viessem classificados (por tags ou categorias, por exemplo) e fossem exibidos em colunas separadas; mas isto seria francamente hostil ao design ostensivamente simplificado das plataformas de grupos de mensagens.

O design da internet e, de certo modo, dos blogs é, ao contrários, paralelo, i.e., neles, é possível rastrear facilmente qualquer quantum de informação buscada em meio a uma enorme quantidade de conteúdos simultaneamente disponíveis.

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O problema da redundância. Que inflaciona à exaustão a leitura por meio de falas repetitivas, conquanto elegantes. Aqui, há também um fator psicológico em ação. Qualquer um pensaria duas vezes antes de redigir, revisar e publicar algo situando um problema num contexto maior, o analisando e, quem sabe, até propondo alguma solução. Já num grupo, em que todo contexto já foi clara e redundantemente explicitado em locuções anteriores, não hesitamos em agregar nossas posições. Só que, ao fazermos, raramente nos limitamos a expressões lacônicas como “concordo” ou “discordo”, recorrendo, ao invés, ao fútil exercício de dizer a mesma coisa com outras palavras, quase sempre rebuscadas. Isto é exatamente o contrário da prática comum em plataformas colaborativas, como a wikipedia, em que só se edita aquilo que ainda não foi dito (um ideal para a escrita acadêmica que espero ainda viver para ver).

In short: lugar de textão é em blog. Lê quem quer; ignora quem não quer ler. Sem atrapalhar quem busca no stream dos grupos de discussão alguma informação útil ou nova – ou mesmo uma interação digna do nome (quase sempre de discordância). Posso ser um sonhador, mas acredito que, um dia, a internet será assim. Talvez depois que tenham, finalmente, implementado a web semântica.

Por que um blog não é uma pilha cronológica

Um blog não é – ou pelo menos não deveria ser – uma pilha cronológica. Explico. Mesmo que, para isto, tenha que abrir um dos longos parênteses que me são tão caros – que de tão longo me obriga, neste caso, a um novo parágrafo a ele dedicado.

Segundo um de meus filhos, sou um falso desorganizado. Sempre ensejei a pecha, devido ao estado francamente entrópico (leia-se desordenado) em que costumo deixar a maioria dos objetos de uso frequente que gosto de ter à mão, como partituras, palhetas de clarineta, livros, ferramentas ou utensílios de escrita, desenho e cozinha. Desde criança, quando instado por familiares a “dar um jeito na bagunça”, descobri que agrupar objetos de uma mesma categoria era suficiente para satisfazer a necessidade que a maioria das pessoas tem de ordem.

Logo cheguei à conclusão de que uma pilha de papeis, independentemente do conteúdo impresso ou rabiscado em cada folha, se parece muito mais com um todo organizado do que, simplesmente, papeis espalhados. Foi assim que cheguei ao conceito (e ao objeto por ele designado) de uma pilha cronológica, i. e., um monte de papeis aleatoriamente empilhados, no qual qualquer um deles pode ser rapidamente recuperado pelo usuário mediante a simples lembrança de quando foi acessado pela última vez. Desta forma, é possível se precisar, com uma pequena margem de erro, seu provável lugar na pilha.

Uma vez por ano, durante as férias, processo a pilha cronológica acumulada em meses, destinando cada papel ali deixado a um nicho de arquivo mais específico.

A pilha cronológica tem, é claro, suas limitações, a principal delas sendo que não pode ser compartilhada por múltiplos usuários – o que torna seu uso desaconselhável em escritórios e demais locais de trabalho coletivo.

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Tudo isto foi para dizer que blogs, apesar de como são comumente usados, não devem ser tratados como pilhas cronológicas, nas quais as improvisações verbais de um dia não precisem guardar qualquer correlação com o que ali foi dito em dias anteriores. Ou, se quiserem, como colunas de um jornal cujos exemplares velhos já foram para o lixo.

Um blog, ao contrário, está mais para um repositório cumulativo, em que cada fala proferida é facilmente recuperável, cujo conjunto (cacofônico, né) se presta à construção de uma narrativa mais longa. Para tanto, há recursos, como tags e categorias, que servem para agrupar instantaneamente insights variados, extemporâneos, acerca de um mesmo tópico.

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Tal reflexão se deve a meu blog ter involuntariamente mudado outra vez de endereço. Não tenho um blog errante: depois de mais de uma década no affair, estou me mudando apenas pela segunda vez. Também não gosto de pensar que fui despejado. Na verdade, o pessoal do Sul21 sempre me tratou muito bem, hospedando meus textos por tantos anos. Compreendo perfeitamente sua decisão de não mais hospedar blogs, que consomem um espaço sempre crescente em servidores sem necessariamente agregar à visitação do jornal. Além disso, prestaram e continuam prestando, através do Matheus Leal, um suporte inestimável na migração para outra plataforma. Então, só guardo boas recordações do tempo em que o impromptu integrou o extinto condomínio de blogs do Sul21, entendendo o desligamento, antes, como uma evolução necessária.

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Antes deste post, à guisa de explicação para a mudança, já fazia quase dois meses que não escrevia. Hesitei antes de retomar, pensando que talvez o fim da era impromptu no Sul21 sinalizasse um encerramento de atividade. Mas não seria tão simples. Por várias vezes me vi, neste hiato, escrevendo posts mentalmente. Nada urgente, é verdade, mas o hábito não me saía da cabeça. Até resolver, finalmente, reinaugurar.

Feita com sucesso a migração para o WordPress (graças, repito, ao crucial suporte do staff do Sul21), hesitei antes de clicar no botão de ativação do blog, julgando, pela primeira vez, pela razão exposta no kaput (a saber, por que um blog não é uma pilha cronológica), que talvez fosse recomendável, antes de oferecer novamente seu conteúdo acumulado à leitura pública, empreender algum grau mínimo de revisão.

É claro que não reli tudo. Seria uma tarefa colossal, equivalente a ler um livro de grande porte. Apenas removi temporariamente (ou não) um ou outro texto, muito menos por ter mudado de opinião mas, na maioria das vezes, por que o assunto perdera atualidade. O maior trabalho de revisão foi sem dúvida na atribuição de tags a cada post e sua classificação em categorias, elementos essenciais à funcionalidade de um blog, que permitem leituras transversais, mas aos quais blogueiros, arrastados pelo dia após dia, omitem por vezes a devida atenção. Além disso, o olhar historicamente mais distante propicia uma visão mais clara de temas recorrentes, bem como de quando nascem e morrem.

Então, para o bem ou para o mal, estamos de volta. Muito obrigado pela carinhosa atenção !

Os blogs estão morrendo ?

Hossein Derakshan

Semana passada, Idelber Avelar, que dispensa apresentações, compartilhou um post de um blogueiro iraniano, Hossein Derakshan, que permaneceu ca. 6 anos preso pelo regime de seu país. Conversando com Milton Ribeiro, vim a saber se tratar de um post clássico.  Conferi. Lá pelo rodapé, se informava que sua tradução para o português fora publicada por uma revista mineira em 2015.

Nele, Derakshan lamenta a transformação sofrida pela internet durante o tempo em que permaneceu na prisão. Por volta do início dos anos 2000, a rede mundial se apresentava como um ecossistema de blogs, conectados e dialogando entre si por meio de uma malha de hyperlinks – imunes, deste modo, a qualquer controle por parte de alguma força ou poder central. O que encontrou, no entanto, ao sair da prisão, foram redes sociais de propriedade de grandes players tecnológicos dedicadas a prover seus usuários com feeds ou timelines sequenciais, determinadas por algoritmos especializados em auscultar e satisfazer as supostas preferências de cada usuário de modo a induzi-los a permanecer cada vez mais tempo nestas plataformas ao invés de, como antes, saltarem livremente de blog em blog.

Deste modo, seu célebre post, intitulado “Salve a Internet”, bem poderia se chamar “A morte da blogosfera” ou, mais genericamente, “A morte do hyperlink“. Numa de suas conclusões mais desoladas, Derakshan chega a equiparar  o  facebook à televisão.

Logo que passei rapidamente os olhos pelo texto, me deparei com algo que me pareceu, inicialmente, uma vulnerabilidade do argumento. Repetidas leituras não tardaram a me convencer, entretanto, de que o autor estava, na maior parte do tempo, coberto de razão. Posto ser inegável que a internet, inicialmente uma promessa de libertação da dominação imposta pelos broadcasting media, pouco a pouco se tornou um lugar onde poucos e gigantescos players formatam a informação que a maioria consome. De sorte que, temporariamente, abandonei o propósito de examinar um pouco mais de perto premissas que, de início, me pareceram superficiais ou apressadas. Ao mesmo tempo, me tornei um fã de Derakshan e, de imediato, um combatente em sua cruzada por uma internet mais democrática.

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Uma partícula de seu texto permaneceu, no entanto, reverberando em minha mente. Mais exatamente, quando diz, em tom de espanto, que, ao retomar, num surto de entusiasmo, à atividade blogueira ao sair da prisão em 2014, tudo o que sua super motivada escrita angariou, ao ser divulgada no facebook, foram três curtidas. O que o levou a concluir que, comparativamente a índices anteriores a seu encarceramento em 2008, sua audiência teria minguado drasticamente. Em seguida, culpa as redes sociais em geral e o facebook em particular pelo suposto declínio, em razão de uma suposta seletividade maligna de seu algoritmo.

