Reality shows: anatomia de um desgaste

Depois de mais de duas décadas de hegemonia nas grades de programação da TV aberta, os reality shows finalmente apresentam (viva !) inegáveis sinais de desgaste. Não que não estivessem presentes antes. É que, agora, talvez pela primeira vez, os próprios realizadores se vem forçados a tomar providências para tentar garantir alguma sobrevida ao formato.

Fatos como a adoção, depois de mais de vinte anos (!), de um voto único, associado ao CPF, em cada votação ou, ainda, o telefone através do qual espectadores podem veicular críticas à produção do Big Brother são sintomas inquestionáveis disto. Tais sinais sugerem que emissoras estejam reagindo a audiências minguantes, numa tentativa de perpetuar uma fórmula até então bem sucedida que, todavia, começa a não mais convencer.

* * *

Por mais que realizadores de realities apregoem, como no caso do telefone cujas ligações o próprio apresentador do programa estaria sempre pronto a atender (que belo golpe publicitário !…), é razoável supor que as demandas do público sejam editadas. Voltaremos a isto. Por hora, vejam, por exemplo, demandas, até certo ponto fáceis de atender, como:

que aconteçam mais provas de inteligência do que de resistência; ou

que a famosa xepa seja mais restritiva, como, por exemplo, um regime de pão e água;

e por aí afora. Até aí, tudo bem. Mas imaginem se espectadores começassem a reivindicar coisas como

opinar no processo de seleção dos participantes – numa tentativa, talvez, de quebrar o padrão de corpos jovens e esbeltos, que impera no programa, em favor de mais conteúdo mental. Tipo menos músculos, bundas e peitos e mais cérebro. Ou ainda

a supressão de publicidade dos patrocinadores nos cenários das provas. Já notaram como as marcas e as cores dos anunciantes nas arenas de provas demoradas dominam por muito mais tempo do que em comerciais de 30 segundos ? Vejam ainda o destaque dado no próprio programa ao carro ganho pelo vencedor do The Voice. Perto disto, o clássico merchandising de uma garrafa de Coca-Cola “casualmente” deixada sobre uma mesa de refeição em uma telenovela é uma perversão não mais do que tímida.

Não sei o que vocês acham, mas quero acreditar que emissoras jamais dariam ciência de demandas de telespectadores como as acima, que dirá atendê-las. Donde inferimos que o poder de edição dos realizadores sobre o desejo do público é a última coisa da qual estariam dispostos a abrir mão.

Eis o principal fator de distinção entre os broadcasting media – que, como o próprio nome já diz, concentra um enorme poder na definição de conteúdos nas mãos de seus proprietários – e as mídias sociais – nas quais, ao menos em tese, há uma certa isonomia na possibilidade de externar opiniões, doam a quem doer ou, até mesmo, quando não passam de asneira.

* * *

A TV aberta vive de fofoca. Seus donos sabem disto e se aproveitam do fato. Realilies são o melhor exemplo disto. Não é por menos que a maioria deles seja sobre canto e culinária, matérias nas quais qualquer leigo se sente autorizado a opinar. Com o povo sarado do Big Brother (só eu acho que aquilo parece uma academia de ginástica ?), não é diferente. Por vezes, parece que, quanto mais raso, melhor. Maior o “engajamento” (adoro essa palavra !) popular. Tudo isto no único intuito de maximizar o alcance da mensagem publicitária. Imaginem, agora, se a competição fosse sobre astrofísica. Ou física quântica. Vislumbram algum possível engajamento ?

* * *

Terminamos de assistir a mais uma temporada do The Voice (dizem que a última !), por sorte curta. Neste programa, o foco é muito mais no júri do que nos calouros. O sorrisão do Teló. Parece o gato de Alice. E já viram algum dos jurados falar algo desabonador sobre algum candidato ? E os perdedores, que sistematicamente escondem sentimentos de frustração por trás de um discurso de gratidão ? É só love. Hipocrisia pouca é bobagem. O mais irônico de tudo é que, em poucos anos, os jurados continuarão célebres enquanto que a maioria dos calouros, esquecida.

Se disponibilizassem um telefone do The Voice, nos moldes do telefone do Tadeu no Big Brother, as duas coisas que eu mais gostaria de ver reivindicarem seriam

participação popular na escolha das vozes selecionadas para aparecer no programa; e

disponibilização da íntegra da interação, entre um programa e outro (já que não são ao vivo) entre cada “técnico” e seu “time”. Pois desconfio de que pouco do que vemos e ouvimos possa ser atribuído à interferência dos técnicos.

* * *

(notas rabiscadas às pressas depois da última edição do The Voice e antes da próxima do Big Brother)

Intermezzo: Cogumelos recheados

Como bem lembraram o Guiga e o Robson, se trata de uma receita familiar. Minha mãe os recheava com queijo gorgonzola. Puro. Ficava bem forte. Depois disto, comecei as experimentar recheios.

Há muitos tipos de cogumelos. Os Paris e Portobello (não sei por que o duplo “L”), com seu formato de “chapéu de cobra”, são os melhores para rechear. Os Shitake, pelo seu formato, também servem.

O preparo esbarra no fato de que cogumelos estão pelos olhos da cara e, além disto, se precisa dos mais graúdos. No supermercado, é possível encontra-los a partir de 16 reais a bandeja, e já vi os maiores vendidos por até 29 (sic!). Na feira, custam 14, às vezes 12 e, se estiverem em promoção, 10. Se os encontrar por esse preço e, ainda por cima, graúdos, não hesite: compre. Até mais de uma bandeja.

