Reality shows: anatomia de um desgaste

Depois de mais de duas décadas de hegemonia nas grades de programação da TV aberta, os reality shows finalmente apresentam (viva !) inegáveis sinais de desgaste. Não que não estivessem presentes antes. É que, agora, talvez pela primeira vez, os próprios realizadores se vem forçados a tomar providências para tentar garantir alguma sobrevida ao formato.

Fatos como a adoção, depois de mais de vinte anos (!), de um voto único, associado ao CPF, em cada votação ou, ainda, o telefone através do qual espectadores podem veicular críticas à produção do Big Brother são sintomas inquestionáveis disto. Tais sinais sugerem que emissoras estejam reagindo a audiências minguantes, numa tentativa de perpetuar uma fórmula até então bem sucedida que, todavia, começa a não mais convencer.

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Por mais que realizadores de realities apregoem, como no caso do telefone cujas ligações o próprio apresentador do programa estaria sempre pronto a atender (que belo golpe publicitário !…), é razoável supor que as demandas do público sejam editadas. Voltaremos a isto. Por hora, vejam, por exemplo, demandas, até certo ponto fáceis de atender, como:

que aconteçam mais provas de inteligência do que de resistência; ou

que a famosa xepa seja mais restritiva, como, por exemplo, um regime de pão e água;

e por aí afora. Até aí, tudo bem. Mas imaginem se espectadores começassem a reivindicar coisas como

opinar no processo de seleção dos participantes – numa tentativa, talvez, de quebrar o padrão de corpos jovens e esbeltos, que impera no programa, em favor de mais conteúdo mental. Tipo menos músculos, bundas e peitos e mais cérebro. Ou ainda

a supressão de publicidade dos patrocinadores nos cenários das provas. Já notaram como as marcas e as cores dos anunciantes nas arenas de provas demoradas dominam por muito mais tempo do que em comerciais de 30 segundos ? Vejam ainda o destaque dado no próprio programa ao carro ganho pelo vencedor do The Voice. Perto disto, o clássico merchandising de uma garrafa de Coca-Cola “casualmente” deixada sobre uma mesa de refeição em uma telenovela é uma perversão não mais do que tímida.

Não sei o que vocês acham, mas quero acreditar que emissoras jamais dariam ciência de demandas de telespectadores como as acima, que dirá atendê-las. Donde inferimos que o poder de edição dos realizadores sobre o desejo do público é a última coisa da qual estariam dispostos a abrir mão.

Eis o principal fator de distinção entre os broadcasting media – que, como o próprio nome já diz, concentra um enorme poder na definição de conteúdos nas mãos de seus proprietários – e as mídias sociais – nas quais, ao menos em tese, há uma certa isonomia na possibilidade de externar opiniões, doam a quem doer ou, até mesmo, quando não passam de asneira.

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A TV aberta vive de fofoca. Seus donos sabem disto e se aproveitam do fato. Realilies são o melhor exemplo disto. Não é por menos que a maioria deles seja sobre canto e culinária, matérias nas quais qualquer leigo se sente autorizado a opinar. Com o povo sarado do Big Brother (só eu acho que aquilo parece uma academia de ginástica ?), não é diferente. Por vezes, parece que, quanto mais raso, melhor. Maior o “engajamento” (adoro essa palavra !) popular. Tudo isto no único intuito de maximizar o alcance da mensagem publicitária. Imaginem, agora, se a competição fosse sobre astrofísica. Ou física quântica. Vislumbram algum possível engajamento ?

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Terminamos de assistir a mais uma temporada do The Voice (dizem que a última !), por sorte curta. Neste programa, o foco é muito mais no júri do que nos calouros. O sorrisão do Teló. Parece o gato de Alice. E já viram algum dos jurados falar algo desabonador sobre algum candidato ? E os perdedores, que sistematicamente escondem sentimentos de frustração por trás de um discurso de gratidão ? É só love. Hipocrisia pouca é bobagem. O mais irônico de tudo é que, em poucos anos, os jurados continuarão célebres enquanto que a maioria dos calouros, esquecida.

Se disponibilizassem um telefone do The Voice, nos moldes do telefone do Tadeu no Big Brother, as duas coisas que eu mais gostaria de ver reivindicarem seriam

participação popular na escolha das vozes selecionadas para aparecer no programa; e

disponibilização da íntegra da interação, entre um programa e outro (já que não são ao vivo) entre cada “técnico” e seu “time”. Pois desconfio de que pouco do que vemos e ouvimos possa ser atribuído à interferência dos técnicos.

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(notas rabiscadas às pressas depois da última edição do The Voice e antes da próxima do Big Brother)

Contra a publicidade (outra vez)

Ninguém, exceto os publicitários, gosta de propaganda. Lembram da mala direta ? Tínhamos que dedicar um tempo considerável a jogar fora o lixo publicitário que abarrotava nossas caixas de correio para filtrar a correspondência necessária, contas em sua maioria. Não me recordo da última vez em que recebi uma carta. Talvez nos anos 80, quando estava “exilado” para meu mestrado em NY e amigos dedicados me relatavam os acontecimentos mais bombásticos em minha orquestra.

Hoje, os anúncios migraram para a web, como contrapartida compulsória (é preciso pagar para não vê-los) tanto por facilidades disponíveis online, como o YouTube e tantos outros sites e plataformas, como por serviços gratuitos de email. Assim, o que era mala direta virou spam. Mais fácil, barato e, graças a inteligências artificiais, certeiro em relação ao alvo. Nos últimos dias, o Google sofisticou ainda mais o envio de anúncios, tanto na cobrança pelo serviço de anunciar como por não mais permitir o bloqueio de remetentes. Mas é sobre esta naturalização da publicidade que quero me deter.

Ouvinte assíduo de rádio no carro, sempre achei absurdo o slogan de certa emissora, sem dúvida em busca de novos anunciantes, afirmando que “propaganda é conteúdo e informação”. Não conheço mentira mais deslavada. Mas vamos por partes.

A propaganda, dentre os melhores achados da indústria (ia dizer do capitalismo, mas desisti para não afugentar improváveis leitores de direita) para desovar superavit (leia-se excesso) de produção, se naturalizou entre nós. Sentimos que devemos a ela a existência de todo veículo de comunicação, tanto eletrônica (rádio e TV abertos) como impressa (jornais e revistas).

Neste contexto, surgiu a internet que, como todo evento global potencialmente disruptivo, como a pandemia de coronavírus, prometia aos mais sonhadores uma nova ordem econômica. No caso da pandemia, muitos esperaram um colapso do capitalismo global para a instalação de uma economia mais solidária e local, que favorecesse o recrudescimento da desigualdade. Isto não ocorreu.

No caso da internet, com a nova facilidade, mediante sofisticados engenhos de busca, para a descoberta de ofertas daquilo que realmente precisamos, era de se esperar que a publicidade – a qual, por definição, se dedica à desova de excessos de produção em mercados consumidores – também fosse reconhecida como supérflua e, portanto, obsoleta. Isto também não ocorreu. Ao contrário, a publicidade tirou vantagem da maior conectividade, menor custo de envio, mais disponibilidade de dados maciços e melhores meios para processá-los – oferecendo, com isto, a anunciantes a possibilidade até então inédita de uma propaganda muito mais dirigida e, logo, eficaz.