Notem que, no parágrafo acima, uso o adjetivo suposto(a) duas vezes: primeiro em conexão com o declínio de audiência presumido pelo número de curtidas; depois, associado a alguma seletividade ideológica do algoritmo do facebook. Vejamos, então, por partes.

Ora, qualquer exame rápido das estatísticas de visitação de um blog é capaz de mostrar que o número de visualizações de um post supera em muito o número de curtidas da divulgação do mesmo em redes sociais. Deve ter a ver com a velocidade do feed, que faz com que muitas vezes não tenhamos tempo de curtir o compartilhamento por outrem de páginas que abrimos e lemos, na íntegra ou, na maioria das vezes, em parte.

Sobre a tal seletividade maligna do algoritmo. Ok, acredito em fantasmas e também em muitas teorias conspiratórias. Mas daí para se dizer que o facebook ou congêneres censuram deliberadamente os conteúdos que mostram em razão de posições políticas implícitas nos mesmos, menos. Bem menos. É claro que isto corresponderia ao ideal de muitos vilões de distopias da ficção científica.  Acredito, sim, que algoritmos possam identificar com alguma precisão a índole ideológica de textos compartilhados. Só que dificilmente isto se daria por algum tipo de análise semântica residente em alguma inteligência artificial. Não, ao menos, antes da implementação prática da web semântica sonhada por Pierre Lévy.

Então, é muito mais provável que o caráter ideológico de cada postagem seja determinado não pela leitura e interpretação automáticas de cada texto (imaginem o tempo e a capacidade de processamento que isto consumiria !) e sim pela mera quantificação aritmética de quem curte ou repudia cada publicação. Sabendo-se a inclinação política de cada usuário (o que não deve ser nada difícil), fica igualmente fácil, então, atribuir um rótulo ideológico àquilo que cada um curtiu ou execrou. Mais uma teoria conspiracionista ? Pode até ser. Só que bem mais verossímil, no entanto, do que robôs super inteligentes interpretando o que dizemos.

Postas estas ressalvas, cabe admitir que, conforme acredita Darekshan, seus posts escritos de 2014 em diante podem, de fato, estarem sendo lidos por um número significativamente menor de pessoas do que aqueles escritos antes de 2008. Nem tanto, todavia, em razão da recente centralização da internet em torno das plataformas de redes sociais (que ainda discutiremos neste post) mas, simplesmente, pelo crescimento exponencial da quantidade de blogs existentes desde seu surgimento até os dias que correm.

Até o momento, não obtive nenhum retorno de minha solicitação, pelo facebook, de um gráfico que desse conta deste crescimento. Mas as informações contidas na wikipedia falam bem alto. Quando surgiram, por volta de 1999, havia ca. 50 blogs; no final de 2000, já chegavam a poucos milhares; menos de três anos depois, saltaram para algo entre 2,5 e 4 milhões; hoje estima-se que existam em torno de 112 milhões e que 120 mil seja criados diariamente. Como eu disse, são números eloquentes.

Pensem agora na disputa entre todos estes sites na economia da atenção. Nos primeiros anos da blogosfera, todo autor era uma espécie de celebridade, representando posições independentes e/ou dissidentes em relação aos broadcasting media. Darekshan deixa isto bem claro ao afirmar que “Blogs valiam ouro e blogueiros eram como estrelas de rock quando eu fui preso em 2008.” Ora, é perfeitamente natural, então, que, com a pulverização do número de blogs de lá para cá, quando todo internauta se tornou um blogueiro em potencial, a audiência de cada blog tenha ficado restrita, salvo raras exceções (os tais blogueiros que são como pop stars), a um número progressivamente menor de leitores.

Meu amigo Milton Ribeiro costuma dizer, acho que como consolo a blogueiros neófitos, que a audiência espantosamente mais numerosa de seus blogs se deve fundamentalmente ao fato de já estarem no ar há bastante tempo; ouso duvidar disto, afirmando que seus blogs desfrutam de uma base privilegiada de leitores principalmente em razão dele ter começado quando ainda havia menos, muito menos blogs disputando a atenção de leitores. Quem tem razão ? O futuro dirá. Se daqui a dez ou vinte anos blogs que começaram hoje tiverem a audiência da qual Milton desfruta agora, ele terá razão. Se, no entanto, ostentarem números bem mais modestos, terei eu. Tanto faz, pois nem sei se haverá blogs até lá.

Não acho, no entanto, que o declínio assombroso da audiência dos blogs reflita alguma espécie de caduquice do meio mas, antes, uma irrefutável comprovação da realização de seu ideal – que é, ao menos segundo o que acredito, a possibilidade utópica de que todo e qualquer indivíduo tenha seu próprio lugar de expressão independente e omniacessível, para muito além dos limites de seu círculo pessoal. Já que, a rigor, qualquer um no domínio da linguagem e de alguma habilidade tecnológica (o primeiro é bem mais difícil do que o segundo) pode ter, a custos irrisórios ou inexistentes, seu próprio cantinho no ciberespaço. Outrossim, o anacrônico desejo, explícito ou não, de se tornar uma voz que se erga sobre as demais é, em 2017, absolutamente demodé.

Aqui, devemos falar sobre a incompreensível mania, que não obstante alimenta os sonhos de muitos, de tornar a atividade blogueira algo rentável ou até uma profissão em si. O que é tão óbvio e mesmo ridículo para qualquer um que entenda minimamente a economia da atenção num contexto saturado como o ecossistema de blogs em crescimento exponencial, não parece ser, no entanto, para alguns visionários ou, simplesmente, oportunistas. Por isto, me divirto todos os dias com as dicas monetizadoras de um site chamado Viver de blog, cujo nome é autoexplicativo. Tenho ganas de conhecê-lo. Seus cases de sucesso, ao menos. Só ainda não tive paciência.

Teimoso que sou, continuo achando que quem quer ser um broadcaster e investe num blog está apostando suas fichas no lugar errado. Pois blog são, idealmente e antes de mais nada, células expandidas e interconectadas pertencentes a uma rede neural – cujo poder (no caso, o conhecimento armazenado) reside, antes, distribuído na extensão da rede do que em quaisquer de suas células em particular. Se a proeminência de algumas delas sobre as demais se exacerbar, enfraquecem as conexões, morre a rede e, com isto, todo o conhecimento nela armazenado.

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Como sugeri acima, não acredito que redes sociais sequenciais como o facebook estejam matando na internet sistemas distribuídos como a blogosfera. Tampouco acredito que o facebook conspire contra a ecologia dos blogs ao não facilitar, em suas postagens, a inclusão de hyperlinks. Ao contrário, não apenas o facebook se constitui na mais poderosa ferramenta que conheço para a difusão de publicações em blogs, como facilita tremendamente a inserção de hyperlinks. Como ? – devem estar a me perguntar. A resposta é simples: nos comentários. Então, fica a dica. Se vocês estiverem se sentindo muito limitados por não poderem incluir em cada postagem no facebook mais do que um único hyperlink (o qual será generosamente destacado pelo algoritmo, inclusive com a possibilidade de seleção de uma imagem ilustrativa), basta incluir quaisquer outros no thread de comentários sob a postagem, à razão de um comentário para cada hyperlink que você queira destacar, que o facebook se encarregará do resto, mais facilmente do que em qualquer editor de blog.

É claro que a propalada seletividade do facebook não é nenhum segredo – seu vestígio mais emblemático sendo a configuração default “mais importantes” no canto superior do site, em “feed de notícias” – contra cuja persistência vitupera repetidamente meu amigo Marcos Abreu, mas que pode, no entanto, ser facilmente comutada para “mais recentes”. Por meio deste singelo ajuste, nos tornamos imunes ao intrometido algoritmo que insiste em mostrar o que ele julga “mais importante”.

Mas não é só isso. Autores como Harari bravejam contra a profusão de gatinhos fofos que somos obrigados a ver, volta e meia, na timeline. A resposta a este ranço é um tanto quanto óbvia, pois se os tais gatinhos insistem em aparecer diante de nossos olhos, detemos a responsabilidade exclusiva por convidar ou aceitar amigos que os postam. Não precisaria falar mais disto, mas nunca é demais lembrar que:

1) praticamente todas as postagens em redes sociais pertencem a uma das duas seguintes categorias:

lifecasting – postagens que dão conta do cotidiano de cada um, no intuito de glamourizá-lo, mas que são quase sempre irrelevantes para os outros. Ex.: pratos de comida sem as respectivas receitas; e

mindcasting – postagens, sob a forma de textos na primeira pessoa ou links compartilhados, que trazem em si algum fato ou ideia e buscam angariar apoio, sob a forma de concordância, ou desaprovação para os mesmos.

É, portanto, por meio de postagens de mindcasting que as melhores discussões se materializam em redes sociais.

2) redes sociais podem (ia escrever “e devem” mas, pensando bem, isto fica a critério de cada um) ser configuradas por usuários como personal learning networks (PLNs) – que é uma forma de descrever aquelas redes que congregam perfis notabilizados por compartilharem conteúdo informativo ou crítico.