Comece lavando bem os cogumelos, que costumam trazer muitos resíduos de terra. Em seguida, remova os talos de cada um deles, pois, sem isto, não haverá espaço algum para rechear. Para esta operação, não é necessário usar nenhum utensílio. Basta pressionar os talos ligeiramente para qualquer lado, que os mesmos se descolarão facilmente das “conchas” (as partes recheáveis). Se forem muitos talos, os guarde, pois, refogados ou assados, podem ser aproveitados noutras receitas.

Há anos, aprimorei a receita de minha mãe misturando o gorgonzola com requeijão. Pode ser sem lactose, se houver comensais com restrição à mesma. Mais recentemente, adicionei nozes chilenas trituradas à mistura.

Recentemente, comecei a experimentar outros recheios. Troquei, por exemplo, o gorgonzola e as nozes por manjericão fresco e presunto parma (ou copa magra). Mozzarella (se for de búfala, melhor) com molho pesto também funciona bem. Com tomates secos (que ainda não testei) também deve dar certo.

O requeijão pode ser substituído por qualquer outro queijo cremoso o suficiente para dar o amálgama. Cream cheese foi testado e aprovado. E se quiser salpicar os cogumelos, já recheados, com queijo ralado, ervas, páprica, copa magra defumada picada ou o que der na telha, vá em frente.

* * *

O lado mais fascinante da cozinha é não se ater a receitas, hoje fáceis de achar na web, mas experimentar com os ingredientes que se tiver à mão. Nem sempre dá certo. Experimentei com alcaparras e não gostei. Este fator de risco é, para mim, de longe o melhor que há em cozinhar.

Encontrando bons ingredientes a preços convidativos e querendo se aventurar, uma última recomendação: não asse demais os cogumelos. Se for respeitado um ponto de cozimento não maior do que o suficiente para derreter o queijo da liga, os cogumelos preservam melhor sua crocância e elasticidade naturais. E não se esqueça de untar a forma ou prato refratário. Para tanto, costumo usar azeite de oliva.

Bom apetite !

Como cozinhar com receitas encontradas na internet

Foi-se o tempo em que, para realizar algum prato, era preciso, antes de tudo, um bom livro de receitas. Cadernos manuscritos detalhando o preparo dos mais apreciados quitutes de nossos ancestrais eram, então, itens super cobiçados em disputas entre herdeiros lidando com inventários. Hoje, tudo mudou. Mediante a simples digitação do nome de qualquer comida num buscador, se descortina instantaneamente diante de nossos olhos uma quantidade colossal de receitas, as quais ninguém tem tempo de escrutinar em sua totalidade. Francamente, nem sei como o mercado editorial de livros de receitas ainda sobrevive.

Parênteses. Já desisti de me meter em disputas sobre se há modos certos ou errados de cozinhar cada prato, ou, ao contrário, o que existe é uma diversidade infinita de variantes familiares de cada receita. Sou da segunda opinião. É claro que tendemos a achar a maneira como crescemos vendo nossas mães e avós cozinharem é, necessariamente, a melhor ou “mais certa”. Aqui, é sobretudo um forte componente emocional o que está em jogo. Mas ainda não bateram (nem tampouco jamais baterão) o martelo sobre a questão.

* * *

Como já foi dito, o primeiro passo é sempre jogar no Google o nome do prato que se quiser preparar. É absolutamente irrelevante, além de pouco prático, eleger uma receita como superior às outras. Mais importante é procurar um denominador comum entre as páginas abertas, adaptando as receitas àqueles ingredientes que se tenha em casa. Costumo abrir a primeira página de entradas encontradas pelo buscador (é provável que, entre elas, esteja uma de Ana Maria Braga) mas, depois de examinar duas ou três delas, já tenho uma ideia de como proceder. Prefiro receitas com menos ingredientes e processos de execução mais simples. Fujam, por exemplo, de coisas como “deixe a massa descansando de véspera”.

Para improvisar na cozinha com o que se aprende na web, é preciso ter uma certa familiaridade com possibilidades de substituição. Por exemplo. Prefiro sempre manteiga, por que mais saborosa, mas se só tiver margarina, na prática dá no mesmo. Ervas frescas são, pela mesma razão, sempre preferíveis às secas. Já o amido de milho (Maizena) pode, na maioria das vezes, ser imperceptivelmente trocado por farinha de trigo, universalmente encontrável em qualquer boa despensa. E tomates frescos (uso sempre os do tipo paulista ou italiano; jamais do longa vida) podem ser perfeitamente substituídos pelos pelados enlatados. Ainda sobre atomatados: passatas (geralmente italianas) são um sucedâneo contemporâneo mais sofisticado do que a outrora popular massa de tomate (lembram da Elefante, produzida pela Cica e promovida pela Mônica ?), são bem práticas quando não queremos sementes ou pedaços dos frutos a comprometer a textura do prato. E grãos de pimenta ou noz moscada tem aroma mais intenso quando moídos na hora.

Cabe ressaltar, também, que ingredientes frescos são mais perecíveis do que seus similares enlatados, em conserva ou em caixinhas. Como no caso do creme de leite (nata) ou dos supracitados tomates e atomatados. Isto implica no fato de que, para cozinhar com insumos frescos, é preciso um planejamento mais rígido do cardápio dos próximos dias, já que temos que ir ao mercado ou à feira com uma ideia exata do que vamos preparar e quando. Já uma despensa mais completa, ainda que com produtos industriais repletos de conservantes, permite ao cozinheiro um grau maior de improvisação.