Moral da história. O capitalismo se reinventa e regenera diante de tudo que lhe é, num primeiro momento, desfavorável. Como um vírus mutante que foge de vacinas. Ou, se quiserem, aquele ser mitológico que, ao ter cortada uma cabeça, lhe nascem duas no lugar. Então, para o progresso humano não se pode contar com avanços tecnológicos ou fatalidades sanitárias e climáticas que, porquanto indesejáveis, varram do mapa a civilização que conhecemos para dar lugar a outra, mais fraterna e igualitária. Meio milênio de capitalismo já provou sua resiliência e capacidade para se adaptar a novas realidades. Qual postulante a um governo, por exemplo, seja ele de direita ou de esquerda, defenderia uma plataforma tão radicalmente inovadora como a ideia do decrescimento (aqui, aqui, aqui e aqui) ? Para todo político, sua majestade o PIB ainda é o que mais importa, estando até mesmo atrelado a índices, supostamente progressistas, de bem estar social.

Por isso, só podemos esperar uma civilização melhor a partir de uma revolução na cabeça das pessoas. Quando passarem, oxalá, a acreditar que menos é mais.

Toda propaganda é spam

Ninguém gosta de propaganda – exceto, é claro, publicitários e anunciantes. No entanto, a expressão “propaganda não solicitada” é relativamente nova, praticamente coincidindo com a criação da internet. Antes, toda publicidade era tolerada como um mal necessário, sem o qual não teríamos acesso a uma infinidade de conteúdos patrocinados gratuitos. Ninguém ponderava que talvez preferisse ter seu campo visual em espaços públicos ocupado por belas paisagens ao invés de outdoors, ou ainda ter rádio, TV, jornais e revistas sem anúncios. Ok, tudo bem. Para ser mais exato, havia a famigerada mala direta – pura informação não solicitada, desatrelada de qualquer conteúdo potencialmente interessante.

Então, a pergunta que não quer calar é por que um expediente, conquanto execrado, por tanto tempo tolerado se torna subitamente proscrito, com a implementação praticamente hegemônica de uma nova ética que visa banir dos agentes politicamente corretos do ciberespaço a maior quantidade possível de tudo que possa ser considerado “informação não solicitada”.

Uma possível resposta, que deverá agradar às mentes posicionadas mais à esquerda, é que enquanto antes, na era da informação centralizada, a propaganda era uma prerrogativa do grande poder econômico, que podia arcar com os pesados custos de pulverizar mensagens genéricas sobre vastas populações, das quais apenas pequenas parcelas talvez tivessem real interesse no conteúdo das mensagens e reagissem bem a elas (i.e., comprando o que era anunciado); hoje qualquer um pode, com custos bem mais acessíveis, levar mensagens a nichos específicos que, conquanto reduzidos, agregam mais interessados em potencial. Numa publicidade, por assim dizer, mais ecológica, com melhor aproveitamento de recursos. Mas é claro que esta democratização do poder de anunciar incomoda o grande capital. Faz algum sentido ? Bem, ao menos é uma hipótese.

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Não faltará, por certo, quem discorde da primeira premissa deste texto – a de que “ninguém gosta de propaganda”. A estes céticos (não se enganem: sou um deles; além disto, adoro contraditórios), reservo um argumento extraído do próprio mercado – este árbitro supremo, tão caro aos capitalistas. Mais ou menos assim. Se é verdade que tudo o que é mais caro é melhor (ou vice-e-versa), então as populares versões ad free (sem anúncios) de produtos informáticos, pelas quais pagamos invariavelmente mais caro, são a prova mais vívida de que versões despojadas de publicidade são sempre mais desejáveis do que similares poluídas por anúncios.

Meu pai foi um assinante convicto da Veja, desde sua fundação até sua morte (dele, não da revista – que, desgraçadamente, existe até hoje). Antes de ler cada novo exemplar trazido pelo carteiro, arrancava, talvez para medir a qualidade editorial da revista, todas as folhas que contivessem só anúncios dos dois lados. Na maioria das vezes, o que restava do robusto semanário era um fascículo magro, da espessura de uma Time ou de uma Newsweek. Como evidência maior do desespero de negócios e extinção, ou do afinco com que trabalham os setores de retenção (já ouviu aquela musiquinha que lhe deixam pendurado ouvindo sempre que tenta cancelar a assinatura de algum bem ou serviço ?), me enviaram, por anos, exemplares de cortesia da Veja na inútil esperança de que eu também viesse a assiná-la, dando, com isto, continuidade à assinatura encerrada com a morte de meu pai.

Falando em coisas em extinção, já notaram como tantos simplesmente se recusam a cogitar que suas profissões possam, num futuro próximo, deixar de existir ? Um episódio divertido desta natureza ocorreu há pouco tempo, quando um amigo, professor de história, ao perguntar a uma jovem à qual recém fora apresentado o que ela estudava e que carreira pretendia seguir, obteve como resposta “- Publicidade !“, peremptoriamente sentenciou “- É uma pena que, até te formares, esta profissão já terá deixado de existir.” Na mesma ocasião, meu amigo também definiu, para o horror de alguns presentes, propaganda como a “arte” de vender aquilo de que os outros não precisam.

Ri. Por que simpatizo e compactuo com a opinião de meu amigo – apesar de que, num colóquio informal com desconhecidos, eu jamais proferiria algo assim, por temor de machucar egos. Só que, infelizmente, tenho que admitir que meu amigo talvez esteja errado. Por que a publicidade, tal como toda estrutura que compõe o complexo a que denominamos capitalismo, tem a capacidade de se reinventar permanentemente e, assim, abdico de qualquer esperança de vir a conhecer um mundo sem propaganda.

Net blues; ou O desencanto das redes

Há quase dois meses não escrevo neste blog. Acesso o facebook a cada dois ou três dias só para manter o hábito de felicitar uns poucos aniversariantes que conheço pessoalmente ou com quem já troquei ideias. Venho limpando as caixas de grupos de whatsapp dos quais participo mas não leio, usando o aplicativo somente para conversas bilaterais ou com pequenos grupos de trabalho, mais ou menos do modo como usava emails antes deles se tornarem um repositório generoso de mensagens “circulares” (i.e., genéricas, com mais de um destinatário).

A que se deve este, por assim dizer, cansaço ? Tenho, sem muito êxito, procurando respostas. Por muito tempo, redes sociais acalentaram a promessa de amplificar nossos contatos. As maravilhas do mundo conectado. A facilidade inédita de encontrar, muito mais do que entre nossos contatos presenciais, outros com os quais compartilharíamos afinidades, preferências, angústias ou indignação.

Contra esta miragem utópica, há o célebre número de Dunbar. Formulado pelo antropólogo Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, na década de 90, estima entre 1 e 230, com uma média em torno de 150, a quantidade de indivíduos que um ser humano pode, de fato, não apenas conhecer mas, também, saber como se relacionam com os demais membros do grupo. Vale notar que este costuma ser o tamanho de pequenas comunidades, como tribos, aldeias ou pessoas com interesses comuns.