Ora, configurando nossas redes como PLNs, por meio da análise criteriosa de quem admitimos em nossos timelines, privilegiamos a inclusão de sujeitos mais comprometidos com o mindcasting do que com o lifecasting e asseguramos, com isto, a manutenção de um, vá lá (dando algum crédito a Derakshan), canais de TV altamente customizados, informativos e provocativos.

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PS: Depois que terminei de escrever este post, Jean Scherf postou no facebook, em resposta a minha enquete, o seguinte gráfico:

Primeiros comentários sob um post sobre as razões de ser das orquestras

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Não é novidade para quem lê este blog que, de uns tempos prá cá, temos publicado, muito mais do que textos originais, comentários derivados dos mesmos. Só que a imensa maioria dos comentaristas ainda prefere comentar posts em redes sociais ao invés de nos sites e blogs onde são originalmente publicados – mesmo sabendo que a permanência do que é dito é muito maior em sites do que em redes sociais (soube, esses dias, que já há uma plataforma, acho que snapchat, que deleta tudo o que nela aparece pouco tempo depois !…).

Então, até como forma de dar continuidade a uma auspiciosa discussão que procurei, com o post anterior, iniciar, resgato, para a permanência do blog e para vossa reflexão, os primeiros e valiosos comentários deixados sob a divulgação do mesmo. Notem que, ainda que sejam apenas dois os comentaristas iniciais, deixaram pareceres qualificadíssimos, vindos de dois universos opostos, mutuamente excludentes – a saber, de um lado, o de quem é profundamente habituado a concertos e, de outro, o de quem precisa viajar 500 quilômetros para ouvir a orquestra mais próxima. Ameaçada, aliás, de extinção por determinação governamental.

Muito obrigado, então, Breno Freire, que ainda não conheço pessoalmente, e Solange Maciel, que conheci no sertão baiano, pelos ilustrativos comentários deixados, abaixo transcritos. Que sirvam de combustível a esta virtuosa discussão. Para que orquestras como a OSBA deixem de ser ameaçadas pela pura ignorância dos ungidos pelo voto.

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Breno Freire Tenho muito para falar sobre isso também. Faltou-me a iniciativa da escrita. Curioso para saber a justificativa da determinada passagem ” orquestras não podem nem devem ser populares nem tampouco (portanto) gerar lucros”.

Augusto Maurer Se orquestras flexibilizarem suas programações a ponto de se deixarem pautar predominantemente pelo gosto popular, deixam de cumprir sua função, que é a de tocar música composta originalmente para elas – correndo real risco de extinção, pois, fora do âmbito da música sinfônica, não conseguem concorrer com alternativas mais econômicas de performance. Por exemplo: por que utilizar uma orquestra num espetáculo de crossover, quando uma banda de rock pode dar conta da tarefa com muito mais economia e eficiência ? Obrigado por se interessar pela discussão !

Breno Freire Augusto, fundamental é falarmos sobre isso ! Se nós, os músicos, não discutimos e tivermos claro em nossas perspectivas os porquês de uma orquestra, estamos perdidos. Vamos lá, entendo seu ponto de vista. porém, ascendo a questão para alguns pontos:

1) Antes de tudo, penso que popularizar não é flexibilização de programação. Popularizar no meu ponto de vista, é tornar o evento economicamente viável para a prática de todas as diferentes categorias de remuneração da sociedade, a ponto de não se excluir público pelas condições determinadas pelo preço. A orquestra é fruto de trabalho humano, e portanto feita por seres humanos PARA seres humanos, TODOS e TODAS devem ter acesso a ela.

2) “gosto popular” – o que é o gosto popular ? Pela sua afirmação parece-me que existe um “gosto popular” que é aquele que é formado pela apreensão “fácil” de músicas ” fáceis” e o gosto “erudito” formado pela intelectualização da apreensão estética. Além de eu não concordar com essa fala, acho que ambos sabemos que um deles é forjado para alimentar uma cultura burguesa distante da realidade total em que vivem os seres humanos. A popularização das entidades orquestrais se dá justamente pela sua prática na sua plena forma do “dever-ser” e para além de uma questão de repertório, fornecer a humanização dos sentidos ao maior número de pessoas, estamos falando de trabalho humano. Se “privarmos” o acesso em decorrência de categorias salariais, vamos entender que a orquestra age como uma propriedade privada na sua forma de expressão plenamente capitalista, na qual a pessoa deve pagar para ter acesso. Sou a favor de caminharmos para custos de ingresso tendendo a zero, e assim a responsabilidade do Estado em comprometer-se com uma entidade que não busca lucrar, mas busca potencializar nas formas mais intensas e complexas, os seres humanos.

3) Repertório – O gosto por Beethoven só vai existir se a pessoa ouvir Beethoven. Mas para isso acontecer, ela precisa adentrar ao espaço do concerto, sentido que aquilo é parte dela, ou seja, que se identifique com a orquestra. Não é o repertório, na minha opinião, o fator determinante para a não potencialização da audição da música. Acho sim, que essas questões residem na esfera capitalista, em sua forma monetária. Pessoas de menor poder aquisitivo não vão, porque não tem acesso ( entenda acesso não apenas como determinação de valor, mas também cultural ) e por consequência, a questão do repertório acaba travestida num ponto que, na minha opinião, não é o dela. Orquestras devem tocar o repertório que para ela foi escrita e as pessoas terão a oportunidade de escolher se lhes agrada ou não, o que vai além de uma determinação de gosto por questões relativas ao dinheiro.

É isso meu camarada, um abraço. Obrigado por compartilhar.

Augusto Maurer Concordo plenamente que orquestras devem ser acessíveis a todos. Sou, no entanto, radicalmente contra a flexibilização por meio da facilitação de seu repertório em nome da ampliação da audiência. Então, parece que estamos de acordo. Mas reconheço que preciso clarear melhor alguns pontos. Tomara que esta discussão frutifique !

Breno Freire Também sou, Augusto ! Não é assim, no meu ponto de vista, que vamos encher as casas de concerto, não com essa falsa sensação de que se populariza por meio da “facilitação” de repertório. Todas as pessoas merecem um Gurre-Lieder, uma segunda de Mahler, um Willy Correa e um Pixinguinha.

Breno Freire Torço para florescer esse debate cada vez mais nos núcleos de música !

Solange Maciel Gosto muito de ouvir uma orquestra, embora onde moro há alguns anos, não tenha sido possível, até o presente momento, apreciar tal evento, e sempre pensei na ideia de acessibilidade das orquestras, mas, confesso, que pensava nessa “flexibilização de repertório”, na minha ignorância, até ler o que o senhor escreveu nessa resposta, professor Augusto Maurer. Realmente, agora entendi esse aspecto e concordo plenamente com o senhor. Essa flexibilização nos impediria de conhecermos um repertório mais vasto e diversificado, sobretudo, elaborado por quem efetivamente conhece uma orquestra. Achei muito interessantes e esclarecedores os seus argumentos.
Ah! E desculpe-me pela intromissão (extremamente leiga!) nesta discussão.

Augusto Maurer Muito obrigado, Solange Maciel, pela intromissão, sempre bem-vinda: com efeito, é só por isso que escrevo, i.e., tentando conversar e polemizar. Só para de me chamar de senhor – ou também vou te tratar por senhora !

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Atualização em 06 de janeiro de 2017: enquanto publicava os comentários acima, me chegaram mais dois, de frequentadores habituais de concertos, expressando opiniões de certo modo contrárias; o primeiro, reivindicando a ampliação do repertório por meio da maior inclusão de obras recentes e populares, com menos repetições; o segundo, advogando justo o contrário, i.e., mais repetições das peças mais populares entre ouvintes em nome da ampliação da audiência. O segundo comentário abaixo também trata com agudeza do problema da amplitude semântica da palavra popular, exigindo – com razão – definições mais precisas, das quais trataremos adiante. Difícil equação, cuja solução ainda não vislumbro. Fiquem, então, por enquanto, com mais estes argutos comentários resgatados da algaravia do facebook. E obrigado, André e Norberto, por se juntarem a esta importante conversa !

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Norberto Flach Tirando as grandes e centenárias orquestras europeias e norte-americanas, quais orquestras sinfônicas são “apenas” sinfônicas? Não têm que fazer parte de um contexto mais amplo, de arranjos sinfônicos de música popular, grupos menores para repertório de câmara, uma ou outra ópera, escola de música etc? É isso, ou a inexistência. (Agora, só aqui entre nós: acho que tem muita música sinfônica do século XX excelente ou pelo menos boa. Quero dizer: muito mais do que o pessoal costuma programar. São ingleses, europeus orientais, japoneses e por aí vai. Mas o pessoal prefere programar pela cagagésima vez aquela música para fogos de artifício).

Andy Serrano sobe esta passagem:

“Se orquestras flexibilizarem suas programações a ponto de se deixarem pautar predominantemente pelo gosto popular, deixam de cumprir sua função, que é a de tocar música composta originalmente para elas – correndo real risco de extinção, pois, fora do âmbito da música sinfônica”

O que me vem a cabeça são duas formas de entender a palavra “popular”…

Uma coisa é a orquestra que interpreta a “música popular”, do tipo “música popular brasileira” ou ” música popular americana”, ou “música popular alemã”, etc… ou seja, peças originalmente não sinfônicas.

e OUTRA coisa é a orquestra ter PEÇAS SINFÔNICAS que sejam do APREÇO POPULAR. (melhor não elencar Karmina nem Bolero pra não reeditar celeumas).