Alguns alimentos, como carnes, fiambres e certos legumes, suportam bem o congelamento. Outros, como queijos e verduras, não. Também não é uma boa ideia tentar congelar ovos ou batatas. Consoante a isto, faço encomendas mensais ao açougue e à peixaria, mantendo, por conveniência, os cortes congelados já fracionados e embalados nas porções em que serão utilizados. É mais recomendável descongelar por imersão em água em temperatura ambiente do que no forno de micro-ondas, que pode cozinhar inadvertidamente (e ressecar) a borda dos alimentos.

Me dirijo, aqui, obviamente aos não veganos. Carnes se constituem, quando presentes, no “núcleo duro” dos cardápios que as guarnecem. Para não se atrapalhar com elas, é preciso, na aprendizagem, obedecer uma certa hierarquia progressiva da dificuldade de controle do ponto de cozimento. Comecem com as carnes que devem ser bem passadas, como bracciolas, linguiças, picadinhos, guisados ou cortes mais rijos como carnes de panela. Tão somente por que, nestes casos, há mais tolerância em relação ao excesso de cozimento – podendo o mesmo, com efeito, até ser benéfico para o amaciamento do corte. Para um amaciamento mais eficaz também podem ser utilizadas panelas de pressão (confesso ter medo delas, além de gostar de enxergar o que está na panela durante todo o processo de cozimento) e os amaciantes em pó, vendidos nas prateleiras de temperos prontos. Carnes de frango, porco e ovelha também devem ser sempre bem passadas.

Só depois de já ter adquirido alguma prática é que devemos nos aventurar como as carnes tenras, que devem ser servidas mal passadas ou (como prefiro) apenas seladas. Peixes, sejam fritos, cozidos ou assados, também padecem da mesma hiper sensibilidade ao excesso de cozimento. Camarões, então, nem se fala ! Todas as carnes a que me refiro neste parágrafo só devem ser levadas ao fogo depois que todas as guarnições estiverem prontas e a mesa posta.

Temperatura e tempo de forno. Simplesmente ignorem o que dizem as receitas. Isto por que não há dois fornos iguais entre si, e a simples atenção ao relógio e/ou ao “termostato” (apoteose da propaganda enganosa) é capaz de arruinar qualquer prato, o deixando crú ou, pior, cozido demais. Nestes casos, há duas regras de ouro a serem seguidas: 1) conheça seu forno; e 2) controle frequentemente o ponto de cozimento de qualquer coisa, seja pela coloração ou pela consistência.

* * *

Espero que estas diretrizes, conquanto óbvias para cozinheiros mais experientes, possam ser de alguma utilidade a alguns de vocês. E se assim o quiserem, continuaremos falando disto noutra ocasião.

For the record: as anotações acima foram ensejadas por uma súbita necessidade de acabar com um surplus de alho porró, decorrente de uma falha na lista da feira, que culminou com a feitura, pela primeira vez aqui em casa, do prato mais popular que conheço envolvendo o insumo (está no cardápio de qualquer café), a saber, a quiche de alho porró.

Batatas do Fredolino

O Floresta Negra foi um restaurante icônico em Porto Alegre, fechado em 1990 por ocasião da morte de seu dono, Fredolino Schirmer. Quando morre um restauranteur, os dois procedimentos mais comuns são: ou a casa segue aberta, repousando na tradição adquirida em tempos gloriosos, tocada pelos filhos ou pela viúva de seu mentor (como nos casos das churrascarias Komka’s e Santo Antônio ou, ainda, do bar alemão Rock’s); ou fecha suas portas, encerrando atividades para sempre.

No caso do Floresta Negra, a opção não poderia ser diferente da segunda, já que Fredolino sempre personificou a alma da cozinha e do salão que comandava. Para os clientes fieis e saudosos, Christa Schirmer publicou um livro com as principais receitas imortalizadas pelo marido. Antes, porém, de proceder à receita, simples, prometida no título, de um acompanhamento que funcionava como marca registrada da casa, me permitam agregar à crônica de memórias do alemão turro, que não é pequena (confiram, por exemplo, aqui e aqui), um fato ocorrido em seu célebre restaurante do qual não me consta que já exista algum registro.

Meu pai tinha o hábito de convidar amigos para jantar e não deixá-los pagar. Certa vez, no Floresta Negra, se descuidou e, ao perguntar a Fredolino o valor da conta, soube, pelo mesmo, que seu amigo sorrateiramente já havia liquidado a fatura. Disfarçando sua contrariedade face ao ocorrido, pediu, então, a Fredolino que, por obséquio, lhe trouxesse uma tesoura, no que foi prontamente atendido. Quando Fredolino voltou da cozinha portando o instrumento, meu pai agradeceu e, num movimento rápido, cortou a gravata de Fredolino pela metade.

Um pouco de contexto. Cortar gravatas era um gesto desconcertante bem em voga na época. Seu efeito cômico era notável, principalmente quando praticado, diante de uma plateia, em autoridades engravatadas a proferir discursos numa mesa ou tribuna. Não era um esporte violento. Ao menos nunca soube de alguém que tivesse reagido violentamente ao ter a gravata seccionada. Também era um esporte caro, pois era de bom tom providenciar, no dia seguinte, outra gravata, preferencialmente de seda italiana, e presenteá-la à vítima.

* * *

Havia no Floresta Negra uma espécie de acompanhamento coringa, servido com vários pratos, carinhosamente conhecido como “batatas da casa”. De uma simplicidade franciscana, era constituído por apenas 4 ingredientes: batatas, cebolas, bacon e manteiga.

