Batatas do Fredolino

O Floresta Negra foi um restaurante icônico em Porto Alegre, fechado em 1990 por ocasião da morte de seu dono, Fredolino Schirmer. Quando morre um restauranteur, os dois procedimentos mais comuns são: ou a casa segue aberta, repousando na tradição adquirida em tempos gloriosos, tocada pelos filhos ou pela viúva de seu mentor (como nos casos das churrascarias Komka’s e Santo Antônio ou, ainda, do bar alemão Rock’s); ou fecha suas portas, encerrando atividades para sempre.

No caso do Floresta Negra, a opção não poderia ser diferente da segunda, já que Fredolino sempre personificou a alma da cozinha e do salão que comandava. Para os clientes fieis e saudosos, Christa Schirmer publicou um livro com as principais receitas imortalizadas pelo marido. Antes, porém, de proceder à receita, simples, prometida no título, de um acompanhamento que funcionava como marca registrada da casa, me permitam agregar à crônica de memórias do alemão turro, que não é pequena (confiram, por exemplo, aqui e aqui), um fato ocorrido em seu célebre restaurante do qual não me consta que já exista algum registro.

Meu pai tinha o hábito de convidar amigos para jantar e não deixá-los pagar. Certa vez, no Floresta Negra, se descuidou e, ao perguntar a Fredolino o valor da conta, soube, pelo mesmo, que seu amigo sorrateiramente já havia liquidado a fatura. Disfarçando sua contrariedade face ao ocorrido, pediu, então, a Fredolino que, por obséquio, lhe trouxesse uma tesoura, no que foi prontamente atendido. Quando Fredolino voltou da cozinha portando o instrumento, meu pai agradeceu e, num movimento rápido, cortou a gravata de Fredolino pela metade.

Um pouco de contexto. Cortar gravatas era um gesto desconcertante bem em voga na época. Seu efeito cômico era notável, principalmente quando praticado, diante de uma plateia, em autoridades engravatadas a proferir discursos numa mesa ou tribuna. Não era um esporte violento. Ao menos nunca soube de alguém que tivesse reagido violentamente ao ter a gravata seccionada. Também era um esporte caro, pois era de bom tom providenciar, no dia seguinte, outra gravata, preferencialmente de seda italiana, e presenteá-la à vítima.

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Havia no Floresta Negra uma espécie de acompanhamento coringa, servido com vários pratos, carinhosamente conhecido como “batatas da casa”. De uma simplicidade franciscana, era constituído por apenas 4 ingredientes: batatas, cebolas, bacon e manteiga.

Dias atrás, decidi recriá-lo. Cozinhei as batatas e, separadamente, refoguei anéis de cebola e mini-cubos de bacon em manteiga. Bacon cortado “à granel” é preferível ao embalado, por permitir o uso de um corte magro. Por fim, misturei o refogado às batatas, agitando (sacudindo mesmo) a mistura numa panela tapada, num processo conhecido como batatas sauté. Não lembro ao certo se as batatas do Fredolino eram sauté, tampouco sei se o refogado era com manteiga ou outro tipo de gordura; só achei que com manteiga ficaria bem. Do que, no entanto, jamais me esquecerei é de Fredolino desfilando pelo salão com seu enorme moedor de pimenta a despejar o condimento sobre as batatas e o que mais houvesse nos pratos de seus felizes comensais antes que os mesmos pudessem esboçar qualquer reação.

Servi acompanhando um peixe (filé de namorado) assado em crosta de amêndoas moídas. Peixe com bacon ? Também não lembro se Fredolino cometia tal “heresia”. Mas me tornei muito menos ortodoxo na cozinha ao ver, num recente reality show culinário, participantes corriqueiramente misturando, num mesmo prato, frutos do mar com os mais diversos cortes de porco, salgados ou defumados. E acreditem: fica MUITO bom !

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Errata: depois que publiquei este post, minha querida Astrid, ao conferir o livro de receitas do Floresta Negra (que citei de memória, pois não consegui localizá-lo ao escrever), me chamou a atenção para quatro imprecisões cometidas:

  • Fredolino Schirmer, como se tornou conhecido, era na verdade Fridolino, com i em vez de e;
  • Fridolino só comandava o salão (também fazia as compras) – sendo, portanto, estampa e personificação do restaurante. Quem comandava a cozinha era Christa Schirmer, “dona” de todas as receitas, raramente vista, pois preferia permanecer na retaguarda;
  • o livro com as receitas foi escrito em parceria entre Christa e a filha do casal, Beatriz Schirmer Cestari;
  • o restaurante fechou em 1992, e não, como foi dito, em 1990.

2 comentários em “Batatas do Fredolino

  1. Oi, Augusto. Você saberia me informar, por obséquio, sobre alguém que tem o livro do restaurante Floresta Negra? Tenho procurado há anos para comprar, porém, não o encontro em sebo algum.
    Caso souber de alguém que o venda ou que, pelo menos, possa ceder para a realização de uma fotocópia, me escreva, por favor: lucas.domingos@ufrgs.br
    Abraço e parabéns pelos bons escritos em teu blog.

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