Ora, redes sociais, talvez no intuito de potencializar interações, costumam admitir comunidades bem mais numerosas. O próprio facebook permite que alguém tenha até 5000 “amigos” antes de obrigar o dono de um perfil que atingiu este limite a converter sua página numa fan page. Não é preciso ser nenhum especialista em redes para saber que a diferença entre um perfil comum (com menos de 5000 amigos) e uma fan page (com mais de 5000) diz respeito, principalmente, à interatividade – pois, enquanto qualquer amigo de um perfil pode se dirigir ao mesmo, é vedado (ou, pelo menos, dificultado) aos seguidores de fan pages se dirigir aos donos das mesmas. Deste modo, enquanto perfis comuns podem se relacionar isonomicamente, de uma forma bilateral por default, fan pages são mais afeitas a celebridades – ou, num jargão mais moderno, influenciadores – voluntariamente blindadas ao feedback de seguidores. Por tais razões, postagens em perfis comuns podem ser consideradas como narrowcasting enquanto aquelas em fan pages, broadcasting.

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O que mudou: o facebook ou minha percepção sobre o mesmo ? Tampouco sei. Gostava de pensar que estava lá por causa de recomendações qualificadas, chegando mesmo a considerar meu feed na plataforma como minha rede pessoal de aprendizagem (ou PLN, para personal learning network). Só que cada vez menos encontro ali links interessantes ou linhas de navegação que eu tenha vontade de seguir. Será que minhas fontes secaram, ou é o algoritmo que anda me mostrando as fontes erradas ? Difícil responder.

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Faz pouco tempo que o documentário O dilema das redes adquiriu merecida notoriedade ao denunciar algo do que muitos já sabiam, a saber, que redes sociais, além de alimentar algoritmos cada vez mais sofisticados que servem à publicidade dirigida, também ampliam, para além do tamanho de grupos inofensivos, porquanto limitados pelo número de Dunbar, a fratura entre defensores de ideologias opostas, a qual pode, por sua vez, facilmente se converter em ódio. Pois, como disse uma vez um amigo, de forma apenas aparentemente simplória, “o ser humano, quando em grupo, é sempre mais idiota”.

Não estamos falando aqui, no entanto, deste perigo embutido nas redes, tão bem retratado no filme, mas, antes, de um tédio experimentado no uso das mesmas face à constatação de sua limitação em entregar o prometido e substituir, com isto, as redes presenciais.

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Para muitos, redes sociais trazem a sedutora promessa da publicidade dirigida. A democratização da propaganda, não mais limitada àqueles que podiam arcar com os altos custos da mesma junto a meios de broadcasting. A redenção dos pequenos negócios, que viram no network marketing a miragem de, finalmente, prescindirem de uma propaganda mais robusta e onerosa (e, a bem da verdade, anti-ecológica – pois quem, em sã consciência, ainda presta alguma atenção, depois do Google, em anúncios intercalados em páginas de impressos ou programas de rádio e TV ? Francamente, não entendo a sobrevida da publicidade, que ainda existe muito mais por teimosia de quem a faz do que por interesse de quem a consome…).

Mas não por muito tempo. É difícil não cansar de perfis pessoais dedicados a constantemente veicular mensagens comerciais. Por exemplo. Lá se vão já uns dez anos que uma blogueira que eu seguia no twitter declarou que estava deixando de seguir músicos, pois os mesmos só faziam anunciar shows dos quais participariam. Não sou totalmente contra o expediente – que deve, no entanto, ser usado muito parcimoniosamente, de tal modo que o network marketing jamais iguale ou supere, em número de postagens, o mindcasting. Ou mesmo, vá lá, o lifecasting.

Coisas

Na introdução do filme 100 Coisas (Alemanha, 2018), ficamos sabendo que, enquanto nossos bisavós viviam com 70 coisas e nossos avós com 250, nossos pais tinham 900 e nós, cerca de 10.000. Aqui, os números são meramente hipotéticos – pois, infelizmente, não consegui encontrar o filme no YouTube para uma citação mais precisa (o velho problema da escassez de boas opções no streamming…). Mas as ordens de grandeza e as relações entre elas correspondem ao original – estando, portanto, preservada a essência da ideia, que pode ser resumida como: na era do hiperconsumismo, nos cercamos de um número cada vez maior de objetos. Mais: a quantidade de coisas que indivíduos de diferentes gerações juntam ao longo de suas vidas cresce de modo exponencial em relação ao tempo.

Não falo aqui de itens colecionáveis como discos e livros mas, principalmente, de peças de vestuário e objetos de uso cotidiano como utensílios culinários. De modo que é bem razoável supor, por exemplo, que nossos avós cozinhavam com muito menos panelas e ferramentas do que os variados gadgets hoje encontrados em qualquer cozinha minimamente equipada. Coisas que povoam nossos armários, gavetas e prateleiras, garimpadas em bazares de encher os olhos e, na maioria das vezes, raramente usadas.

Como chegamos a isto ? Por que esse apego, tão típico de nossa civilização, a mais coisas do que podemos usar ? Há duas razões que, ainda que estanques entre si, merecem ser examinadas separadamente.

É sabido que, com o envelhecimento (ok, soa melhor se eu disser amadurecimento), cresce em importância a memória na mesma medida em que decai a taxa de atividade. Jovens, super ocupados no êstase de experiências sempre renovadas, não tem tempo para relembrar como os mais velhos. Ciente disto, toda economia tenta sugar ao máximo a força produtiva dos mais jovens. Já os mais velhos, progressivamente alijados do mundo da produção, valorizam cada vez mais suas memórias de juventude. Sonhos dizem muito disto.

Então, num impulso inconsciente, os mais idosos se apegam a objetos deixados por entes queridos e/ou de outras épocas, como se a mera posse dos mesmos pudesse reter memórias de experiências remotas que se desvanecem.

Por outro lado, a indústria da publicidade (contraparte obrigatória do hiperconsumismo numa economia de excedentes) se esforça por vincular a posse de objetos novos, ainda que nunca definitivos, a uma ideia de felicidade. Assim é a indústria da moda, queredo que troquemos de guarda-roupa a cada nova estação, ou a indústria automndobilística, que provoca os mais abastados com novos lançamentos a cada dois anos. Mas não só elas. Tudo o que consumimos tem um período de turnover bem curto, a ponto de fazer valer conceitos polêmicos como a obsolescência programada.

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Deste modo, somos todos acumuladores. A única diferença entre um acumulador patológico e outro mais… “adaptado” é que o último é mais organizado do que o primeiro. Assim, enquanto a casa de um acumulador típico, daqueles de livro, mais se parece com uma montanha de lixo; na do acumulador socialmente aceito todas as coleções de objetos inúteis estão obsessivamente classificadas, limpas e armazenadas. Como num museu.

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Por que deixei de lado, ao relacionar o acúmulo de objetos de pouco ou nenhum uso, as discotecas e bibliotecas ? É que livros e discos, quando bem curados, descortinam para seus proprietários, ao contrário da maioria dos objetos de uso cotidiano, um universo de possibilidades cognitivas outrossim inacessíveis no comércio, em bibliotecas, canais de streamming ou mesmo na web. Há mesmo uma farta literatura (Humberto Eco, Jorge Carrión, etc.) justificando a posse de bibliotecas não lidas como uma espécie de memória daquilo que quisemos ler um dia mas declinamos em razão da escassez de tempo de vida – mas que, ainda assim, pairam ali como possibilidades a serem exploradas.