Dias atrás, decidi recriá-lo. Cozinhei as batatas e, separadamente, refoguei anéis de cebola e mini-cubos de bacon em manteiga. Bacon cortado “à granel” é preferível ao embalado, por permitir o uso de um corte magro. Por fim, misturei o refogado às batatas, agitando (sacudindo mesmo) a mistura numa panela tapada, num processo conhecido como batatas sauté. Não lembro ao certo se as batatas do Fredolino eram sauté, tampouco sei se o refogado era com manteiga ou outro tipo de gordura; só achei que com manteiga ficaria bem. Do que, no entanto, jamais me esquecerei é de Fredolino desfilando pelo salão com seu enorme moedor de pimenta a despejar o condimento sobre as batatas e o que mais houvesse nos pratos de seus felizes comensais antes que os mesmos pudessem esboçar qualquer reação.

Servi acompanhando um peixe (filé de namorado) assado em crosta de amêndoas moídas. Peixe com bacon ? Também não lembro se Fredolino cometia tal “heresia”. Mas me tornei muito menos ortodoxo na cozinha ao ver, num recente reality show culinário, participantes corriqueiramente misturando, num mesmo prato, frutos do mar com os mais diversos cortes de porco, salgados ou defumados. E acreditem: fica MUITO bom !

* * *

Errata: depois que publiquei este post, minha querida Astrid, ao conferir o livro de receitas do Floresta Negra (que citei de memória, pois não consegui localizá-lo ao escrever), me chamou a atenção para quatro imprecisões cometidas:

  • Fredolino Schirmer, como se tornou conhecido, era na verdade Fridolino, com i em vez de e;
  • Fridolino só comandava o salão (também fazia as compras) – sendo, portanto, estampa e personificação do restaurante. Quem comandava a cozinha era Christa Schirmer, “dona” de todas as receitas, raramente vista, pois preferia permanecer na retaguarda;
  • o livro com as receitas foi escrito em parceria entre Christa e a filha do casal, Beatriz Schirmer Cestari;
  • o restaurante fechou em 1992, e não, como foi dito, em 1990.

Slow cooking (v): salada de bacalhau em versão de verão

Já falamos por aqui da icônica maionese de bacalhau. Só que, em dias mais quentes, a maionese caseira pode se tornar, na melhor das hipóteses, indigesta e, na pior, até mesmo perigosa. Nem por isto, todavia, devemos postergar o prazer de elaborar e consumir a deliciosa salada até o próximo inverno. Para tanto, basta eliminar da receita seu ingrediente mais calórico – a saber, todo o óleo vegetal que constitui a base de qualquer maionese.

Fora a generosa quantidade de azeite,  o resto do que vai nesta salada é praticamente o mesmo que vai em sua versão com maionese para tempos mais frios. A maior complexidade em sua execução talvez seja a quantidade de panelas e vasilhames envolvidos no processo  (que deverão ser lavados depois do festim na cozinha): uma panela funda para cozinhar os ovos, as batatas e as cenouras; uma panela de fundo grosso para refogar o bacalhau; uma chaleira para ferver a água que será usada para escaldar cebolas e pimentões e, por fim, um único pote pyrex que será usado primeiro para escaldar os ingredientes supra citados e depois para misturar tudo.

Comece cozinhando duas cenouras e quatro batatas, descascadas e cortadas em jardineira, junto com quatro ovos. Quando a cenoura estiver al dente, separe batatas, cenouras e ovos e deixe esfriar. Descasque e pique os ovos.

Corte a melhor parte (central) do pimentão e de duas cebolas pequenas em círculos bem finos e escalde em água fervente. Troque a água ao menos uma vez. Então, misture a cebola escaldada com as batatas, as cenouras e os ovos picados. Quanto às “rodelas” de pimentão, as corte em pedaços menores, adequados para integrar um refogado.

Nesta versão, usei azeitonas pretas portuguesas temperadas. Descarocei e parti cada uma em quatro pedaços, refogando-as com os cantos picados das duas cebolas (imprestáveis para fazer os delgados anéis escaldados mas valiosos para dar corpo e sabor ao prato).

Então, sem mais delongas, ao refogado propriamente dito. Primeiro, deite sobre óleo aquecido (usei de oliva) a cebola e o pimentão picados e, depois que estes já estiverem dourados, o bacalhau. Abri mão do uso de alho para realçar o marcante aroma do peixe – o qual, dessalgado e em lascas, deve ser adicionado ao refogado só depois (repito) que que os vegetais já estiverem dourados e lá deixado em fogo baixo até desidratar. Quando tudo estiver dourado, esfrie e misture com a jardineia de cenouras e batatas, os anéis de cebola escaldados e os ovos cozidos picados.

Tempere a gosto, com pimenta moída e azeite de oliva e corrigindo o sal se preciso. Sirva com pães aquecidos e vinho verde ou branco.

* * *

Como em todas as “receitas” deste blog, me vali de ingredientes que tinha em casa. Teria de bom grado utilizado anéis de alho porró no refogado e tempero verde (salsa) picado ao misturar a salada. Cheguei a pensar (felizmente fui dissuadido a tempo) em castanhas e frutas frescas ou secas – como, sei lá, numa Waldorf.  Só que, na dúvida, obedeci ao velho preceito culinário de se buscar preservar ao máximo a identidade de cada ingrediente. Também ouvi ecos de vozes antigas, da profundeza de cozinhas ancestrais, me exortando a deixar nozes e frutas longe de leguminosas. Então, sem saber exatamente por que, passei a achar tudo aquilo (i.e., misturar passas e castanhas com batatas, cenouras e  beterrabas) uma coisa muito anti natural. #bewarethegourmetizer

 

Slow cooking (iv): Yakisoba

A disponibilidade universal da comida japonesa é um dos efeitos mais emblemáticos da globalização culinária. Em minha infância, tanto o sushi como a ideia de comer peixe cru eram tidos como excentricidades. Sabíamos de sua existência em confins remotos, mas como hábitos alimentares, gozavam do mesmo status que comer insetos ou vermes desfrutam, entre nós, ainda hoje.

