A hiperconexão ou o insuportável temor de se estar perdendo alguma coisa

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Raul Seixas

Me desconectei por completo. Não por alguma resolução consciente, voluntária, mas pela completa perda de interesse. Quando visito o Facebook menos de uma vez por semana, não consigo ficar muito tempo lá. Entrei no WhatsApp por necessidade de trabalho (quadros de avisos) e nunca leio o único grupo mais populoso do qual faço parte, no qual entrei por insistência de amigos e para não ter que dar explicações. Quando passei, agora há pouco, por meu blog gratuito, só prá ver se ele ainda existia ou já havia sido deletado pela WordPress, constatei que não escrevi nada nos últimos três meses.

Não que eu não tenha sentido, neste intervalo, nenhuma necessidade de escrever. Ao contrário. É um vício. Todos os dias, me surpreendo compondo mentalmente posts sobre os mais diversos temas para, logo em seguida, me perguntar: para que ? Primeiro, por que tudo o que eu disser já terá sido dito com mais propriedade algures por outrem e, segundo, por que, se ainda não tiver sido dito por ninguém, afinal, qual a importância, exceto para mim mesmo, do que eu teria a dizer ?

Vivemos numa era de excesso, camuflado em escassez apenas para valorizar artificialmente coisas comercializáveis. Excesso de informação, de produção de alimentos e outros bens e, o que mais nos interessa aqui, excesso de autoria. E neste excesso, o que não é produzido constantemente ou frequentemente atualizado, desaparece.

O fenômeno é bem conhecido. Já falamos aqui de clássicos do cinema menos visitados que, com o fim das locadoras e o alto preço da manutenção de conteúdos em servidores, se tornam indisponíveis e, portanto, invisíveis ou inexistentes. Há poucos dias falava com um amigo, compositor criativo, outrora presente nas redes através de seus CDs então recém lançados, que, ao googlar seu nome, descobriu que não mais existia no espaço virtual, já que não publicara nada nos últimos anos.

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Mas voltemos às redes. Quando as descobri, já tinha passado a febre do Orkut. Entrei no Twitter e logo migrei para o Facebook. Nunca tive a menor curiosidade pelo Instagram, pelo SnapShot ou pelo TikTok e, como já disse, só entrei no WhattsApp, que passo dias sem olhar, por necessidade de trabalho. Por isto, vejo com um misto de surpresa e curiosidade como tantas pessoas parecem ocupar, hoje, todo seu tempo disponível e mais um pouco com o feed de suas redes sociais. Nem acho mais preocupante, como já achei, que tais plataformas funcionem como sequestradores de atenção – pois, afinal, a mesma crítica pode ser feita a quaisquer outros meios e mensagens que favoritamos como, por exemplo, músicas, livros ou filmes.

O que mais me chama a atenção, nestes casos, são quais os mecanismos aditivos que levam usuários de plataformas sociais a querer saber, após cada conteúdo visitado, o que lhes reserva o feed em seguida. Não nos interessam, aqui, as razões financeiras que levam cada plataforma a “fidelizar” usuários desta forma, a nosso ver, doentia. O que me intriga é, na verdade, o que leva tantas pessoas a passarem tanto tempo grudadas num dispositivo a dedicar atenção a tantos conteúdos aleatórios um depois do outro.

Meio século atrás, a televisão já sofria esta crítica. Então, o que mudou foi a mídia, mas não o comportamento. Se este comportamento é, de algum modo, patológico, eu não sei. “Normalidade” e “adequação” são conceitos bem voláteis, que se amoldam ao espírito dos tempos. O que penso hoje é que, talvez, esta adição aos fluxos incessantes de informação estejam relacionados a uma noção do homem contemporâneo atualizado como aquele que tem ciência absoluta de tudo o que acontece a seu redor, dos círculos mais íntimos aos mais distantes, com um entendimento ou uma explicação satisfatória para tudo. Neste sentido, a assistência a fluxos intermináveis de informações contribuiria para atenuar a inquietante sensação de estarmos perdendo alguma coisa. Fora disto, seríamos não mais do que irremediáveis alienados. Só que, num mundo super conectado de informações abundantes, tal ideal é impossível ou, então, francamente patológico. Com a palavra os especialistas.