Minha opinião é que peças de apreço popular (e podem ser sinfônicas sim) são porta de entrada para que as pessoas entendam melhor uma orquestra, e passem, consequentemente, a buscar por mais apresentações das mesmas.

E tampouco penso ser isso um “mal necessário” para a orquestra… embora imagine que, depois de tocar a mesma peça tantas vezes, seja um saco também.

Sobre o que supostamente move a atenção de quem lê blogs; ou In praise of colaborative writing

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Num mundo perfeito, todos teriam blogs. Pouco importa se música, fotos, vídeos, desenhos, receitas, impressões sobre filmes vistos, comidas saboreadas, embates esportivos e, é claro, política, todos tem algo a dizer ou mostrar. Mais interessante do que aquilo que se vê, ouve ou lê na mídia na maioria das vezes. Lamentavelmente, ainda são bem poucos os que percebem (pois só a isto consigo imputar a letargia de escolas, mesmo as de alunos mais abastados, em sua implementação curricular) os enormes benefícios da utilização de blogs para o ensino de redação ou ainda, num sentido mais amplo, configurações mais conectadas e descentralizadas de autoria..

Tal contexto utópico é o oposto perfeito do modelo experimentado na cultura de broadcasting em que estamos imersos – na qual, por definição, as vozes de poucos se fazem ouvir em prejuízo das vozes silenciadas da maioria. Em quaisquer meios, reverberam apenas as vozes de uns poucos políticos, religiosos, autores (ocultos por trás de atores e personagens) e anunciantes (invariavelmente grandes empresas, pois o limiar inferior de anúncio em toda grande mídia exclui, por definição, todo pequeno anunciante. Tal desequilíbrio (determinado, por assim dizer, por… investimento publicitário, na propagação de vozes de diferentes grupos) ocorre igualmente na política, na religião, na mídia e em toda a parte onde interesses colidam.

Então, só para, de vez em quando, fazer algo útil (já que, ultimamente, venho sendo, como pode ver quem acompanha o que é postado neste blog, taxado de inútil, improdutivo ou ocioso (como se o último fosse um defeito !)), deixo, neste post e noutros vindouros, à guisa de sugestão, anotações sobre hábitos que conspiram para a manutenção de um blog, senão bom, ao menos legível.

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Tenho por bem, ao publicar, me ater a recomendações de outros mais experientes do que eu. Consoante a isto, ao longo dos anos aprendi que

posts com figurinhas são mais visitados do que aqueles em texto puro; por isto, sempre que termino de escrever algo novo (invariavelmente um texto puro), procuro na web as imagens que melhor o possam ilustrar;

leitores evitam títulos em língua estrangeira. Tão somente por isto, parei de insistir em iniciar títulos de postagens com expressões em inglês como, por exemplo, on conducting ou on writing. Assim, sem desistir por completo das categorias em inglês (que acho bem úteis para fins de catalogação), passei, no entanto, a lhes posicionar, a conselho de meu editor, não mais no início mas no final dos títulos de cada post;

textos com vocativos claros (isto é, que falam inequivocamente de uma pessoa (tais como as cartas abertas a um secretário de estado, a um gestor de uma fundação estatal ou, ainda, mais recentemente, em defesa da diretora de uma unidade de uma universidade federal) despertam nos leitores muito mais interesse do que aqueles aludindo exclusivamente a questões abstratas, teóricas, hipotéticas ou, simplesmente, impessoais. Ou, como bem disse um amigo, “as pessoas querem é ver sangue”. Tanto reconheci tal evidência que declarei, há tempos, chistosamente, que, doravante, só escreveria cartas abertas.

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Ainda há muito a aprender. Talvez não devesse, ao escolher um título ou um tema, dar tanta importância aos preceitos acima. Pois, mais do que quaisquer índices de visitação absoluta, me parece muito mais importante, para qualquer coisa postada na web, a quantidade e a relevância dos comentários por ela ensejados. Tanto que, de uns tempos para cá, venho cada vez mais trazendo para a permanência do blog threads de comentários deixados no facebook sob postagens de divulgação de novidades por aqui. Até por que, muitas vezes, suplantam em precisão e profundidade tudo o que foi dito no caput. Tenho para mim esta como sendo uma das principais virtudes de todo discurso produzido na web – que é, por natureza, colaborativo.

Comentários anteriores e posteriores à minha diatribe contra Carmina Burana, precedidos por anotações sobre o uso que fazemos de blogs e redes sociais

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Já devo ter dito em algum lugar deste blog (até por que a ideia não é nada original) que, tivesse vivido em nosso tempo, Mikhail Bakhtin (1895-1975) teria se esbaldado analisando os tipos de discurso produzidos na web a partir dos princípios que formulou. Segundo sua teoria, todo discurso, lacônico ou prolixo, se relaciona com outros existentes por meio de nodos que representam a alternância entre falantes. As falas contidas entre um nodo e outro, produzidas por um único autor, são chamadas de discursos monológicos – o “grande romance” como seu mais típico e monumental exemplo; enquanto aqueles constituídos por falas de vários autores, em concordância ou oposição, são considerados dialógicos.

Ora, esta dicotomia cai como uma luva para classificar a algaravia da internet. De tal modo que, enquanto o que se escreve em blogs é essencialmente monológico – com um elevado grau, portanto, de controle autoral – já as plataformas de redes sociais primam por facilitar discursos mais interativos, com falas menores de um maior número de autores (nelas chamados de comentaristas), engendrando discursos dialógicos nos quais o controle do autor (raramente exercido) se limita, quando muito, à remoção de comentários considerados, por quaisquer razões, indesejáveis por quem inicia a conversa.

Desta distinção resulta que, enquanto o texto em (bons) blogs costuma ser mais linear e enxuto, com uma série de silogismos perfeitamente encadeados do início até o fim de cada post, em redes sociais o discurso tende a ser mais errático, interrompido aqui e ali por possíveis linhas de argumentação logo abandonadas, a confundir leituras mais objetivas. Tal é o estado das coisas ao menos até a implementação de uma web semântica, idealizada por Pierre Lèvy, que tratará de identificar e agrupar automaticamente enunciações pertencentes a uma mesma categoria. Até que isto aconteça, todavia, é recomendável a todo sujeito se fazer presente, com finalidades diferentes, tanto em blogs como em redes sociais, utilizando os blogs em busca de maior introspecção ou para a sedimentação de linhas argumentativas mais complexas e as redes sociais como local ideal por definição tanto para a difusão como para a colisão de ideias.

Já disse acima que blogs são mais afeitos ao que é comumente conhecido por “textão”. Com efeito, o textão constitui uma espécie de limite tácito àquilo que podemos postar numa rede sem grande risco de incomodar quem lê. O tamanho do que é considerado textão varia, é claro, de uma pessoa para outra muito em razão do tamanho daquilo com que cada um acha aceitável se deparar em sua timeline, a clamar por atenção. Recentemente, se tornou popular um tipo de disclaimer de textão, como uma tarja de advertência a quem se dispuser a clicar no botão “ler mais” que o facebook, muito convenientemente, disponibiliza logo após as primeiras linhas de qualquer texto parcialmente ocultado por seu algoritmo.

Outra grande distinção entre os blogs e as redes é que as últimas são imensamente mais interativas do que os primeiros, a julgar pela grande diferença entre o número de comentários postados nuns e noutros. Além disto, comparando-se a visitação inicial a cada novo texto postado num blog com o número de curtidas da divulgação do mesmo numa rede social, também se pode inferir que postagens em redes sejam bem mais visualizadas do que aquelas em blogs. Então, se afigura com uma estratégia bastante útil divulgar em redes sociais cada nova postagem em um blog, no intuito de atrair para o último parte do público que vê o que é postado nas primeiras.

Por fim, é preciso ressaltar que a permanência de tudo o que se escreve num blog é muito maior do que a de tudo o que é dito exclusivamente em redes sociais – que são, por natureza, voláteis, i.e., tudo o que nelas se publica tende a ser rapidamente esquecido em favor de postagens mais recentes.

Por tais razões, utilizamos os blogs, primordialmente, para

desenvolver, num discurso monológico, argumentações mais complexas; e, secundariamente,

conferir maior permanência a falas que emergem em redes sociais cujo interesse seja, no entender do blogueiro, mais duradouro. Por isto, transcrevemos, abaixo, dois threads (desculpem o anglicismo, mas não encontrei, até o momento, uma tradução suficientemente boa para a expressão) de comentários, respectivamente, anteriores e posteriores à publicação neste blog, dias atrás, de uma diatribe contra a cantata Carmina Burana, de Carl Orff (1895-1982).