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Como podem ver, este é um post em aberto, no qual nada definitivo foi dito sobre o tema. É, muito mais, um convite à reflexão sobre como estamos imersos nesta situação tão absurda – ou, ainda, um apelo à busca de soluções para a mesma. Enquanto isto, assistam a 100 Coisas (no spoillers...) na primeira oportunidade que tiverem !

Por que a publicidade é inútil e nociva

Quando o assunto é publicidade, dois consensos quase absolutos vem à tona. O primeiro, compartilhado por anunciantes, profissionais e empresas envolvidos na pujante indústria da publicidade, é o de que ela é absolutamente necessária ao sucesso comercial de qualquer produto ou serviço.  O segundo, verificado entre leitores de jornais, espectadores de rádio e TV e, mais recentemente, usuários de internet, é que ela é totalmente inútil. Um estorvo. Uma interrupção tão irritante quanto frequente no fluxo de conteúdo de qualquer meio de comunicação hegemônico. Tanto é assim que é prática comum à mídia disponibilizar a usuários modalidades mais caras de assinatura de seus serviços diferenciadas pela ausência de anúncios.

Ainda assim, todo usuário de mídia comercial, mesmo detestando ser bombardeado por anúncios, reconhece a publicidade como um mal necessário. Que, sem ela, não teríamos jornais, revistas, rádio, TV e tantas facilidades viabilizadas pela internet. De onde vem tal naturalização ? Como chegamos a isto ?

A história da publicidade (em países lusófonos confundida com a propaganda) se perde na antiguidade. A modalidade na qual estamos interessados – a saber, a comercial, realizada por meio de anúncios pagos colados ao conteúdo de meios impressos, de broadcasting (rádio e TV) ou internet – surgiu menos de 200 anos depois que Gutenberg inventou a prensa mecânica. Mais exatamente, com o anúncio de um livro publicado num jornal inglês de 1625. Desde então, a coisa só cresceu. Em 1841, surgiu em Filadélfia (EUA) uma das primeiras agências relevantes de publicidade do mundo. A publicidade 2.0, aquela nos meios de broadcasting, surgiu pouco depois da invenção do rádio por Marconi. A grande transformação seguinte – que, por conveniência, designaremos por publicidade 3.0 – surgiu com a internet, obrigando, várias gerações depois, publicitários a reinventarem novamente seu ofício. Temos, então, que, enquanto a publicidade 1.0 vende espaço, a 2.0 vende tempo e a 3.0, acessos.

Com raízes tão antigas e aprofundadas no tecido social, é compreensível que a ideia de publicidade comercial como mal necessário à existência de toda mídia desejável esteja tão naturalizada entre a maioria. Quando nascemos, os anúncios já estão ali, por todos os lados. Como as cidades em que vivemos, as escolas que frequentamos ou o ar que respiramos. Assim quer acreditar o espírito acrítico.

Só que não é ser obrigatoriamente assim. Ora, tudo o que é conhecido e experimentado por um certo tempo constitui terreno fértil para o pragmatismo, limitando o pensamento utópico. Desta forma, a história humana é repleta de casos em que práticas e sistemas que deixam muito a desejar se perpetuam tão somente por já terem funcionado, ainda que precariamente, por um tempo prolongado. O exemplo mais ridículo que já vi desta deficiência de raciocínio é a distinção que Olavo de Carvalho faz entre os pensamentos de direita e de esquerda. Vale a pena conferir (entre 1m30s e 2m30s).

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Uma das teclas mais marteladas por David Graeber no estupendo Bulllshit Jobs: a Theory, do qual não me canso de falar, é que o capitalismo cria empregos desnecessários. Dentre as ocupações que considera, mais do que inúteis, nocivas à sociedade, se destacam as carreiras financeiras, jurídicas, imobiliárias e, como não poderia deixar de ser, publicitárias. É claro que há um critério para uma categorização tão bombástica: Graeber considera úteis ocupações que produzem riqueza e inúteis aquelas que só transferem riqueza de um dono para outro, ressaltando que as últimas são, via de regra, melhor remuneradas.

A publicidade é socialmente nociva (exceto, é claro, para anunciantes e publicitários) por dois motivos: é supérflua e inflacionária. Supérflua por que, numa era de buscas, não mais precisamos dela para, como apregoa desesperadamente a indústria do anúncio, ter informações sobre o que queremos adquirir. Mais: dados comparativos sobre quaisquer produtos tendem a ser muito mais confiáveis em sites neutros, dedicados à orientação de consumidores, e engenhos de busca do que em peças publicitárias cuja índole é, por definição, enaltecer vantagens e ocultar ou minimizar deficiências (isto não é uma verdade oculta mas, ao contrário, um fator de competência descaradamente ostentado pelos publicitários mais agressivos).

Inflacionária por que tudo o que é anunciado tem seu preço significativamente majorado pelo acréscimo ao preço final do custo da publicidade, que não costuma ser pouco, principalmente em meios de broadcasting (isto está mudando um pouco na internet, onde entradas publicitárias se tornaram acessíveis a anunciantes de qualquer porte).

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Deixando rapidamente de lado nosso foco principal, que é a publicidade comercial, cabe a ressalva de que a propaganda política é tão ou mais nociva do que a anterior, já que seu êxito (i.e., a persuasão de um maior número de eleitores), que afeta, para o bem ou para o mal, a totalidade das unidades políticas governadas, é fortemente determinado pelo poder econômico. Então, não se trata de discutir, como hoje é feito, se a propaganda eleitoral deve ser custeada por políticos ou contribuintes, mas de abolir totalmente a mesma, com a justiça eleitoral dedicando seu colossal potencial computacional à informar eleitores sobre candidatos por meio de sites abrangentes e isonômicos. Com programas ao invés de slogans. Dados verificáveis ao invés de fake news. E sem, é claro, os escandalosos fundos eleitoral e partidário.

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Tão natural como a publicidade acoplada aos meios de comunicação é a ideia de que estados sejam responsáveis pela garantia de bens que, por sua natureza essencial à condição humana, não devem ser deixados ao sabor da concorrência entre provedores privados. Há um consenso praticamente universal de que saúde, educação e segurança pertençam a esta categoria. Diferentes estados de bem estar social abordam de modos distintos a inclusão também de alimentação, moradia e cultura nesta relação de direitos. Além disto, a extensão da responsabilidade do estado sobre os mesmos é objeto de conflito entre a direita e a esquerda.

Sempre que a esquerda quer abarcar sobre o manto protetor do estado segmentos ou partes de segmentos explorados pelo capital empreendedor, a direita chia. Como toda indústria, a publicidade também desfruta da proteção dos guardiões do liberalismo. De modo que meras  insinuações, como as acima, quanto ao caráter anti-ecológico ou inflacionário da publicidade, são imediatamente refutadas com argumentos do tipo ” pensem em todas as comodidades informacionais que perderíamos não fosse a mídia facultada pela propaganda “.  Ora, tal sorte de argumento esbarra na falácia do pressuposto de Carvalho, supracitado, segundo o qual só aquilo que já foi experimentado é possível e confiável. Sob tal premissa, não haveria raciocínio hipotético nem tampouco ciência.