Aí vieram os restaurantes japoneses e, quase imediatamente, a comida japonesa de tele entrega. Sucumbimos ao charme irresistível do sushi. Assim como a outras “novidades” – como, por exemplo, o salmão fresco ou os tomates secos. Até nos fartarmos. Educamos nossos filhos de modo a acharem naturais estes sabores globalizados. Nativos digitais apreenderam a apreciar peixe cru praticamente ao mesmo tempo em que apreenderam a falar. Então, quando capitulamos à insistência dos pequenos, resta, frequentemente, como supremo ato de rebeldia, a lacônica página de pratos quentes do cardápio japonês. É lá que encontramos seu carro chefe – o indefectível yakisoba, um engolobado de macarrão, legumes e carnes que podem variar do gado ao frango, passando pelos frutos do mar.

Já comi yakisobas interessantes em restaurantes. Confesso, no entanto, que me sinto um pouco idiota ao ordenar o clássico diante de uma miríade de opções exóticas ou mais elaboradas. O sushiman tem razões de sobra para ficar ofendido com comedores de yakisoba. ” – E a minha arte, onde fica ?”, diria ele.

Já yakisobas de tele entrega são um capítulo à parte. Como, aliás, qualquer comida entregue à domicílio. Muito ainda há que ser estudado sobre a metamorfose inexorável sofrida por toda comida feita nos melhores restaurantes até chegar, sobre duas rodas, aos os endereços em que serão consumidas. Foi ciente desta limitação que me lancei a uma cruzada em busca do yakisoba perfeito. Já que, como bem disse meu filho Arthur, ” – Feito em casa é sempre melhor. ”

O périplo começou diante das prateleiras do supermercado – onde encontrei, junto a tantas outras variedades de shoyu (molho de soja), frascos rotulados como “molho para yakisoba” em cujo interior havia um xarope viscoso. A gororoba me lembrou de pronto aquele coloide gelatinoso que envolvia todo yakisoba que já me foi entregue por um motoqueiro, lembrando shoyu apenas pela cor e causando imediata repulsa aos comensais. Foi naquele instante que decidi jamais adquirir algo descrito como “molho para yakisoba”, me encarregando eu mesmo de temperar o prato com shoyu convencional. Após três tentativas, ainda não me arrependi da decisão.

Se existe uma razão para não se aventurar na cozinha no preparo de um yakisoba, esta razão é, sem dúvida alguma, a sujeira resultante. Pois a operação exige, no mínimo, o emprego de três panelas – as quais, somadas aos demais utensílios utilizados no preparo e para servir, são responsáveis por um considerável acréscimo de trabalho na pia depois da parte mais divertida.

Nunca li uma receita de yakisoba. O instinto culinário, no entanto, sugere que seus ingredientes implicam em três modos de cozimento diferentes. Daí as três panelas. O macarrão (do tipo lámen ou, como dizem os gringos, noodles) deve ser cozido em água; os legumes ficam mais saborosos e corados se cozidos no vapor; já a cebola e os cogumelos devem ser refogados em óleo quente.

Para o cozimento no vapor, o ideal é uma daquelas panelas com duas partes (além da tampa); a superior com furos no fundo, como um escorredor de massas; nela, a água fervente na parte inferior não tocará os ingredientes dispostos na parte superior, furada. Já para o refogado, assim como para a maioria das receitas orientais, deve ser utilizado um wok (panela em forma de hemisfério, multifuncional, que pode ser usada tanto para frituras como para refogados ou cozimentos).

Ainda sobre o cozimento: cuide para não cozinhar demais o macarrão, como se fosse para ser consumido diretamente. Não esqueça que ele deve ser separado e ligeiramente cozido novamente quando finalmente entrar na receita. Quanto aos legumes (brócolis, couve-flor e rodelas de cenoura), devem ser cozidos em vapor até ficarem al dente; um bom teste para o ponto é quando as cenouras estiverem suficientemente macias para serem ingeridas.

Deixei o refogado por último devido a um detalhe técnico. É claro que cebolas (cortadas em quatro partes) e cogumelos devem ser refogados longamente, até dourar. O processo se diferencia com a entrada da carne. Enquanto nacos de carne bovina ou de frango suportam um refogado mais demorado, camarões devem ser apenas ligeiramente submetidos ao calor, praticamente quando a cebola e os cogumelos já estiverem prontos – sob pena de, se cozidos em demasia, ficarem rijos. Esta regra vale para qualquer receita com camarões.

Sal. Tenho muita dificuldade em estimar a quantidade de sal a ser adicionada no preparo de um prato, tendo já salgado irremediavelmente ou, ao contrário, deixado com pouco sal uma infinidade de experiências culinárias. O método mais satisfatório que encontrei para uma receita “multifásica” como o yakisoba foi temperar separadamente cada etapa do preparo. Assim, salguei normalmente a água na qual cozinhei o macarrão; aspergi um pouco de sal sobre os legumes antes de cozinhá-los no vapor e, finalmente, temperei com sal e pimenta – e shoyu ! – a cebola e os cogumelos refogados ao qual, bem ao final, adicionei os camarões. Ao fim, não precisei ajustar o tempero.