* * *

Notas sobre as transcrições:

1) Em tempos distantes, quando eu frequentava o twitter e sequer conhecia o facebook, tive pela primeira vez a ideia de perpetuar num post, em meu primeiro blog, uma conversa que mantive numa rede social que achara particularmente interessante. Tão logo divulguei a postagem, uma blogueira (sic !) cujas falas na rede social eu citara em meu blog reclamou por ter se sentido indevidamente exposta ao ver o que dissera, de modo espontâneo e casual, descontextualizado e cristalizado num meio mais permanente. Algo parecido, suponho, com a distinção que alguns fazem entre a palavra falada e a escrita. Acatei e removi prontamente. Do mesmo modo, me prontifico a retirar deste post quaisquer comentários que venham a ser considerados por seus autores como indevidamente publicizados. Em ocasiões anteriores, busquei autorizações expressas de todos que pretendia citar. Só que, aqui, como os comentaristas são tantos, optei por publicar e só depois remover falas cujos autores se sintam, por qualquer razão, incomodados. Há comentaristas habituais que sei não se importarem com a ampliação da visibilidade de suas falas. Mas pode bem haver entre eles, igualmente, aqueles que talvez não considerem suas falas em redes sociais como públicas. A estes, I humbly apologize.

2) Logo que constatei a grande profundidade e relevância de alguns comentários para a discussão que iniciara, hesitei em relação a publicar tais threads no blog. Só, no entanto, até o Milton me pedir que o fizesse. Novo impasse: transcrever os threads na íntegra ou, ao contrário, editá-los, deles removendo a conversa mais casual e pinçando só as falas que julgasse mais relevantes ? Tão somente por não ter conseguido estabelecer um critério de corte, escolhi publicá-los na forma bruta, sem edições. Ainda não sei se foi a melhor opção.

* * *

Os comentários seguintes foram postados sob um desabafo que fiz, no facebook, em relação a estar tocando Carmina Burana. Para que os mesmos façam mais sentido, transcrevo também, inicialmente, meu desabafo – praticamente um textão – responsável por desencadear a conversação.

Augusto Maurer Carl Orff é um fenômeno totalmente supérfluo e colateral à história da música, sequer constando em alguns compêndios. Ouvi dizer que era nazista e batia na mulher. Desgraçadamente, uma de suas duas únicas composições (se é que dá prá chamar assim aquelas formas repetitivas de alguém que provavelmente jamais aprendeu a modular de uma tonalidade a outra (que se dane a desculpa de que era modal: já ouvi muita música modal bem inteligente)) caiu definitivamente no gosto popular – empatando somente com, talvez, o Bolero de Ravel. Para seus maiores entusiastas, se confunde com a própria origem do rock sinfônico.

Dito isto, dou por cumprido meu triste dever de participar que, no próximo fim de semana, a OSPA tocará, no auditório Araújo Vianna, a controversa Carmina Burana. Pois, é preciso admitir, a coisa tem seus apreciadores. Méritos ? Não sei.

Magda Sarmento A opinião de quem entende de fato, é para nos fazer pensar, Sidney.

Sidney Lima [emoticon]

Milton Ribeiro Carl Orff recusava-se a falar publicamente sobre seu passado. Era oriundo de uma família da alta burguesia bávara, muito ativa na vida militar alemã… Embora a associação de Orff com o nazismo nunca tenha sido comprovada, Carmina Burana tornou-se muito popular na Alemanha nazista depois de sua apresentação na cidade de Frankfurt, em 1937. Depois da Segunda Guerra Mundial, Orff alegou ter sido membro da resistência, mas não há evidências disso.

Fabio Zanon Uma das maiores desgraças da música do século XX é esse troço ainda permanecer no repertório.

André Luiz López Cardozo  “Não concordo com nada que dizes, mas respeito até o fim teu direito de dize-lo”

Milton Ribeiro Agora, a música é uma TREMENDA BOSTA.

André Luiz López Cardozo não confundam “juízo de gosto” com “juízo de valor”

Augusto Maurer Exatamente ! Nunca disse não gostar de Carmina Burana – e sim que, por qualquer critério técnico, ela não vale nada !

Ricardo Branco Eu acho esta música chatissima. Começa legal, a Fortuna Imperatrix Mundi, mas depois é um estupor.
Quando levei um pessoal não muito afeito à música de concerto ouvi-la e dishe-lhes depois que a desgostava, quase apanhei.

Fabio Zanon Isso acontece porque o nível de exigência auditiva só se compara a um rock de quinta categoria. Melodia modal (sempre o mesmo modo, sempre usado da mesma maneira), ritmo fácil, máximo de 3 acordes, muita repetição, bateria fazendo bastante barulho, a mesma melodia não importa a letra. Os Beatles são Bach comparando com isso.

Milton Ribeiro Perfeito !

Augusto Maurer É preciso, então, suponho, vê-la em perspectiva: comparada ao resto do repertório sinfônico, é mesmo uma bosta; mas, talvez, para quem nunca (ou quase nunca) ouça orquestras, deve impressionar.

Fabio Zanon Porque a orquestra sinfônica é um dos pináculos da criação humana. 100 pessoas tocando harmoniosamente no mesmo ritmo fica bonito até com música ruim.

Adroaldo Bauer Corrêa Bem mais recentemente ganhou letra em homenagem crítica ao provecto marido da Marcela. Prepare-se pra eventual interação de platéia incontida e pouco reverente.

Augusto Maurer Compartilha, Adroaldo Bauer Corrêa ! Em nome da ilustração do público.

Adroaldo Bauer Corrêa Fá-lo-ei, Augusto Maurer.

Augusto Maurer (mesóclise de dar inveja ao marido da Marcela…)

Ricardo Branco Eu acho que justamente a repetição, pouca variação e barulheira agrada ao público em geral.

Fabio Zanon Precisamente, igual a rock de quinta, sertanejo universitário, funk etc.

Milton Ribeiro O Sar…to…ri..! BUM!

Augusto Maurer Obrigado, amigos ! Nada como dizer algo polêmico para ter, instantaneamente, a atenção de algumas das pessoas mais inteligentes que conheço !

Augusto Maurer (notem que, quando devidamente provocados, escreveram, colaborativa e espontaneamente, o melhor anti-release que já vi. Por essas e outras estou no face…)

Gabriela Vilanova Maestro, tenho acompanhado seus artigos no jornal e que bom saber notícias suas. Foi com o senhor que fiz meu primeiro festival onde tocamos a oitava de Beethoven. Muita emoção pra quem tem 13anos!!! Eu era violinista na época. Toco na Ospa há 8 anos! Abraço

Fabio Zanon O maestro Osvaldo bem aponta que é a obra mais conhecida do autor. Ainda bem, porque as desconhecidas são ainda piores. Assisti uma vez a Der Mond e acho que preferiria ficar uma hora na cadeira do dentista.

Martin Muehle Conforme o Prof. Celso Loureiro Chaves, Carmina Burana teria similaridades questionáveis com obra As Bodas de Stravinsky composta anteriormente….

Osvaldo Colarusso é um xerox não autenticado de Les Noces

Fabio Zanon Se a gente considerar um Fiat 147 um xerox de um Camaro…

Milton Ribeiro Fabio Zanon HAHAHAHAHAHAHAHA

Angelo Metz Acho que é o unico assunto em que eu e Celso concordamos na vida. hehehehe

Ricardo Branco Olha, de fato tem algumas lembranças. Não sou músico, tampouco toco instrumento. Gosta das bodas, muito. Seria uma versão muito piora da?

Martin Muehle Ou seja, um plágio descomunal

Charlles Adriano Campos Sempre odiei Carmina Burana. Acho de uma breguice sem igual.

Carlos Sell Com certeza algo ficou em falta na minha educação musical! Eu adoro essa peça desde a infância, praticamente cresci ouvindo a interpretação do Seiji Ozawa! Mas enfim, o mundo é diverso né? Abraço!

Ricardo Branco Como leigo, eu acho que música uma arte ímpar. Às vezes, ela nos pega por algum , remete a situações que nem mais lembramos. Talvez não gostemos pelos mesmos motivos, sei lá

Paulo Paranhos Jr. gosto de ler o que meu amigo e colega Augusto Maurer escreve. Seus textos sempre me fazem ter que ler e reler pra eu ter certeza do que ele quis dizer…e isso faz meu cérebro criar mais ligações neuronais….

Paulo Paranhos Jr. e,particularmente, também acho meio chata essa música.

Damián Keller Nada como a mediocridade composicional para se transformar em referência da educação musical.

Wilfried Berk Carl Orff na wikipedia

Norberto Flach E daquelas músicas para festa com foguetório, gostas?

Omar Gianlupi Carlo Gianlupi, ler os papos cabeças.

Rodrigo Nassif Essa Carmina é de Passo Fundo , que nem eu?

Júlio César Apollo Há música para músicos e estetas e há música para as pessoas comuns do povo. Levar o povo ao concerto é algo que Orf faz com sua música brega e chata muito melhor do que Bach, Haydn ou Josquim. Que o digam o Sr. Rieu e os Lima.

Augusto Maurer Não concordo com esta categorização da música segundo seu suposto público alvo. Até por que, em nome dele, todo o pop foi cometido. Por isso, prefiro pensar em música boa ou ruim. Segundo critérios bem objetivos e demonstráveis. Coisas como ambição formal ou amplitude harmônica. De modo que não concordo com máximas simplistas do tipo “gosto não se discute”. Se discute, sim. E quanto mais se comparar, melhor.

Fabio Zanon Tem milhares de pessoas que dedicam suas vidas à música de Bach ou Haydn. Eles têm algumas das obras que definem a cultura ocidental e são consenso entre músicos e público há 200 anos. Orff tem somente uma música que ainda é executada, que cria lá seu efeito. Bach é um universo em música. Bach vende milhões de discos e downloads. Orff não.