Net blues; ou O desencanto das redes

Há quase dois meses não escrevo neste blog. Acesso o facebook a cada dois ou três dias só para manter o hábito de felicitar uns poucos aniversariantes que conheço pessoalmente ou com quem já troquei ideias. Venho limpando as caixas de grupos de whatsapp dos quais participo mas não leio, usando o aplicativo somente para conversas bilaterais ou com pequenos grupos de trabalho, mais ou menos do modo como usava emails antes deles se tornarem um repositório generoso de mensagens “circulares” (i.e., genéricas, com mais de um destinatário).

A que se deve este, por assim dizer, cansaço ? Tenho, sem muito êxito, procurando respostas. Por muito tempo, redes sociais acalentaram a promessa de amplificar nossos contatos. As maravilhas do mundo conectado. A facilidade inédita de encontrar, muito mais do que entre nossos contatos presenciais, outros com os quais compartilharíamos afinidades, preferências, angústias ou indignação.

Contra esta miragem utópica, há o célebre número de Dunbar. Formulado pelo antropólogo Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, na década de 90, estima entre 1 e 230, com uma média em torno de 150, a quantidade de indivíduos que um ser humano pode, de fato, não apenas conhecer mas, também, saber como se relacionam com os demais membros do grupo. Vale notar que este costuma ser o tamanho de pequenas comunidades, como tribos, aldeias ou pessoas com interesses comuns.

Ora, redes sociais, talvez no intuito de potencializar interações, costumam admitir comunidades bem mais numerosas. O próprio facebook permite que alguém tenha até 5000 “amigos” antes de obrigar o dono de um perfil que atingiu este limite a converter sua página numa fan page. Não é preciso ser nenhum especialista em redes para saber que a diferença entre um perfil comum (com menos de 5000 amigos) e uma fan page (com mais de 5000) diz respeito, principalmente, à interatividade – pois, enquanto qualquer amigo de um perfil pode se dirigir ao mesmo, é vedado (ou, pelo menos, dificultado) aos seguidores de fan pages se dirigir aos donos das mesmas. Deste modo, enquanto perfis comuns podem se relacionar isonomicamente, de uma forma bilateral por default, fan pages são mais afeitas a celebridades – ou, num jargão mais moderno, influenciadores – voluntariamente blindadas ao feedback de seguidores. Por tais razões, postagens em perfis comuns podem ser consideradas como narrowcasting enquanto aquelas em fan pages, broadcasting.

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O que mudou: o facebook ou minha percepção sobre o mesmo ? Tampouco sei. Gostava de pensar que estava lá por causa de recomendações qualificadas, chegando mesmo a considerar meu feed na plataforma como minha rede pessoal de aprendizagem (ou PLN, para personal learning network). Só que cada vez menos encontro ali links interessantes ou linhas de navegação que eu tenha vontade de seguir. Será que minhas fontes secaram, ou é o algoritmo que anda me mostrando as fontes erradas ? Difícil responder.

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Faz pouco tempo que o documentário O dilema das redes adquiriu merecida notoriedade ao denunciar algo do que muitos já sabiam, a saber, que redes sociais, além de alimentar algoritmos cada vez mais sofisticados que servem à publicidade dirigida, também ampliam, para além do tamanho de grupos inofensivos, porquanto limitados pelo número de Dunbar, a fratura entre defensores de ideologias opostas, a qual pode, por sua vez, facilmente se converter em ódio. Pois, como disse uma vez um amigo, de forma apenas aparentemente simplória, “o ser humano, quando em grupo, é sempre mais idiota”.

Não estamos falando aqui, no entanto, deste perigo embutido nas redes, tão bem retratado no filme, mas, antes, de um tédio experimentado no uso das mesmas face à constatação de sua limitação em entregar o prometido e substituir, com isto, as redes presenciais.

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Para muitos, redes sociais trazem a sedutora promessa da publicidade dirigida. A democratização da propaganda, não mais limitada àqueles que podiam arcar com os altos custos da mesma junto a meios de broadcasting. A redenção dos pequenos negócios, que viram no network marketing a miragem de, finalmente, prescindirem de uma propaganda mais robusta e onerosa (e, a bem da verdade, anti-ecológica – pois quem, em sã consciência, ainda presta alguma atenção, depois do Google, em anúncios intercalados em páginas de impressos ou programas de rádio e TV ? Francamente, não entendo a sobrevida da publicidade, que ainda existe muito mais por teimosia de quem a faz do que por interesse de quem a consome…).