Fazendo, então, pouco caso do coro indignado com este exercício hipotético, necessário ao pensamento utópico, suponhamos, apenas por um instante, que jornais, revistas, emissoras de rádio e TV e serviços disponibilizados pela internet (não gosto do termo aplicativos, que outrora já foram chamados de programas), fossem reconhecidos como de real utilidade pública e, como tais, garantidos a todo cidadão pelo estado, como a saúde, a educação e a segurança supostamente já são.

Aqui, posso ouvir, em meio a acusações de ingenuidade, as invectivas de sempre sobre a precariedade da televisão pública. É preciso, então, colocar os devidos pingos nos is. É claro e perfeitamente esperado que, no Brasil, onde a teledifusão pública é sistematicamente sucateada, emissoras estatais não consigam competir com as comerciais pela geração de conteúdo atraente. Pois a TV Cultura seria, sem dúvida, diferente se dispusesse do mesmo orçamento da Globo. Muito se fala mal da gestão estatal como principal responsável pela eventual falta de qualidade de emissoras públicas quando, na verdade, não se pode comparar resultados da gestão da escassez com aqueles da gestão da abundância. Logo, para se falar da qualidade da radiodifusão pública é preciso, antes, se falar dos excelentes conteúdos gerados e veiculados pela televisão pública europeia. Ou pela BBC. Ou pela PBS nos EUA.

Então, da mesma forma que meios de broadcasting públicos de qualidade já são, há muito tempo, uma realidade em países do hemisfério norte, é razoável se esperar que a internet, ainda em sua infância, venha um dia a ser reconhecida (pois já é de fato) como patrimônio inalienável da condição humana e, como tal, disponibilizada gratuitamente, com suas funcionalidades mais fundamentais (aí incluídos os aplicativos hegemônicos, consagrados pelo uso), a todo cidadão

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Mas sejamos, por hora, práticos. Com o que está aí, seria muito mais fácil reformar a propaganda eleitoral do que a publicidade comercial. Não podemos, no entanto, ser ingênuos a ponto de esperar que tal reforma parta de políticos. Os meios ? Discussão e organização civil. Só então, talvez, o imaginário popular consiga romper a barreira da naturalização e finalmente se dar conta de que a publicidade, mais do que inútil, é nociva.

Excedentes; ou Sobre como a indústria do entretenimento vem se acomodando à era digital

Talvez um dos maiores efeitos da internet sobre a indústria tenha a ver com o manejo de excedentes. Neste texto, estamos especialmente interessados nas transformações sofridas com o advento da rede pela indústria do entretenimento – a saber, aquela dedicada à reprodução de conteúdos (textos, sons e imagens) em meios físicos (papel impresso, fita magnética ou discos de vinil e acrílicos). Mas vamos por partes.

Toda indústria almeja ao lucro por meio da produção em grande escala de bens altamente padronizados distribuídos a consumidores, até relativamente pouco tempo atrás, tão somente pelo comércio varejista e segundo uma demanda artificialmente turbinada pela publicidade – atividade, aliás, intrinsecamente anti ecológica, responsável por uma larga parcela do valor agregado de tudo o que é anunciado, mas que foge a nosso foco atual. Quero enfatizar, apenas, que, por definição, toda indústria produz mais do que o necessário; então, a propaganda entra em ação em seu intuito original de fomentar artificialmente a demanda por tudo o que é produzido.

As máquinas de fabricar CDs são emblemáticas do excesso industrial. Pelo menos até pouco tempo atrás, quando a fabricação de exemplares de um CD era encomendada, o contrato costumava prever uma quantidade adicional indeterminada, a qual o contratante se comprometia a adquirir, denominada “quebra de máquina” e correspondendo aos itens ainda fabricados depois que a máquina tivesse sido desligada.

Padronização e excesso sempre foram marcas da indústria enquanto a comercialização de produtos dependeu exclusivamente da rede de comércio varejista – fundada, por sua vez, sobre a existência dispersa de uma grande quantidade de estoques, estrategicamente localizados em relação aos mercados consumidores e constituídos por itens ao mesmo tempo duplicados e variados. O abastecimento dessa rede varejista era suficiente para manter a indústria bem ocupada. Quanto maior a duplicação e menor a variedade, maior o lucro – daí o alto apreço pela padronização.

Notem, ainda, que a padronização é inversamente proporcional ao valor do bem produzido. Comparem, por exemplo, os relativamente poucos modelos produzidos por uma empresa automobilística se comparados à miríade de fórmulas distribuídas por cada empresa farmacêutica. Ou então as poucas plantas de imóveis num condomínio em relação à vasta variedade de objetos feitos por um mesmo fabricante do setor de móveis e decorações.

Voltaremos ao problema da padronização mais tarde, ao tratarmos da indústria do entretenimento e sua inegável predileção por celebridades, best sellers e blockbusters.

Sobre a variedade. Certa vez um amigo, respeitado professor de economia e interessado em expandir sua área de atuação (acabou abrindo uma pastelaria) me perguntou, movido por legítima curiosidade científica, qual pizzaria eu escolheria entre duas, uma de cardápio sucinto e a outra, prolixo. Para seu desconcerto, optei sem hesitar pela primeira. Aquilo pareceu contrariar tudo o que pensava sobre comportamento de consumidores. Depois que justifiquei minha escolha como tendo a ver com algo como não precisar perder tempo lendo ou olhando um menu repleto de itens desnecessários, meu amigo desistiu prontamente da enquete, provavelmente me classificando como um consumidor atípico. Estive na inauguração de sua pastelaria, lá pelos anos 80. Não sei que fim levou, nem tampouco me lembro de como era o cardápio.

O que pretendo, com isto, é enfatizar o enorme descompasso inerente à grande padronização exigida pela indústria e a prática comum do varejo, que é a de submeter todo consumidor a uma variedade acachapante, a partir do mito de que a sinestesia resultante do excesso de opções funcionaria como um estímulo ao consumo. Por que me refiro a isto como um mito ? Por várias razões.

Um dos pilares da publicidade é o suposto empoderamento de consumidores por meio do enaltecimento de sua prerrogativa de escolha – ocultando, com isto, que os mesmos não passam de alvos destinados a pagar o máximo que puder ser cobrado por tudo aquilo que é produzido excessivamente. Algum economista já disse que, segundo o credo neoliberal, somos aquilo que compramos; e que, portanto, a exclusão social se dá mais acentuadamente pela perda do poder aquisitivo do que por qualquer outro motivo. Vale examinar melhor estas afirmações. Noutra feita, talvez.

* * *

Tudo o que foi dito acima se refere, evidentemente, à era do varejo, anterior à internet. Nas últimas décadas, a rede mundial se tornou tão pervasiva que toda indústria precisou a ela se adaptar para assegurar a manutenção da distribuição de tudo o que produz. Progressivamente, o comércio varejista foi cedendo lugar a dois novos modos de distribuição que podem ser descritos, respectivamente, como streamming e e-commerce. Como categorizador compulsivo, tratarei, nos próximos parágrafos, dos tipos de bens mais afeitos a um e ao outro, com especial ênfase no primeiro, prontamente abraçado pela parte da indústria mais conhecida como de entretenimento, conteúdo ou, ainda que imprecisamente, cultural (detesto arcabouços semânticos).