A melhor parte é, indiscutivelmente, quando misturamos tudo antes de servir. É o grande momento do cozinheiro. A hora das fotos.

Slow cooking (iii): Bananas fritas em duas versões

Sou meio indiferente em relação a bananas in natura – assim com à maioria das frutas. Por outro lado, dificilmente me furto a saborear ovos em suas infinitas realizações culinárias, tanto doces como salgadas. Papos de anjo, fios de ovos, baba de moça, maioneses, molho holandês, omeletes, cozidos ou fritos, tudo é desculpa para aumentar o índice de colesterol.

Bananas grelhadas são uma dádiva que ajuda a compor vários pratos. A bem da verdade, as à milanesa também são ótimas. Este post é dedicado às primeiras.

Para gratinar, escolha bananas não muito maduras, para que mantenham uma relativa firmeza sem se desmanchar sobre a chapa. Corte-as pela metade longitudinalmente, conforme a ilustração. Derreta manteiga numa panela de aço de fundo espesso. Teflon e outros revestimentos anti-aderentes, os quais nunca experimentei, também devem funcionar. Prefiro panelas de borda alta a frigideiras, por facilitarem a limpeza do fogão. Doure a gosto as metades das bananas na manteiga derretida e separe.

Mise en place: bananas cortadas longitudinalmente pela metade

Bananas sendo fritas em manteiga

Bananas já fritas em manteiga

Dica: ao trabalhar fritadas múltiplas em manteiga derretida, é preciso cuidar para que, entre uma carga e outra da panela, a manteiga não queime. Para tanto, de deve adicionar mais manteiga de tempos em tempos, para que o fundo da panela não seque devido à absorção da manteiga derretida por aquilo que nela é frito. Outra coisa que ajuda bastante é “pilotar” permanentemente a chama do fogão – desligando, por exemplo, a mesma enquanto retiramos o que foi frito e colocamos outra leva de ingredientes crus.

Bananas fritas são uma espécie de coringa que funciona bem como prato principal e como sobremesa. Em minha família, costumavam servi-las acompanhadas de guisado e farofa. Nesta versão, fiz o célebre “recheio de pastel” com óleo de oliva, alho, cebola, azeitonas, carne moída, sálvia e ovos cozidos.  Cuide para que os ingredientes entrem no refogado nesta ordem, atentando para que o óleo esteja quente antes da entrada do primeiro (o alho) e também para que os ovos e a sálvia só entrem no final, para que não desidratem em demasia. Tempere com sal e pimenta do reino a gosto.

Guisados são tradicionalmente temperados com manjerona. Utilizei sálvia, mais associada à carne de frango, experimentalmente e com ótimo resultado, por que a hortaliça estava bonita no canteiro.

Mise en place para o guisado: sálvia, alho, cebola e azeitonas

Alho, cebola e azeitonas sendo refogados em óleo de oliva

Guisado servido com farofa e bananas fritas

* * *

Gosto de otimizar a cozinha processando alimentos em quantidade suficiente para a realização de várias receitas. Por exemplo, sempre que dessalgo bacalhau, utilizo apenas uma parte e separo a outra, que congelo. Uma porção de bacalhau convenientemente dessalgado e congelado é de um valor inestimável para qualquer cozinheiro com tempo escasso. Com bananas, tampouco é diferente. Ou seja, não vale a pena sujar a cozinha apenas para dourar quatro ou cinco bananas. Gaste mais alguns minutos e frite logo umas quantas, bem mais do que aquelas que pretende utilizar imediatamente. Pois o esforço posterior de limpeza será o mesmo, independentemente da quantidade de bananas processadas.

No presente caso, utilizei a metade da quantidade de bananas que dourei para a confecção de um doce de forno – espécie de Chico Balanceado para estômagos fortes, se é que me entendem. Pois, em vez de um suave flan de baunilha, me vali aqui de uma rica gemada, daquelas que não se come antes de fazer exames de sangue para mostrar ao médico. Meu pai gostava de gemadas com vinho porto. Na falta do licor, usei um brandy (mais especificamente, jerez de la frontera) que comprara para outra receita (uma deliciosa roupa velha cubana, sugerida pelo Istvan Vessel, que replicarei de outra feita).

A montagem do prato é bem simples. A começar pelo fato de que, tendo as bananas da primeira camada sido douradas em manteiga, não é preciso untar previamente, como em outras tortas assadas, a assadeira de vidro. Então, despeje sobre a camada de bananas primeiro a gemada e depois a o merengue, ambos com bastante açúcar. Utilize um fouet para bater a gemada e batedeira (obviamente) para a merengada. Asse em forno pré-aquecido até o merengue da cobertura adquirir um aspecto ligeiramente tostado – sem, no entanto, queimar. Como os tempos de forno para a gemada e o merengue são diferentes (o merengue assa mais rápido do que a gemada) levei o prato com as bananas e a gemada ao forno enquanto batia o merengue.

Primeira camada do doce antes de ir ao forno: bananas fritas

Fouet

Segunda camada do doce antes de ir ao forno: gemada

Camada superior do doce ao sair do forno, antes de murchar e rachar: merengue

Sirva quente ou gelado.

 

Flash food (ii): penne tricolore com salmão grelhado

Já falei aqui que um dos melhores coringas culinários é uma massa guardada cozida. Não faz sentido algum se cozinhar menos do que um pacote de 500 gramas de qualquer massa – o que, por sua vez, será muito para saciar o apetite de duas pessoas. Então, a metade de um pacote de massa, devidamente cozido e protegido contra a desidratação por um filme de pvc na geladeira, é de um valor inestimável para qualquer cozinheiro.