Júlio César Apollo Fabio Zanon, todos sabemos disso. Mas proponho um desafio, um concerto maravilhoso e digno com a Arte da Fuga e um outro com Carmina Burana. Qual venderia mais ingressos? Eu tenho dúvidas, mas suspeito qual seria o resultado. Ah, e tem pessoas que dedicam-se à Josquim também que foi um dos maiores.

Júlio César Apollo Augusto Maurer, eu também acho que gosto se discute e que qualidade é perfeitamente demonstrável. Mas basta olhar em volta e ver e ouvir a diversidade musical. Tem público para tudo. E uma grande e competente orquestra mantida com dinheiro de todos os gaúchos deve tocar para todos os gaúchos.

Augusto Maurer Se venda de ingresso e preferência do público fossem critério estético, a arte não existiria. Imaginem, por exemplo, um futuro distópico onde só houvesse gente como, sei lá, Rieux ou os Lima. Ou Romero Brito.

Fabio Zanon Júlio César Apollo, você pegou um exemplo particularmente extremo. A Arte da Fuga nem é música para se tocar em público, é de um músico para outro. Idem Josquin. Isso é música de nicho. Mas, vamos combinar, se formos pensar em música para grandes plateias, levanta-defunto, tem milhares de composições decentes de gente decente. Qualquer Abertura 1812 é um monumento à sutileza comparada a Orff. Na verdade, não vejo problema em que ela seja apresentada ocasionalmente. O negócio é o que o Colarusso falou, ela é o tipo de música que se programa tropegamente, sem ensaiar direito, para atrair artificialmente um público que não vai voltar nunca pra ouvir outra coisa. Acho até que mereceria ser encenada, da forma como Orff a concebeu (só que não tão cafona e datado quanto este vídeo):

Júlio César Apollo Conheço o vídeo, acho chato até o Hermann Prey que gosto está meio sem graça.

Júlio César Apollo Entretanto as moças com os seios nus no laguinho ficou carimbada na minha mente.

Angela Maria Bordini Nogueira Até onde sei Carmina Burana vem da Idade Média. Carl Off juntou os temas e letras. Há letras ótimas. Aquela das moças convidando os moços pra namorar, por exemplo. Minha professora ( século passado) de Português Medieval- galego português- dizia que as moças levantavam as saias e cantavam em frente às igrejas 🙂 Mas aquela língua ninguém entende bem, não ė ?

Milton Ribeiro Sim, o que cantado é de muito alto nível, o que é desmanchado pela música.

Milton Ribeiro Aquele O Fortuna tem a seguinte tradução:

Oh, sorte
És como a lua
Estado variável
Sempre crescendo
Ou decrescendo
Vida detestável
Primeiro oprime
Depois alivia
A mente só por diversão
Pobreza
Poder
Dissolvem como gelo
Destino monstruoso
E vazio
Tu, Roda da Sorte
És malevolente
Bondade em vão
Que sempre leva a nada
Obscura
E velada
Também me amaldiçoaste
Agora – por diversão
Trago o dorso nu
E entrego à tua perversidade O destino da saúde
E virtude
Agora me é contrária
Dás (afeto)
E tiras (afeto)
mantendo sempre escravizado
Então agora
Sem demora
Tange a corda vibrante
Porque a sorte
Extermina o forte
Chorais todos comigo

Milton Ribeiro Roubei a tradução na rede, tá?

Angela Maria Bordini Nogueira Depois vou procurar o encarte da gravação aqui. As traduções são boas. E quem quiser gostar que goste. Sou simples. Gosto até de alguns funks :))

Angela Maria Bordini Nogueira Hoje não tenho mais interesse em ouvir Carmina Burana. Mas já gostei.

Milton Ribeiro Angela Maria Bordini Nogueira, defina “simples”. 🙂 Acho que tu não és simples na acepção que utilizaste.

Angela Maria Bordini Nogueira Receptiva, menos crítica. Não tenho a cultura musical de vocês.

Milton Ribeiro Sim, porque literariamente tu és sofisticadíssima.

Angela Maria Bordini Nogueira Imagine, sou não.

Milton Ribeiro Ok, vamos brigar. 🙂 É SIM!

Angela Maria Bordini Nogueira Só quero agradecer o que aprendi de música clássica com você: ) Grata.

Maria de Abreu E o que dizer desta união, hein, hein???

Herta Elbern Pois não é que a “forma repetitiva” ajudou a reforçar o coro!

Júlio César Apollo Esse povo que canta fora Temer ficou sempre quietinho quando a dilma e o lula saquearam a nação.

Herta Elbern Paz e amor, bicho!

Harold Emert Sinto equal de voce Augusto tocando Wagner…mas a musica e fantastica…Waget era antes De Hitler mas tocando sua musica menos o meistersinger sinto o cheiro De Nazismo..mas os Grandes como Levine e baremboim judeus tambem nao pensam assim …

Ricardo Melo Dá-le, Augusto!

Herta Elbern Flávio Leite! Concordas?

Cristina Maria Capparelli Gerling Todo ser humano passa meses na barriga da mãe ouvindo uma percussão em altíssimo volume que regula o coração e outras funções básicas da sobrevivência, assim quando o humano nasce fica com saudade daquela barulheira toda. Só isso explica a atração por músicas como Carmina Burana, Bolero e roque pauleira desenfreado. Sim, tem seus momentos mas é barulheira destinada a nos levar ao transe coletivo.

Augusto Maurer Ótima análise, Cristina ! Nunca a tinha ouvido Carmina ou rock sob este prisma.

Cristina Maria Capparelli Gerling Veja se te interessa: “Lost in time” but still moving to the beat

Nelson Fiedler Tenho gostado bastante das novas vertentes do tech house . E principalmente das novas criacoes em cima da linha hip house . Acho q a musicalidade nesta 2a decada do 3 milenio esta a caminho de ser comparada aos anis 80 …o q acha ? Abracos neo

Nelson Fiedler Quanto ao Orff concordo com vc

André Luiz López Cardozo sentimentos e sensações atávicas, pertencentes ao coletivo, são despertadas por essa cantata, com certeza, Cristina Caparelli…

Claudia Antonini Bem, entendo o debate mas não curto o preconceito que ironicamente o permeia. Não pensem que eu não percebo perfeitamente que é uma música menos sofistica, menos complexa, que tem “empréstimos” de outros compositores, etc, não é uma caixinha de jóias. Eu também gosto de música complexa e sofisticada, mas, nem por isso, deixo de gostar de ópera, outro gênero sobre o qual abundam preconceitos. Por outro lado, também acho legal o transe coletivo de um espetáculo de som, luz e dança e entendo que a Carmina Burana permite este tipo de vivência. Me divirto assim como faria numa experiência catártica dentro de uma bateria da Escola de samba ou de um show antigo dos Titãs no qual se pulava durante 3 horas e depois se ficava surdo por 3 dias. Acho, alem disso, que como trilha ela funciona muito ou não teria sido usada em tantos filmes legais. Excalibur (1981) de John Boorman, Assassinos por natureza (1994) de Oliver Stone, Detroit Rock City (1999) de Adam Rafkin, e A Filha do General (1999) de Simon West, são alguns deles. São filmes excelentes. Também fico pensando em como ter uma experiência de potência catártica neste tipo de espetáculo sem a potência de uma orquestra de boa dimensão. Enfim, muitos mas…

Claudia Antonini Angela Maria Bordini Nogueira

Fabio Zanon Não é o problema de se valorizar somente música complexa ou sofisticada. Schubert não é sempre complexo, Verdi não é sempre sofisticado, Tchaikovsky não é sempre sutil, Liszt não é sempre de bom gosto, Villa-Lobos nem sempre é intelectualizado, música minimalista nem sempre e musical, mas é música genuína. Carmina Burana é uma música cuidadosamente planejada para ser tosca, é a única obra escrita sob o regime nazista que ainda se toca (claro, se considerarmos Richard Strauss um conservador independente). Alex Ross diz que a sua utilização em inúmeros filmes e comerciais é prova de que ela não contém nenhuma “mensagem diabólica”; o problema é que talvez ela não contenha “mensagem” alguma.

Angela Maria Bordini Nogueira Claudia Antonini, procurei algo mais sobre Carmina Burana. Um dos links ė do filologia. com. -com ênfase nas letras . Aqui : Carmina Burana. A cantata cênica em latim medieval

Angela Maria Bordini Nogueira O outro link ė o pqpbach : Carl Orff (1895-1982) = Carmina Burana (Osawa)

Claudia Antonini Boa essa Angela. O “Olímpo” erudito se manifesta, kkkk.

Angela Maria Bordini Nogueira Exibem tb outras análises boas em inglês. O que me incomoda um pouco é que pessoas que mal conhecem música clássica partem para avaliações no estilo : “ė brega, ė chata,” somente porque Carmina Burana é bem conhecida.

Claudia Antonini É o Olimpo do preconceito minha cara! Convivi muito com isso, sei bem do que falo.

Angela Maria Bordini Nogueira Claudia, não vou discutir Olimpo. Não sei analisar melodia.

Angela Maria Bordini Nogueira Tenho de sair agora .

Claudia Antonini Quedate tranquila, é só uma velha constatação.

Carlos Sell Claudia Antonini, colocaste em palavras aquilo que penso!