Então. O que mais difere os produtos típicos das indústrias editorial e fonográfica em relação às demais commodities é que, enquanto a maioria dos objetos de uso, sejam eles permanentes, consumíveis ou descartáveis (tais como alimentos, remédios, veículos, imóveis, utensílios, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e o escambau) tem um valor enormemente variável, determinado tanto por sua utilidade como pelo prestígio relativo do fabricante (ambos manipulados pela publicidade); livros e discos possuem um “valor de prateleira” muito mais homogêneo, tendo pouco a ver com o conteúdo e muito mais com o meio físico no qual são prensados ou impressos. Assim, CDs custam praticamente o mesmo independentemente da música que contém, bem como livros tem seu preço largamente determinado pelo número de páginas, com coeficientes diferenciais relativos à qualidade do papel ou da encadernação.

Se antes todos os produtos, tanto da indústria de commodities como do entretenimento, eram vendidos em lojas, a internet impôs uma fratura em relação ao tipo de comercialização. Da seguinte maneira. Enquanto objetos físicos – que precisam chegar, por meio de intermediários, do fabricante ao consumidor – se tornaram a província por excelência do e-commerce, com seus estoques reduzidos e a possibilidade de supply on demand; conteúdos peculiares à indústria do entretenimento passíveis de conversão em bits, tais como textos, sons e imagens, iniciaram um processo de migração para sistemas de streamming.

Aqui, devo frustrar quem espera de mim alguma declaração peremptória do tipo “o futuro do livro e do disco”. Por várias razões.

Primeiro por que, como já disse aqui, plataformas de streamming são fortemente condicionadas por custos de servidores, os quais ainda impõem a seus proprietários demandas mínimas para que qualquer coisa seja disponibilizada – virtualmente excluindo, com isto, qualquer possibilidade de distribuição de conteúdos de interesse mais restrito.

Segundo, por que o ato de ler um texto impresso de extensão superior ao que cabe numa tela ainda é tanto prazeroso (um mérito subjetivo) quanto prático (este, inegavelmente objetivo) – já que o manuseio de um livro, devidamente anotado, é muito mais recursivo do que, por exemplo, avançarmos e recuarmos ao longo de um texto digital por meio de comandos em um teclado.

É preciso, no entanto, reconhecer que, assim como as melhores lojas de discos já fecharam suas portas, o varejo de livros também vive um significativo encolhimento.  Sintomas ? As duas lojas de partituras musicais (um setor editorial bem específico) de Nova Iorque já encerraram atividades. Grandes lojas de discos tiveram o mesmo destino. Vejam os casos da Tower Records (EUA) e da Modern Sound (RJ), bem como outrora pujantes seções de CDs em mega livrarias que, com o passar do tempo, minguaram ou simplesmente sumiram.

* * *

E chegamos, finalmente, à questão do colecionismo. Mídias  impressas ou prensadas (notem que a distinção entre estas duas palavras não existe em inglês) são particularmente afeitas às coleções – pois além de caberem perfeitamente, em razão da alta padronização de tamanhos, em prateleiras fáceis de serem projetadas; também cabem melhor no bolso de colecionadores, já que seu valor inicial (não falo, é claro, de itens raros, fora de catálogo) costuma, como já foi dito acima, ser bem acessível.

Coleções respeitáveis podem conter muito mais livros do que uma pessoa pode ler em toda a sua vida, ou discos que seria capaz de ouvir. Por isso mesmo, sua índole pode ser um mistério para os não colecionadores. Reza uma anedota (bem velha, a julgar pela menção à fita de áudio) que um audiófilo toca cada disco não mais do que três vezes: a primeira, para conhecer; a segunda, para gravar; a terceira, para se despedir.

Exageros à parte, há coleções monumentais, que desafiam qualquer lógica, mas que nos interessam enquanto emblemáticas do excesso inerente às indústrias editorial e fonográfica em tempos anteriores à internet. É bem fácil se intuir que executivos destas indústrias, ao conferir seu imprimatur a qualquer conteúdo, estivessem plenamente cientes da enorme quantidade de cópias daqueles discos e livros que não seriam vendidas – destinadas, portanto, a morrer, inicialmente, nas prateleiras das lojas de lançamentos; depois, nos saldões e, finalmente, arrematadas em lotes por sebos ou algum “colecionador” excêntrico.

O prédio da Strand Book Store, na Broadway

Um destes casos emblemáticos é a Strand Book Store, no Greenwich Village, em Nova Iorque, da qual já falei aqui. Com um estoque estimado em 8 milhões de livros, é tida como o maior sebo do mundo. Só que o que mais chama a atenção de quem a adentra não são, como em outros sebos, os livros usados. Pois na Strand a primeira coisa que se oferece ao olhar do cliente são, como numa livraria de “lançamentos”, impecáveis pilhas de exemplares novos de um mesmo livro, luxuosamente encadernados, de arte em sua maioria, por uma fração de seus preços iniciais. Como a Strand consegue isto ? Simples. Há (ou, pelo menos, havia) em Nova Iorque uma animada cultura de resenhas. Existe mesmo uma publicação periódica, o New York Book Review, inteiramente a ela dedicada. Isto quer dizer que qualquer editor em língua inglesa com alguma pretensão ao mercado livreiro deve distribuir aos críticos novaiorquinos dezenas, senão centenas, de exemplares de cortesia (ou, como são conhecidos por lá, complimentary copies) de qualquer novidade – a maioria dos quais, no entanto, sequer é aberta e acaba sendo adquirida pela Strand a preços de banana.

Vista do interior da Strand Book Store

Outro caso, bem mais próximo, é o de um acumulador, residente em São Paulo, que adquire lotes de discos de vinil de empresas que se retiram do mercado. Embora promova um sério trabalho de catalogação, seus armazéns contém quantidades imponderáveis de itens repetidos, chegando a um total impressionante de mais de 4 milhões e meio de LPs. Daí as aspas em torno da palavra “colecionador” aí em cima. Qual seu propósito ? Sinceramente, não sei. Supondo que seu imenso acervo seja preservado após sua morte, deve permanecer como um colossal monumento ao excesso ambientalmente obsceno inerente à indústria.

O “conecionador” Zero Freitas, de São Paulo, diante de uma pequena fração de seu acervo

De espectadores a participantes (ii): mais sobre o fim da genialidade

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No último post de 2015, tergiversei sobre o fim da genialidade. Ali, sustentei que, historicamente, todo gênio é imediatamente reconhecido por seus contemporâneos. Minha generalização foi tão apressada quanto desastrosa, como muito bem apontou Andrei (por favor se apresente melhor !) no seguinte comentário, a propósito dos gênios postumamente reconhecidos:

“É inerente à noção de genialidade o fato de que ela é prontamente reconhecida em todo gênio por seus contemporâneos.”

Na realidade diversos gênios foram reconhecidos apenas postumamente, vide Bach, Poe, Kafka e tanto outros.

