Foi-se o tempo em que, para realizar algum prato, era preciso, antes de tudo, um bom livro de receitas. Cadernos manuscritos detalhando o preparo dos mais apreciados quitutes de nossos ancestrais eram, então, itens super cobiçados em disputas entre herdeiros lidando com inventários. Hoje, tudo mudou. Mediante a simples digitação do nome de qualquer comida num buscador, se descortina instantaneamente diante de nossos olhos uma quantidade colossal de receitas, as quais ninguém tem tempo de escrutinar em sua totalidade. Francamente, nem sei como o mercado editorial de livros de receitas ainda sobrevive.
Parênteses. Já desisti de me meter em disputas sobre se há modos certos ou errados de cozinhar cada prato, ou, ao contrário, o que existe é uma diversidade infinita de variantes familiares de cada receita. Sou da segunda opinião. É claro que tendemos a achar a maneira como crescemos vendo nossas mães e avós cozinharem é, necessariamente, a melhor ou “mais certa”. Aqui, é sobretudo um forte componente emocional o que está em jogo. Mas ainda não bateram (nem tampouco jamais baterão) o martelo sobre a questão.
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Como já foi dito, o primeiro passo é sempre jogar no Google o nome do prato que se quiser preparar. É absolutamente irrelevante, além de pouco prático, eleger uma receita como superior às outras. Mais importante é procurar um denominador comum entre as páginas abertas, adaptando as receitas àqueles ingredientes que se tenha em casa. Costumo abrir a primeira página de entradas encontradas pelo buscador (é provável que, entre elas, esteja uma de Ana Maria Braga) mas, depois de examinar duas ou três delas, já tenho uma ideia de como proceder. Prefiro receitas com menos ingredientes e processos de execução mais simples. Fujam, por exemplo, de coisas como “deixe a massa descansando de véspera”.
Para improvisar na cozinha com o que se aprende na web, é preciso ter uma certa familiaridade com possibilidades de substituição. Por exemplo. Prefiro sempre manteiga, por que mais saborosa, mas se só tiver margarina, na prática dá no mesmo. Ervas frescas são, pela mesma razão, sempre preferíveis às secas. Já o amido de milho (Maizena) pode, na maioria das vezes, ser imperceptivelmente trocado por farinha de trigo, universalmente encontrável em qualquer boa despensa. E tomates frescos (uso sempre os do tipo paulista ou italiano; jamais do longa vida) podem ser perfeitamente substituídos pelos pelados enlatados. Ainda sobre atomatados: passatas (geralmente italianas) são um sucedâneo contemporâneo mais sofisticado do que a outrora popular massa de tomate (lembram da Elefante, produzida pela Cica e promovida pela Mônica ?), são bem práticas quando não queremos sementes ou pedaços dos frutos a comprometer a textura do prato. E grãos de pimenta ou noz moscada tem aroma mais intenso quando moídos na hora.
Cabe ressaltar, também, que ingredientes frescos são mais perecíveis do que seus similares enlatados, em conserva ou em caixinhas. Como no caso do creme de leite (nata) ou dos supracitados tomates e atomatados. Isto implica no fato de que, para cozinhar com insumos frescos, é preciso um planejamento mais rígido do cardápio dos próximos dias, já que temos que ir ao mercado ou à feira com uma ideia exata do que vamos preparar e quando. Já uma despensa mais completa, ainda que com produtos industriais repletos de conservantes, permite ao cozinheiro um grau maior de improvisação.
Alguns alimentos, como carnes, fiambres e certos legumes, suportam bem o congelamento. Outros, como queijos e verduras, não. Também não é uma boa ideia tentar congelar ovos ou batatas. Consoante a isto, faço encomendas mensais ao açougue e à peixaria, mantendo, por conveniência, os cortes congelados já fracionados e embalados nas porções em que serão utilizados. É mais recomendável descongelar por imersão em água em temperatura ambiente do que no forno de micro-ondas, que pode cozinhar inadvertidamente (e ressecar) a borda dos alimentos.
Me dirijo, aqui, obviamente aos não veganos. Carnes se constituem, quando presentes, no “núcleo duro” dos cardápios que as guarnecem. Para não se atrapalhar com elas, é preciso, na aprendizagem, obedecer uma certa hierarquia progressiva da dificuldade de controle do ponto de cozimento. Comecem com as carnes que devem ser bem passadas, como bracciolas, linguiças, picadinhos, guisados ou cortes mais rijos como carnes de panela. Tão somente por que, nestes casos, há mais tolerância em relação ao excesso de cozimento – podendo o mesmo, com efeito, até ser benéfico para o amaciamento do corte. Para um amaciamento mais eficaz também podem ser utilizadas panelas de pressão (confesso ter medo delas, além de gostar de enxergar o que está na panela durante todo o processo de cozimento) e os amaciantes em pó, vendidos nas prateleiras de temperos prontos. Carnes de frango, porco e ovelha também devem ser sempre bem passadas.
Só depois de já ter adquirido alguma prática é que devemos nos aventurar como as carnes tenras, que devem ser servidas mal passadas ou (como prefiro) apenas seladas. Peixes, sejam fritos, cozidos ou assados, também padecem da mesma hiper sensibilidade ao excesso de cozimento. Camarões, então, nem se fala ! Todas as carnes a que me refiro neste parágrafo só devem ser levadas ao fogo depois que todas as guarnições estiverem prontas e a mesa posta.
Temperatura e tempo de forno. Simplesmente ignorem o que dizem as receitas. Isto por que não há dois fornos iguais entre si, e a simples atenção ao relógio e/ou ao “termostato” (apoteose da propaganda enganosa) é capaz de arruinar qualquer prato, o deixando crú ou, pior, cozido demais. Nestes casos, há duas regras de ouro a serem seguidas: 1) conheça seu forno; e 2) controle frequentemente o ponto de cozimento de qualquer coisa, seja pela coloração ou pela consistência.
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Espero que estas diretrizes, conquanto óbvias para cozinheiros mais experientes, possam ser de alguma utilidade a alguns de vocês. E se assim o quiserem, continuaremos falando disto noutra ocasião.
For the record: as anotações acima foram ensejadas por uma súbita necessidade de acabar com um surplus de alho porró, decorrente de uma falha na lista da feira, que culminou com a feitura, pela primeira vez aqui em casa, do prato mais popular que conheço envolvendo o insumo (está no cardápio de qualquer café), a saber, a quiche de alho porró.