Foi assim que acabei guardando um generoso prato de penne tricolore que sobrou de outra reciclagem – a saber, de uns escalopes da picanha que restou do churrasco do último fim de semana. Sobre churrascos, cabe um parêntesis. Faz tempo que abandonei os espetos em favor da grelha (parrilla), que permite um controle bem maior sobre o ponto em que desejamos assar cada corte, de acordo com a preferência de cada comensal. Já praticava há algum tempo com bifes de vazio e assados de tira, mas  descobri recentemente como também assar picanhas na grelha. Se houver interesse, explico.

Bem, onde estávamos ? Sim, na massa que sobrou dos escalopes de picanha de ontem. Fui ao supermercado determinado a adquirir uns pedaços congelados de salmão, individualmente acondicionados a vácuo, de ca. 180 gramas cada um, ao valor de ca. 18 reais por pedaço. Só que, lá chegando, comprei quase meio quilo de filé de salmão por menos de 25 reais – bem menos, portanto, do que qualquer filé num restaurante decente.

O preparo não podia ser mais rápido. Enquanto requentava a massa em forno de micro-ondas, tirei a pele do salmão e o temperei com sal, ervas finas e um tempero composto para peixes. Derreti manteiga numa panela de fundo grosso com tampa (evitem grelhar salmão em panelas ou frigideiras sem tampa pois, deste modo, a catinga do peixe se impregnará no ambiente por vários dias) e nela dorei o salmão rapidamente de ambos os lados.

O salmão é um peixe que tende a se tornar seco, de difícil deglutição, quando cozido em demasia. Por isto, evitem o forno e prefiram sempre os grelhados breves. Se ficar meio cru no centro do corte, melhor. Como um sashimi selado. E só deitem os filés na panela aquecida quando todos os comensais estiverem a postos. Devoramos com um vinho frisante rosé português.

* * *

Este novo “post culinário” se deve, principalmente, ao tempo de pesquisa e amadurecimento necessários para o próximo “assunto sério” – a saber, a inexplicavelmente pouco falada reforma do judiciário, tão necessária quanto a decepcionante reforma política que nos querem fazer descer goela abaixo.

Slow cooking (ii): Maionese de Bacalhau

Dando por encerrada a trilogia do bacalhau, descrevo, a seguir, o preparo de uma variante da popular salada de batatas com maionese à qual é adicionado o precioso ingrediente. Não que, com isto, esgote o imenso repertório das receitas com bacalhau. Longe disto. É que, simplesmente, a Maionese de Bacalhau, juntamente com o Bacalhau à Gomes de Sá e o Bacalhau ao Brás, já postados, são indiscutivelmente os pratos mais populares feitos com o insumo. “- E os bolinhos de bacalhau ?”, alguém há de, justamente, protestar. Sobre os últimos, devo apenas dizer que, há muito, decidi que não há prazer gastronômico que justifique a gordura impregnada em todo o ambiente depois de qualquer fritura realizada na cozinha. Então, até mesmo bifes, ovos e batatas fritas, é melhor comê-los fora. Além disto, já se encontram ótimos bolinhos de bacalhau portugueses, fritos ou congelados, em qualquer supermercado.

Os mais atentos hão de ter observado que, em todas as receitas de bacalhau aqui mencionadas e provavelmente na maioria das outras, as batatas se constituem num insumo praticamente insubstituível – de tal modo que lanço, a título de curiosidade, aos leitores do blog o desafio de apresentarem um prato feito com bacalhau SEM a participação de batatas. Postas estas considerações iniciais, avancemos à Maionese de Bacalhau propriamente dita.

* * *

Devo dizer que já saboreei esta salada preparada com bacalhau cru, apenas dessalgado. É uma opção bem interessante, no entanto, para paladares mais radicais. Pois embora aprecie muitas carnes cruas, sashimi de bacalhau não contempla exatamente minhas preferências. De modo que, para preparar esta saborosíssima variante da salada de maionese, começo refogando lascas de bacalhau dessalgadas em azeite de oliva. Em razão do caráter pronunciado do bacalhau, se deve refogá-lo junto com algum vegetal. Aqui, o primeiro impasse. Alho ou cebola são descartados como demasiado marcantes. Face a isto, alho-poró é uma boa solução. Só que nem sempre o temos à mão, na geladeira. Então, me vali, no preparo desta edição do prato, de cebolinha verde. Um tempero mais sutil que a cebola ou o alho mas, ainda assim, perfeitamente discernível. Preferi, para o refogado, a parte da cebolinha mais clara, próxima ao talo.

Às batatas. Apreendi com o chef Jorge Nascimento o prático procedimento de cozinhar batatas em forno de micro-ondas. Feche as batatas num saco plástico e cozinhe por cerca de dois minutos para cada batata média. A casca se desprende, então, mui facilmente, sem o desperdício inevitável de quando as descascamos cruas. Ensinou, também, o chef Jorge que, se fizermos uma incisão circular em torno de cada batata cozida no forno de micro-ondas e a imergirmos em água fria, a casca se desprenderá sem qualquer esforço.

Deixe, então, esfriar o bacalhau refogado, as batatas cozidas e os ovos cozidos – estes últimos do jeito tradicional, em água fervente. Não tente, em hipótese alguma, cozinhar os ovos inteiros, como as batatas, no forno de micro-ondas.