Face ao mesmo, me vi forçado a reformular o argumento para

dada a pluralidade exacerbada de enunciações (artísticas ou científicas) facultada pelos meios de divulgação atuais, é hoje praticamente impossível distinguir o gênio dentre seus contemporâneos – cabendo, portanto, tal tarefa exclusivamente à posteridade.

Premissa que leva, de imediato, à indagação sobre quem será reconhecido, no futuro, como gênio de nossa época.

Uma ótima metáfora para nosso tempo é o ruído branco, a saber, aquele som, semelhante a um chiado, resultante da soma de todos os sons possíveis, no qual se tornam indistinguíveis quaisquer sons “puros” componentes do ruído resultante. Se, sob o domínio dos broadcasting media (aí incluído o “mercado” editorial), a reprodução maciça de enunciados era um privilégio de poucos, é hoje impossível a qualquer inteligência, humana ou artificial, mapear a totalidade de falas que habitam concomitantemente o espaço virtual. Ao menos antes da realização da web semântica perseguida por Lévy.

Por isto, não creio que a identificação dos gênios de hoje seja meramente um problema de julgamento histórico. Sustento, ao contrário, que a genialidade, como elevação do espírito de poucos indivíduos em relação à grande maioria dos de seu tempo, pode, sim, se encontrar em processo de extinção. Para melhor entender como isto ocorreria, é útil nos debruçarmos sobre o mito do homem universal.

Olhando de perto a biografia de tantos gênios, notamos que, frequentemente, sua área de curiosidade transcende os limites de uma única disciplina, transitando, por vezes, até entre os domínios da ciência e da arte. Como o artista e inventor Leonardo da Vinci, o escritor e fotógrafo Lewis Carroll ou o físico e músico Albert Einstein. Até na literatura a amplitude de excelência comparece, mais emblematicamente na figura de um Sherlock Holmes. De pouco importa se Einstein tocasse bem ou mal o violino; se as fotos de Carroll fossem motivadas por uma paixão clandestina que hoje seria vista como franca pedofilia; ou, ainda, se a inquietude de espírito de Holmes pudesse ser atribuída ao vício, hoje proibido, em cocaína. O que tais biografias, reais ou ficcionais, sugerem é que, para as mentes mais agudas, é por vezes difícil se restringir àquilo que convencionamos chamar de ofício. Algo de que a maioria costuma se ocupar por toda a vida e de que deriva o próprio sustento, sem ter tempo para se dedicar mais seriamente (ao menos perante os outros) a qualquer outra atividade. Pois reza o senso comum que, além da profissão (que, até poucos séculos atrás, já foi hereditária), todo foco de interesse restante seja reconhecido, quando muito, como um hobby (mas deixemos de lado, por hora, o fim das profissões – tema complexo a merecer um texto totalmente a ele dedicado).

Por muito tempo, o mito do homem universal enquanto excelente em várias ocupações, idealmente realizado em da Vinci, foi tido como uma exceção numa civilização na qual todo indivíduo não tinha outra possibilidade a não ser optar, por força da competição, por algo no que se especializar. Acreditamos que tal estado de coisas esteja profundamente enraizado em determinantes econômicos. Mas isto não nos interessa tanto.

Interessa, sim, deter o olhar sobre fatores tecnológicos que fizeram com que o mito do homem universal, antes apenas pouquíssimos entre muitos, se tornasse, hoje, muito mais a regra do que a exceção. Interessa, também, notar que

como os limiares para que algo fosse reconhecido como arte se alteraram em contextos mais recentes; e que

como o conhecimento e o imaginário deixaram de ser propriedade de umas poucas mentes para se tornarem objetos compartilhados por inteligências coletivas, ou líquidas.

A arte sempre foi definida e categorizada por técnicas específicas – sendo, portanto, sua tipologia determinada não pelo conteúdo mas, invariavelmente, pela técnica utilizada pelo artista. Deste modo, temos, como grandes categorias, o desenho, a pintura, a escultura, a literatura, o teatro, a fotografia ou a música, entre outras, ficando dicotomias como figurativo/abstrato ou tonal/atonal (associadas ao conteúdo), por exemplo, como classificações secundárias.

Ora, até pouco tempo atrás (mais precisamente até os grandes avanços tecnológicos da segunda metade do século 20) toda técnica devia ser longamente praticada até a obtenção de um domínio razoável a ponto de ser exercido para a criação de obras mais perenes. Por isso, é razoável dizer que as tecnologias computacionais vieram no sentido de facilitar toda e qualquer atividade, facultando, com isto, pela primeira vez, a figura do artista de pronta entrega. Ou alguém seria capaz de dizer que a fotografia com filmes é tão fácil como a digital ? Ou que o projeto arquitetônico era de domínio tão simples antes do CAD ? Ou que fazer um filme antes era tão fácil como fazer um video agora ? Ou, ainda, que era tão fácil escrever antes da recursividade dos editores de texto ?

Mencionei, no post anterior, o fato de vivermos numa era de autoria quase universal. Para que tal condição, facultada por novos meios, existisse, foi necessária uma redução dos patamares antes associados à estatura artística. Da sinfonia ao rap, do grande romance ao tweet ou do óleo ao rabisco, o que vemos em todas as áreas é o encurtamento das formas, a simplificação da complexidade e a legitimização da colagem. Isto não é bom nem ruim mas, simplesmente, uma etapa evolutiva. Fruto, provavelmente, da fragmentação de todo discurso entre múltiplos autores. O que nos permite especular sobre o retorno, talvez, num futuro não muito distante, das grandes formas.

O que quero dizer com isto é que, se antes, por força do tempo necessário ao ao domínio técnico de qualquer arte ou ofício, o mito do homem universal era um privilégio de poucos, hoje, dada a universalização de acesso aos meios, a condição de homem criativo plural se encontra ao alcance de todos. Então, num mundo em que qualquer um pode escrever e publicar, todo portador de um smarphone é um fotógrafo em potencial e um sampler faz de qualquer um um músico, penso, sim, que é bem menos provável do que antes a emergência de sujeitos que venham a ser reconhecidos, por contemporâneos ou pela posteridade, como intelectos privilegiados de nossa época.

* * *

Sempre me agradou bastante a formulação do Parêntesis de Gutenberg, à qual já aludi por diversas vezes, que preconiza o fim da escrita. Mesmo que a previsão esteja errada (oxalá !), a ideia (de um intervalo histórico) não deixa de ser interessante. A ponto de poder ser facilmente transposta para outras coisas. De tal modo que gosto de pensar que, num futuro melhor, poderemos não ter mais a publicidade, os broadcasting media, as profissões, a representação política e toda centralização (verticalização) administrativa, pública e privada, dentre tantas outras coisas que já se encontram naturalizadas como necessárias e inerentes ao funcionamento da sociedade. Daí a magnitude da tarefa de como imaginar um mundo sem elas. Mais horizontal. Por essas e outras, teimo em manter este blog.