Gary Dranch Carmina Burana has to be seen in context of the self-conscious, neo-classicism medievalism “awakening” work full of theatrical pageantry. Scholars love the bawdy texts and illusions to Goliards, and choreographers go wild with antiphonal orgiastic and repetitive chanting as inspiration to wild Bacchanales. So, I would urge you to take a more wholistic look at this 20th century masterpiece. I agree, from the music “pit”, having performed it at least 4 times, it would seem that the sum of the parts is greater than the whole!

Claudia Antonini Exactly!

Fabio Zanon I agree there is nothing quite like it, whence the fascination it can exercise. I still keep the Jochum recording I got when I was 15, but frankly the perspective of hearing it again could only be contemplated if I were payed for it. If I am after orgiastic music, nowadays I’d go to Turangalila or something of the kind.

Augusto Maurer Na atual conjuntura cultural, minimalista, tenho saudade de terminar o ano sinfônico solenemente, em alto estilo, com uma oitava de Mahler ou, vá lá, nona de Beethoven. Não devo, no entanto, reclamar, pois sempre pode ficar pior do que está. Ou, pelo menos, assim dizem os mais cautelosos.

Fabio Zanon Da próxima vez que decidirem fazer um show com música de Tom Jobim lembre que poderia ser Orff de novo…

Augusto Maurer Quem dera tocar Jobim mais amiúde !

Fabio Zanon Exatamente.

Gary Dranch Or as the French say, “Vive la différence!”Norberto Flach Ah, lembrei que uma vez ouvi uma versão com a Gundula Janowitz e o Fischer-Dieskau. Com esse time, qualquer obra sobe no ranking.

Fabio Zanon É a gravação do Jochum. A Janowitz já não tinha mais agudos pra cantar Dulcissima, soa bem estrangulado para os meus ouvidos.

Norberto Flach Fabio Zanon, é a cruel mazela endocrinológica de que padecem as sopranos. Mas àquela que cantou as Vier letzte Lieder daquele jeito, tudo se perdoa e condescende.

Fabio Zanon Isso é bem verdade.

Gary Dranch Try to imagine Fischer-Dieskau singing Jobim?

Norberto Flach For his voice and way of singing, maybe Inútil Paisagem (Useless Landscape).

* * *

Os próximos comentários foram postados sob a primeira divulgação que fiz no facebook da diatribe contra Carmina Burana que publiquei neste blog.

Augusto Maurer Obrigado por contribuírem com a apaixonada discussão, Magda Sarmento, Sidney Lima, Milton Ribeiro, Fabio Zanon, André Luiz López Cardozo, Ricardo Branco, Adroaldo Bauer Corrêa, Osvaldo Colarusso, Gabriela Vilanova, Martin Muehle, Angelo Metz, Charlles Adriano Campos, Carlos Sell, Paulo Paranhos Jr., Damián Keller, Wilfried Berk, Norberto Flach, Omar Gianlupi, Rodrigo Nassif, Júlio César Apollo, Angela Maria Bordini Nogueira, Maria de Abreu, Herta Elbern, Ricardo Melo, Harold Emert, Cristina Maria Capparelli Gerling, Nelson Fiedler, Claudia Antonini e Gary Dranch !

Andy Serrano fiz o primeiro comentário 🙂
fala pro Milton aprovar lá… kkkkkkk

Augusto Maurer Obrigado por deixar teu comentário lá. Feliz aniversário atrasado !

Milton Ribeiro É o Augusto que aprova.

Augusto Maurer (não sendo fake, sempre aprovo)

Wilfried Berk Irrelevante? Discordo ! Suas óperas die Kluge e der Mond são únicas. Contudo, a sua maior contribuição se situa na área da pedagogia musical, com o Método Orff de ensino musical, baseado na percussão e no canto. Orff criou um centro de educação musical para crianças e leigos em 1925, no qual trabalhou até a data do seu falecimento. Zelação !

Augusto Maurer Ah, a educação musical, este interregno onde tudo prospera… Mas não conheço o trabalho pedagógico de Orff suficientemente bem para criticá-lo. De qualquer modo, pelo sim ou pelo não, jamais confiaria qualquer parte da educação de um filho a alguém com uma biografia como a sua – ainda que não autorizada. Obrigado por enriquecer a discussão, Wilfried !

Wilfried Berk Se informa melhor, antes de malhar o cara …

Fabio Zanon Educador musical é uma coisa, compositor é outra, e o indivíduo Carl Orff outra ainda. Villa-Lobos é um dos maiores compositores de música para criancas na história e não teve filhos. Qual o problema? O método Orff obviamente tem seu mérito. Entretanto Orff não dava muita atenção para sua própria filha. Mas o que isso tem a ver com Carmina Burana? Eu queria saber por que tanta gente se sente tão ofendida quando alguém levanta um argumento para se criticar uma obra de arte. Eu não concordo com o argumento do Augusto; não acredito na linearidade do desenvolvimento musical, pois por este argumento cada obra só poderia ser validada caso fosse igualmente ou mais complexa que todas as outras já compostas. Mas é um argumento para se justificar sua aversão por uma música que nos dá vários motivos para ter aversão, ao mesmo tempo que dá vários motivos para um vasto público se empolgar. A propósito, eu vi Der Mond and vivo e achei uma experiência ainda mais tediosa que Carmina Burana.

Augusto Maurer Belo argumento, Fabio Zanon ! Fico apenas curioso para entender o seguinte: se não for pelo retrocesso no desenvolvimento musical, o que torna a audição de Carmina Burana tão entediante para alguns ?

Augusto Maurer (nunca consegui ouvir música da mesma forma depois de descobrir os primeiros movimentos da Eroica e da Espansiva. Ou qualquer primeiro movimento de Brahms. Aquele ímpeto modulatório vertiginoso, difícil de se encontrar em outras obras, e seu sofisticado uso da incerteza tonal como gerador de forma fizeram com que eu as ouvisse repetidamente, cada qual a seu tempo, a ponto de não restar espaço algum para que eu ouvisse outras coisas. Por muito tempo, não reconheci nada como tão estimulante. Questão de gosto ?)

Norberto Flach Augusto Maurer, as tuas preferências podem ter até razões biológico-evolutivas. Quem sabe? Aquela coisa de gostar de uns sons e não gostar de outros pode ser o que diferencia os entes mais evoluídos dos mais primitivos. Já eu estou entre os indecisos, que ainda não decidiram se gostam tanto assim de Webern, e se constrangem um pouco de gostar de U2.

Augusto Maurer Não conheço U2 e, talvez por ignorância, não gosto da música da segunda escola de Viena (embora reconheça sua importância “filosófica”). Quanto a ouvidos mais “primitivos ou evoluídos”, all I have to say, my dear Norberto Flach, is “bullshit”. Obrigado por participar desta lambança !

Fabio Zanon Augusto Maurer, acho que é entediante por já termos ouvido processos semelhantes utilizados de maneira muito mais rica em outros contextos. Ouvintes que têm um repertório menor se impressionam pela novidade, pela massa sonora, inegavelmente empolgante, da Carmina. Quando tinha 15 anos me empolguei, comprei o disco, vi uma vez ao vivo, mas não dá pra escutar várias vezes, porque a música não tem nada para oferecer numa segunda ou terceira audição, a menos que o ouvinte esteja interessado em reproduzir o efeito de transe irracional a que a obra induz, que é muito similar ao de um show de heavy metal. Para nós, especialmente para você, que já ouviu de tudo tocando na orquestra, essa novidade passa rapidamente. O que sobra é somente essa impressão de que tem alguém repetindo a mesma coisa 20 vezes e gritando cada vez mais alto. E isso é feito de uma maneira completamente calculada. Orff não é um compositor incapaz, que escreve assim porque não saberia escrever de outro jeito. Talvez ele conseguisse escrever uma sinfonia acadêmica sem muito problema, ou boas canções populares; certamente conhecia o métier de orquestrador, a peça é organizada de um jeito eficiente. Com um olho na aprovação por parte de um ambiente belicista e confrontacional da Alemanha prestes a invadir seus vizinhos, ele decidiu criar um efeito catártico com uma espécie de ritual medieval semi-pagão kitsch, que envolve o ouvinte pela repetição e pela pela amplidão do espaço sonoro. concordo com uma outra pessoa que disse que não existe nada parecido. Realmente não existe, não tem como fazer Carmina nº 2. Orff tentou e ficou uma paródia de si mesmo, Catulli Carmina.

Andy Serrano “que envolve o ouvinte pela repetição”. Curti. Foi exatamente esta minha tese ao comentar o post lá no blog. Dentro de minha visão empírica sobre o assunto, obviamente.

Augusto Maurer Que aula, Fabio Zanon ! Nunca li nada, ao mesmo tempo, tão verdadeiro e sucinto sobre Orff e Carmina Burana. Obrigado por aceitar a provocação !

Régis Antônio Coimbra Prefiro Brahms ou, dito de outro modo, não me imagino procurando Carmina Burana para ouvir – embora já tenha cantado (fazia parte do Coral da UFRGS que deu uma reforçada no Coro da OSPA… gostei mais do Ein Deutesches Requiem, do Brahms, que cantei no mesmo tipo de situação… regido pelo Kurt Redel). No entanto, Carmina Burana tem seu lugar…

A repetição literal pode ser entendida como uma citação às formas medievais. Pronto. E podia ser preguiça – como no caso de Rossini que, não por isso, deixo de amar de tanto ver, na infância, em desenhos do Pica-Pau (Endy Panda e outros personagens do Walter Lantz).