Mas não por muito tempo. É difícil não cansar de perfis pessoais dedicados a constantemente veicular mensagens comerciais. Por exemplo. Lá se vão já uns dez anos que uma blogueira que eu seguia no twitter declarou que estava deixando de seguir músicos, pois os mesmos só faziam anunciar shows dos quais participariam. Não sou totalmente contra o expediente – que deve, no entanto, ser usado muito parcimoniosamente, de tal modo que o network marketing jamais iguale ou supere, em número de postagens, o mindcasting. Ou mesmo, vá lá, o lifecasting.

Por que (ainda) não uso WhatsApp

” Ah, havia me esquecido que não usas WhatsApp. Sorte tua ! “

ouvido ao fim de uma consulta médica

Muito me intrigou constatar que o Facebook, num movimento inédito (ao menos no Brasil), passou a anunciar, na TV e em outdoors, seus grupos de conversação, os quais sempre estiveram ali, disponíveis sem qualquer alarde. A propaganda, agressiva, se apropria da canção Day Tripper, dos Beatles ( por cujo uso certamente pagaram bem caro), para apregoar virtudes de grupos do Messenger ao conectar pessoas com interesses comuns. Por que isto acontece justo agora ? A resposta se me afigurou um tanto óbvia, a saber, para concorrer com os grupos do WhatsApp, os quais se capilarizaram muito mais do que os do FB.

Ruminei sobre o tema por algum tempo até realizar uma rápida e necessária pesquisa quanto ao modo de custeio do WA, plataforma gratuita livre de publicidade (!) – fato para o qual há esclarecimentos satisfatórios aqui. Foi quando descobri, acidentalmente, que

o WA é, antes de ser um negócio lucrativo, um serviço deficitário (!); e que

o WA foi comprado pelo FB em 2014 por uma bagatela avaliada entre 19 e 22 bilhões de dólares.

De pronto, então, minhas principais questões norteadoras passaram a ser

por que o FB compraria um serviço do qual já dispunha – ainda por cima numa plataforma francamente reconhecida como deficitária ; e

por que o FB promoveria uma propaganda autofágica, a concorrer, em última análise, consigo próprio.

Sem ser analista econômico, avento a hipótese de que o FB comprou o WA tão somente para absorver seu único competidor sério, progressivamente assimilando a seu Messenger as melhores funcionalidades do WA e deixando o último morrer aos poucos. Ao menos a sofisticada propaganda dos grupos do FB com Day Tripper se encaixaria nesta estratégia. Ou não – caso em que esta especulação não passaria de mera teoria conspiratória.

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Ante tal imponderabilidade (pois, afinal, quem sabe dos desígnios de grandes corporações a não ser seus executivos e conselhos de acionistas ?), preferi me deter sobre a diferenciação entre as duas plataformas. Para tanto, provoquei usuários e não usuários do WA a externarem prós e contras em relação ao serviço de mensagens hoje praticamente hegemônico. Deste modo, verifiquei que há praticamente um consenso quanto ao WA ser um meio de comunicação portátil, altamente eficiente, com ótima relação custo/benefício (para a qual a gratuidade é decisiva) e, por vezes, insubstituível. Fora isto, muitos detestam seus grupos de conversação e as mensagens de áudio.

Não percamos tempo com as últimas, posto que mensagens de áudio são, assim como as de vídeo, obrigatoriamente seriais, incompatíveis com qualquer processamento paralelo. Comparem-nas, por exemplo, com textos de quaisquer extensões. Textos são recursivos, i.e., podemos facilmente avançar ou retroceder na leitura dos mesmos, seja para interpretação, referência ou  melhor compreensão, saltando por sobre grandes blocos de um mesmo texto ou até entre um texto e outro sem, com isto, comprometer necessariamente nossa percepção sobre o todo. Com áudios e vídeos, não: numa operação de fast forward sobre os mesmos (análoga, se quiserem, à leitura dinâmica), algo essencial pode facilmente nos escapar. Como ocorre, por exemplo, quando perdemos cenas cruciais de uma boa narrativa cinematográfica.