 

Da propaganda (i)

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Ligo o rádio. Ouço Ricardo Boechat, que equivale à voz editorial da Rede BAND, vituperar contra a remuneração exorbitante, superior a 200 milhões de reais, do marketeiro do PT em 7 campanhas políticas. A bagatela de, em média, uns 30 milhões por campanha. Em seguida, o apresentador indignado esbraveja sobre a necessidade urgente e imperiosa de que sejam prestadas contas à sociedade sobre a origem e o destino deste montante, tido como, no mínimo, imoral. Fim do editorial.

Intervalo comercial. Imediatamente após a contundente posição assumida pela emissora por meio de seu mais eminente porta-voz, é veiculado um comercial institucional da mesma cujo teor é perfeitamente resumido pela chamada “propaganda também é conteúdo”.

Cá com meus botões, tento em vão entender por que, sob uma mesma ética e pelos mesmos agentes, a propaganda política é violentamente execrada enquanto a comercial é francamente exaltada e estimulada. Ora, um e outro são, essencialmente, a mesma coisa, a saber, a veiculação ampla de mentiras sem direito à qualquer contraditório.

(pausa para que os publicitários se retirem da sala)

Passei dias, até semanas, pensando sobre a contradição acima. Não me dedicarei, aqui, a esmiuçar os aspectos mais nocivos da propaganda e da representação políticas, até por que muitos já o fazem com bastante brilho e desenvoltura. Já a propaganda comercial, ainda que fundada sobre o mesmo pressuposto – a propagação em mão única de mentiras ou, quando muito, meias verdades, se encontra perfeitamente naturalizada na economia contemporânea. É sobre este mito que, doravante, queremos nos concentrar.

A publicidade de bens e serviços comerciais não passa da faceta mais visível de um modelo econômico fundado sobre a competição pela produção e comercialização de bens em excesso e a custos reduzidos. Para muito além das necessidades humanas. Os carros empacados nos pátios das montadoras de tempos em tempos não nos deixam mentir. Neste contexto, a propaganda existe nos broadcasting media (reparem como campanhas publicitárias não vingam em redes sociais !) unicamente no intuito de dar vazão à produção excessiva por meio tanto da exacerbação das qualidades do que é anunciado como da criação artificial de necessidades até então inexistentes.

O design industrial e a obsolescência programada só existem em razão da manutenção deste ciclo. Ou então por que alguém precisaria trocar de carro ou telefone celular de tempos em tempos ? Inovações tecnológicas ? Bowshit.Toda propaganda é, por definição, anti-ecológica se levarmos em consideração a parte do valor de qualquer produto que é agregada exclusivamente para que o mesmo desfrute de um bom posicionamento no mercado. Hão de dizer, no entanto, que produtos dos quais fossem expurgados todos os valores investidos em sua publicidade teriam, por assim dizer, as “pernas curtas”, ou seja, que o conhecimento sobre a própria existência dos mesmos, independentemente de suas qualidades, estaria irremediavelmente restrito, quando muito, aos círculos locais em que são produzidos. Ao que contraponho: mas por que raios um produto precisa ser comercializado longe de onde é produzido ? Ou, em casos extremos, para além-fronteiras ? Ora, se algo longínquo é, efetivamente necessário, a isto chegamos hoje, facilmente, por meios de buscas informatizadas.

As marcas, que procuram conferir a bens produzidos por conglomerados uma identidade global única, independente das condições frequentemente sub-humanas em que são produzidos, são parte essencial do problema. Vide as roupas e calçados esportivos produzidos para grifes e marcas por meio de trabalho escravo. Ou o recente escândalo de corrupção na FIFA, em que o marketing esportivo foi protagonista absoluto.

Por isto, vejo toda publicidade como um enorme e desnecessário dispêndio energético. A indústria da propaganda não só sabe disto mas, via de regra, opera levando isto em consideração. Pois todo anunciante ou publicitário sabe que, de todos os sujeitos bombardeados por uma mensagem publicitária, apenas uma pequena parte está interessada naquilo que é anunciado. Para os restantes, toda propaganda não passa de ruído, lamentavelmente naturalizado na vida cotidiana. Numa analogia grosseira, então, veicular anúncios por meio de broadcasting (a própria atividade fim da publicidade) é mais ou menos como pulverizar toda uma lavoura com pesticidas de amplo espectro e nocivos quando ingeridos por pessoas apenas para eliminar uma praga específica que esteja a ameaçar a rentabilidade de uma colheita.

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Contra tal visão dos fatos se erguerão, certamente, duas vozes majoritárias, a saber, uma que diz que a indústria da propaganda emprega muita gente e outra que considera que anunciantes sejam benfeitores responsáveis pelo fácil acesso a conteúdos desejáveis. Como, por exemplo, programas de rádio e TV ou matérias impressas em jornais e revistas. Nestes dois casos, apologistas da propaganda comercial recorrem a mitos distintos que, para maior clareza, veremos separadamente.

A ideia de que num mundo livre de toda publicidade muitas pessoas perderiam suas ocupações atuais é derivada de um mito maior, a saber, o de que as atividades humanas a que chamamos de profissões sempre existiram e sempre existirão. Ora, não é preciso muito conhecimento histórico para se intuir que ocupações surgem e desaparecem de tempos em tempos, de acordo com peculiaridades de cada época. De tal modo que pessoas cujas ocupações desaparecem sempre acabam, de um jeito ou de outro, se ocupando de outras coisas. Só que, como o ciclo de existência das profissões é bem longo, geralmente superior à duração de vidas humanas, é perfeitamente compreensível que ocupações tendam a se confundir com as próprias identidades individuais, a ponto de qualquer um não conseguir se enxergar no mundo fora da atividade que exerce e para a qual foi treinado. Estamos, então, aqui, claramente lidando com o medo do desconhecido por excelência, o futuro. As profissões assumindo, neste caso, o mesmo status das religiões. Umas e outras a oferecer conforto contra o grande vazio existencial que representaria não pertencer a nenhum mundo, antes ou depois da morte.

Um bom exemplo deste estado de coisas é a indignação generalizada recém desencadeada pela primeira manifestação no Brasil (pois no “primeiro mundo” já é um tema recorrente há bastante tempo) sobre a obsolescência das orquestras sinfônicas como hoje as conhecemos.

Vejam ainda, sobre a volatilidade das profissões, as facilidades recentemente aprovadas pelo congresso brasileiro para a contratação terceirizada de serviços.

O segundo mito sobre o qual repousa a naturalização da propaganda em nossa economia é o de que, sem ela, teríamos pouco ou nenhum acesso a conteúdos desejáveis (i.e., aqueles pelos quais optamos e que justificam nossa tolerância a todo lixo publicitário). Ora, se a informação ou o entretenimento que queremos só chega até nós por causa da existência de anunciantes que os sustentam, devemos lembrar que isto só é assim por que a sociedade organizada assim o permite. Mas caso contrário, quem pagaria a conta ? O estado, é claro. Pois se diz das democracias que são os próprios cidadãos que deliberam sobre a alocação dos tributos recolhidos. Não sou tão ingênuo de supor que, na prática, isto seria uma tarefa fácil. Senão já estaríamos, para começar, livres dos representantes parlamentares e das concessões de rádio e TV. Mas toda mudança, para melhor ou pior, passa, necessariamente, por uma discussão. Contra a qual conspiram, além de pessoas e grupos interessados, as ideias naturalizadas.

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