Robson Pereira “I know, it’s only rock and roll/ But I like it”

Augusto Maurer Também gosto de rock, mas não consigo levar Carmina Burana a sério. Muito menos como rock. A única coisa da qual gosto na obra é como ela divide opiniões. Obrigado por se manifestar ! Adorei teu texto sobre a tentação e o perigo das explicações mais simples ! http://www.sul21.com.br/…/a-magia-das-falas…/

Milton Ribeiro Parece rock sinfônico mesmo!

Augusto Maurer Ah, o crossover… Mas deixemos, por hora, de lado esta estranha paixão de alguns.

Fabio Zanon Taí, Orff está num patamar parecido ao de Rick Wakeman. Tomem isso como elogio.

Fabio Zanon Não colocaria jamais Bolero de Ravel no mesmo saco. Aquilo está num patamar de qualidade composicional completamente diferente, é um estudo de orquestração da maior perfeição. Não se julga o Bolero sem levar em conta Ravel como um todo.

Milton Ribeiro Concordo. Como leigo, ouço o Bolero como um admirável ensaio timbrístico. Na minha opinião, não há nada de primarismo ali.

Augusto Maurer Verdade. Exagerei no caso do Bolero. Obrigado por me chamarem à razão !

Norberto Flach E A Valsa? Sinto-me pronto a começar uma guerra mundial toda vez que ouço.

Milton Ribeiro Adoro La Valse….

Augusto Maurer … moi aussi !

Augusto Maurer (estranho o silêncio dos admiradores de Pollock, Rothko, Basquiat and the like…)

Fabio Zanon Sou um deles. Assim como sou de, digamos, Radulescu. Mas não existe Pollock nº 2, uma vez feito, acaba em si.

Osvaldo Colarusso Apesar de não ser um fã de Carmina Burana creio que deve haver alguma qualidade intrínseca que ainda não percebi. Mas que deve existir eu acredito que sim. Uma obra que chamou a atenção de músicos que respeito demais como James Levine, Seiji Ozawa, Herbert Kegel e Eugen Jochun deve ter sim alguma qualidade. Agora compará-la com Bolero é injusto. Bolero de Ravel é uma obra prima. Não é difícil encontrar suas inúmeras qualidades. Uma obra muito popular não tem obrigação de ser ruim.

Augusto Maurer Verdade, Osvaldo Colarusso: muitas vezes, o gosto popular está certo !

Wilfried Berk Falem mal, mas falem de Carl Orff …

Osvaldo Colarusso Karl Orff não conheço. Só conheço Carl Orff….

Wilfried Berk

Wilfried Berk Carmina Burana na wikipedia

Zeca Azevedo Texto EXCELENTE como sempre, Augusto Maurer, uma verdadeira aula. No meu caso, antes de julgar e condenar a obra mais famosa de Orff por suas limitações formais em comparação a outras peças musicais (acho que não seria capaz de realizar tal tarefa), eu rejeitei a obra pelo efeito que ela provoca ou quer provocar nos ouvintes. ”Carmina Burana”, por sua ”grandiosidade” fabricada, transforma (ou quer transformar) grupos de indivíduos em massas humanas indistintas que respondem de maneira uniforme a estímulos sonoros (como fazem os hinos). É música que não pede engajamento individual, mas sim engajamento coletivo da forma mais nociva. Não há espaço para sutileza ou para fraturas existenciais no triunfalismo de Orff, que apela para o pior tipo de humanismo, aquele que se ufana, que se orgulha de si mesmo de forma irrefletida (Sartre fala sobre esse tipo de humanismo em ”O Existencialismo é um Humanismo”). É o tipo de sentimento incentivado e manipulado pelos nazistas, a ideia de que o indivíduo tem que abandonar suas idiossincrasias em nome de ”algo maior”. Até onde posso perceber, Carmina Burana é o nazismo em forma de música.

Fernando Rauber Gonçalves Vou escrever uma resposta depois com calma, mas acho que tua crítica parte de uma premissa inadequada: você julga um suposto mérito de uma composição a partir das ideias do organicismo musical germânico em uma obra que não faz parte dessa tradição. Portanto, seu texto é bullshit, teu ponto deveria ser a comparação com outras obras (neo)modais.

Augusto Maurer Concordo, Fernando Rauber Gonçalves: todo referencial comparativo é altamente ideológico, i.e., podemos enaltecer ou depreciar tremendamente qualquer coisa, dependendo daquilo com a qual a comparamos (esta é, afinal, a verdadeira razão de ser de qualquer estética comparada !). Por isto, pergunto: com o que devemos comparar Carmina Burana para fazermos justiça à obra e seu autor ?

Fernando Rauber Gonçalves Na minha opinião, a tradição germânica é guiada pela ideia do organicismo, com essa ênfase no jogo motívico e numa concepção bastante intelectualizada e elaborada. Em contraposição, temos uma tradição latina (a música francesa, italiana, portuguesa, espanhola) que dá mais ênfase ao ritmo e a melodia e entendo esses dois espectros como tradeoffs da complexidade musical, duas vertentes distintas da tradição europeia.

Fernando Rauber Gonçalves Por exemplo, qual teu posicionamento sobre a obra de Satie?

Augusto Maurer Satie foi, como Cage ou, digamos, o sujeito do Ballet Mechanique (Antheil), não mais do que um provocador. Uma influência a ser considerada mais do que o autor de uma obra relevante. Forçou os limites dos conceitos, mas não produziu nada para a posteridade equiparável aos legados de um Debussy, um Stravinsky ou, ainda, da segunda escola de Viena ou mesmo do círculo de Darmstadt.

Augusto Maurer Como Miles: um inovador, certamente, mas jamais dono de um legado como os de Evans ou Monk.

Augusto Maurer É como comparar, por exemplo, Duchamp com Dali – respectivamente, um anão e um gigante.

Fernando Rauber Gonçalves E Liszt? E sobre a ópera italiana? Estou lhe provocando com exemplos que fogem da tradição germânica 🙂

Augusto Maurer … fora de minha área de competência. Tenho, particularmente, pouca paciência com Liszt e a ópera italiana …

Fernando Rauber Gonçalves Enfim, é esse o ponto que quero escrever na minha resposta, sobre a questão dos parâmetros comparativos e sobre a multiplicidade de concepções no julgamento estético/composicional. Óbvio que Orff não é um compositor inovador ou essencial, e que Carmina é uma obra desigual, porém tem momentos suficientes de acerto que justificam sua popularidade.

Augusto Maurer … “momentos de acerto” me soam obscenamente parecidos com as “músicas de trabalho” destacadas num “álbum”, dentre todas aquelas outras faixas fadadas ao esquecimento. Acho que o Ricardo Branco já se referiu a isto ao afirmar que, depois da empolgação inicial com “Fortuna Imparatrix Mundi”, todo o resto de Carmina Burana não passa de uma colossal chatice.

Augusto Maurer … o que me remete diretamente ao lúcido comentário de Osvaldo Colarusso: será que Levine, Osawa, Kegel, Jochun e outros efetivamente optaram por gravar a cantata de Orff, ou assim foram persuadidos por seus produtores por razões mercadológicas ? Who knows ? Jamais saberemos. Por isso mesmo, o fascínio das especulações a respeito. Posso até imaginar um diálogo, de um drama metalinguístico, entre um desses maestros, ávidos por perpetuar mais uma versão de Beethoven, Brahms ou Mahler, e seu produtor, convencido da alta conveniência de se lançar, antes, mais uma versão de Carmina Burana…

Fernando Rauber Gonçalves Interessante que tu tragas a chatice, vou buscar trabalhar esse conceito na minha resposta, sob a perspectiva do ouvinte leigo e do músico treinado.

Júlio César Sosnoski Segundo o jornalista Norman Lebrecht, que teve amplo acesso ao mercado da gravação por meio de pessoas que trabalharam no mercado, e mesmo através dos próprios produtores. Era bem difícil persuadir regentes já de carreiras sólidas a gravar qualquer coisa com as quais não concordassem…

Fernando Rauber Gonçalves Do ponto de vista analítico, também existem outros referências mais pertinentes para a obra de Orff também, creio que a partir das análises estruturalistas da semiologia musical pode inclusive descobrir porque certos jogos motívico aparentemente simplórios de Orff “grudam” tão bem no ouvido.

Darian Weber Pergunto onde está convencionado que para reger essa obra, o maestro tenha que estar em um altar, tão alto que quase não dá pra ver a orquestra?

Augusto Maurer Isto não tem a ver com a obra, Darian Weber, mas com a mitologia do maestro. Outros fatores, outra discussão. Bem oportuna, sem dúvida ! Mais tarde, talvez.

Augusto Maurer … e, antes que eu me esqueça, bem-vindos a esta ilustrada conversa, Osvaldo Colarusso, Zeca Azevedo, Fernando Rauber Gonçalves e Darian Weber. Me sinto mui honrado com seus comentários !

Darian Weber Orff com esta obra e como disse o nobre amigo Fernando Rauber…teria sido um Michel Teló por ter composto uma peça tão ” grudenta”?

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