Por esta razão, áudios (e vídeos) são sequestradores de atenção por excelência  e, como tais, deveriam ser banidas pelos códigos de ética, explícitos ou tácitos, de qualquer sistema de mensagens que aspire a alguma eficiência.  Ou ainda, se quiserem outra metáfora, usar mensagens de áudio quando se dispõe das de texto é como usar máquinas de escrever depois do surgimento de editores de texto: o advento dos últimos rendeu as primeiras obsoletas. Entretanto, por diversas razões (tom mais íntimo ou pessoal, rapidez de enunciação, reivindicação de atenção absoluta, etc.), as famigeradas mensagens de áudio teimam em coexistir com as de texto.

Cabe, ainda, ressaltar que a escrita se constitui, muito mais do que a fala, no meio por excelência de transmissão de conhecimento. Com alguma licença, se pode até especular sobre com quais limitações a filosofia, a razão e a lógica esbarrariam se tivessem que se restringir ao domínio exclusivo da oralidade.

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Grupos virtuais de conversação são bem diversos e, como tais, podem ser submetidos a uma tipologia. A diferenciação mais evidente é em relação à sua permanência. Segundo este critério, há, de um lado, aqueles grupos mais duradouros, atemporais, e, de outro, os mais efêmeros. Pertencem ao primeiro tipo os grupos de índole “tribal” tais como os de família, alunos ou ex-alunos de instituições, pessoas que compartilham uma mesma ocupação, predileção ou posto de trabalho e por aí afora. Talvez o mais célebre grupo atemporal do WA seja o de procuradores da Lava Jato. A propaganda do FB com Day Tripper se refere obviamente a grupos atemporais.

Grupos efêmeros são, por outro lado, criados para a instrumentalização de eventos específicos tais como festas e reuniões de trabalho, se extinguindo imediatamente ou algum tempo após a realização dos mesmos.

Ainda que a classificação de um grupo numa ou noutra categoria possa ser nebulosa, sem regras absolutas, em geral grupos atemporais tendem a aglutinar mais participantes do que os efêmeros. Talvez por isto grupos atemporais costumam apresentar uma taxa mais elevada de mensagens potencialmente irrelevantes para alguns participantes do que os grupos efêmeros. Se pode dizer, então, que, em geral, grupos efêmeros tendem a ser mais focados que os atemporais.

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O tamanho de um grupo afeta sobremaneira o comportamento de seus participantes,  especialmente no que se refere à sensação de pertencimento. Pois num grupo pequeno se pode facilmente permanecer só “na escuta” (a postura mais eficiente, de respeito à atenção alheia, quando não se tem nada relevante a dizer) na plena convicção de que os mais falantes sintam de que os mais silenciosos estejam presentes e atentos.

O mesmo não se dá em grupos mais numerosos, onde os mais quietos tendem a ser mais facilmente esquecidos. Por isto, abundam nestes grupos as notificações de presença: mensagens de “bom dia” e “boa noite” sem qualquer outro propósito que não o de se afirmar que se está ali. Como teletubies antes de dormir.

É, além disso, razoável supor que a publicidade seja mais eficiente (ou, pelo menos, algoritmicamente mais simples) entre os participantes de grupos mais numerosos e genéricos do que entre os de grupos pequenos e dedicados – daí, muito possivelmente, a estratégia agressiva do FB para fomentar os primeiros (eu e as teorias conspiratórias…)

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De volta à questão inicial de por que o FB teria comprado o WA, é tentador se especular que o primeiro estaria primordialmente interessado nos dados dos usuários do último – hipótese, é claro, veementemente negada pelo FB. Pois, muito embora o WA tenha como ponto de honra permanecer uma plataforma livre de publicidade, os dados de seus usuários são valiosos em se tratando de lhes direcionar anúncios customizados através de outras plataformas.

O que nos leva diretamente a outra questão: podem plataformas distintas estabelecer uma correspondência unívoca entre usuários de uma e de outra ? Segundo a BBC, sim, bastando, para tanto, que o usuário do FB forneça à plataforma o número de seu telefone celular – caso em que passará a receber, no FB, publicidade dirigida e sugestões de amizade com base em suas informações do WA.

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Se o FB vai deixar o WA morrer à míngua ou, contrário, explorar a coexistência das duas plataformas é uma pergunta cuja resposta só o tempo trará. Um forte argumento em favor da última hipótese é a manutenção da identidade das duas plataformas, a qual repousa por sua vez, sobre numa diferença essencial – a saber, a índole mais pública ou privada do que se posta em cada uma delas.