À maionese. É claro que você pode bater uma no liquidificador ou, ainda, utilizar qualquer maionese industrial de sua preferência. Só que, por uma questão familiar (impressionante como, na maioria das vezes, se apreende a cozinhar em casa, na mais tenra idade, com nossos pais e/ou avós !), prefiro incondicionalmente a maionese feita à mão – por si só uma aventura, sempre propensa a talhar.

A feitura de uma maionese à mão está impregnada de sabedoria popular. As lendas mais populares se traduzem em alguns mandamentos, dentre os quais se destacam

traçar com o garfo ou fouet movimentos circulares em velocidade constante;

jamais girar o garfo ou fouet no sentido contrário (nunca entendi o por que disto !); e

acrescentar o óleo lenta e gradualmente.

Antes, porém, de começarmos o cuidadoso movimento do utensílio escolhido (fouets produzem resultado mais rapidamente do que garfos), misture gemas cozidas com a mesma quantidade de gemas cruas, esmagando as cozidas até produzir uma pasta uniforme; separe as claras cozidas para misturar depois à salada. Então, adicione óleo vegetal lentamente, sempre movimentando o utensílio. Importante: não adicione todo o óleo de uma vez só. Adicione uma ou duas colheres de óleo, gire até obter uma mistura homogênea e somente então torne a adicionar mais uma ou duas colheres de óleo, repetindo o ciclo sucessivas vezes até obter a quantidade de maionese pretendida. Em minha versão, utilizo óleo de girassol e azeite de oliva; um pouco mais do primeiro do que do segundo (para equilibrar o sabor).

Depois disto, acrescente sal e suco de limão a gosto. Recomenda-se “pesar a mão” no sal se for para utilizar a maionese com batatas cozidas no forno de micro-ondas – sem sal, portanto. Além disto, há quem goste de temperar a maionese com pimenta do reino e uma boa mostarda. As possibilidades são infinitas, aí residindo o fascínio da receita.

Por fim, despeje a maionese sobre as batatas, as claras cozidas e o bacalhau refogado, que já devem estar frios. Desta vez, juntei também salsa picada. Sirva com pãezinhos aquecidos e vinho branco. Se for vinho verde, melhor ainda.

 

 

Flash food (ii): Bacalhau ao Brás ou à Estoril

Pois é. Troquei o nome da coluna. Talvez por que “flash food” transmita, de algum modo, valores mais positivos do que “comer sozinho”. Os solteiros que me perdoem mas cozinhar é, em essência, um gesto generoso de compartilhamento.

Como prometido quando num post anterior dedicado ao icônico Bacalhau à Gomes de Sá, de elaboração mais complexa, segue aqui seu contraponto rápido, o Bacalhau à Estoril, também conhecido como Bacalhau ao Brás. A dupla denominação bem ilustra o fenômeno culinário de uma mesma receita assumir diferentes nomes em lugares distantes e/ou distintos.

Pode parecer uma heresia falar de um bacalhau rápido posto que o precioso insumo exige, obrigatoriamente, a remoção do sal que o conserva em sucessivos banhos de água em temperatura ambiente.  Para tornar este processo mais rápido, e até por que nesta receita utilizamos a carne do nobre peixe já desfiada, podemos adquiri-lo já em lascas. Com isto, ganhamos algumas horas em todo o processo.

O Bacalhau ao Brás é, como dissemos acima, um prato extremamente rápido por se tratar de uma fritada. Com efeito, uma vez dessalgado o peixe, seu preparo não leva mais do que meia hora.

Como em qualquer refogado, comece fritando a alho, a cebola e as azeitonas picados, nesta ordem, em azeite de oliva pré aquecido. Para tanto, prefiro incondicionalmente panelas em aço inox com fundo espesso, por distribuírem melhor o calor. Já que, com as de alumínio, é bem mais fácil que, por um rápido descuido, deixemos queimar o que está no fundo.

Em seguida, acrescente as lascas de bacalhau, temperando opcionalmente. Por fim, junte a batata palha e os ovos.

O bacalhau refogado com alho, cebola e azeitonas

Depois de ajuntar a batata palha

A coisa pronta, com os ovos ajuntados

Voilá ! Como todo bacalhau, sirva com pãezinhos e vinho branco. Espumante também é uma ótima pedida.

O que sobrou para a foto, com a “rapinha” (o que grudou no fundo da panela) – que, segundo meu filho Arthur, é a melhor parte de qualquer comida

* * *

Hão de ter notado que, ao contrário do que ocorre numa receita típica, não prescrevo quantidades. Há uma razão para isto, a saber, que um dos grandes charmes de se cozinhar reside justamente no ajuste progressivo, a cada nova realização de um mesmo prato, do quanto vai nele de cada ingrediente. Isto pode parecer um pouco desestimulante para cozinheiros de primeira viagem mas, com o tempo, tendemos a desenvolver preferências por preparos mais “puxados” ou, a contrário, comedidos nisto ou naquilo. E depois que você desenvolve sua versão, as recompensas são duradouras.

Mise en place para Bacalhau ao Brás ou à Estoril

Mas vá lá. Aos curiosos ou que simplesmente apreciem um ponto de partida, esclareço que utilizei, no preparo da quantidade de lascas de bacalhau convenientemente embaladas pelo supermercado, uma cebola média, dois dentes de alho, ca. uma dúzia de azeitonas, quase todo um pacote de 100 gramas de batatas palha e 6 ovos. A quantidade de azeite de oliva, agregada em vários momentos do preparo, é irrelevante e imponderável, até por que fica bom derramar um pouco sobre o prato servido. E por ter dessalgado o bacalhau em demasia (meu amigo Marcelo disse que em Portugal fazem assim), também precisei salpicar um pouco de sal ao servir.