Tanto o FB como o WA permitem controle absoluto sobre a visibilidade de cada postagem. Tanto num como noutro, podemos nos dirigir desde apenas a uma pessoa até a totalidade de nossos contatos, passando por grupos de tamanho variável. Feita esta ressalva, cabe notar que cada plataforma, ainda que abrangendo exceções, possui uma vocação bem definida. Pensamos no FB quando queremos publicar algo visível a todos, sem discriminar este ou aquele destinatário. Ao contrário, recorremos ao WA para enviar mensagens a indivíduos ou grupos específicos de pessoa. Assim, temos que, enquanto no FB (salvo no Messenger) exercemos um discurso predominantemente público, o WA é bem mais afeito à comunicação privada, ainda que com grupos.

(Para sermos rigorosos, temos que reconhecer que só o Twitter e os blogs são meios absolutamente públicos, posto que, para se ter acesso às postagens de uma pessoa, é preciso, antes, ter sido aceito como “amigo” pela mesma. Ainda que este requisito seja facilmente comutável mediante ajuste nas configurações de privacidade do FB, é notório que a maioria de seus usuários deixam seus perfis visíveis somente a amigos. Com isto, devemos, então, ressalvar que o FB, mesmo sem ser obrigatoriamente público, é de índole muito menos privada que o WA)

A diferença entre a forma de discurso predominantemente pública ou, ao contrário, privada constitui, a nosso ver, a distinção essencial entre o FB e o WA, a justificar sua coexistência apesar da similaridade funcional das duas plataformas no que tange a compartilhar postagens por meio de redes sociais.

O discurso público favorece a transparência: nele, todas as falas de cada um são igualmente visíveis a todos – ainda que, com isto, tal franqueza exacerbada venha necessariamente a desagradar alguns, ensejando entre os mesmos, por vezes, enunciações contraditórias. Já o discurso privado, ao permitir a seleção de ouvintes específicos, faculta a todo falante a possibilidade de sustentar simultaneamente posições diferentes, por vezes incompatíveis entre si, para audiências distintas. Com isto, constitui o ambiente por excelência (ainda que não necessariamente), para segredos, intrigas, calúnias  e manipulações. Não por acaso, grupos de WA, particularmente os de família, já foram correlacionados ao fenômeno das fake news – disseminação de informações falsas que vem assumindo cada vez mais relevância e é utilizada, principalmente por meios de broadcasting, para denegrir a internet.

A tensão entre o discurso público e o privado, determinante para definir o modo como se configura a conectividade de cada perfil, coletivo ou individual, no mundo virtual, é o tema central de Public Parts (2011), obra seminal em que o netopian Jeff Jarvis, por meio de entrevistas inclusive com os fundadores do Twitter e do FB, reconhece vantagens da substituição de um status private by default (como era mais comum antes da web) por outro, public by default (viabilizado pelo advento da rede); e como formas públicas de presença virtual ensejadas pela internet vem transformando nossas vidas. A crescente hegemonia do uso de grupos no WA em relação ao de plataformas mais públicas como o Twitter e o WA sugerem enfaticamente que esta transformação ainda está longe de se tornar irreversível.

Comentários anteriores e posteriores à minha diatribe contra Carmina Burana, precedidos por anotações sobre o uso que fazemos de blogs e redes sociais

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Já devo ter dito em algum lugar deste blog (até por que a ideia não é nada original) que, tivesse vivido em nosso tempo, Mikhail Bakhtin (1895-1975) teria se esbaldado analisando os tipos de discurso produzidos na web a partir dos princípios que formulou. Segundo sua teoria, todo discurso, lacônico ou prolixo, se relaciona com outros existentes por meio de nodos que representam a alternância entre falantes. As falas contidas entre um nodo e outro, produzidas por um único autor, são chamadas de discursos monológicos – o “grande romance” como seu mais típico e monumental exemplo; enquanto aqueles constituídos por falas de vários autores, em concordância ou oposição, são considerados dialógicos.

Ora, esta dicotomia cai como uma luva para classificar a algaravia da internet. De tal modo que, enquanto o que se escreve em blogs é essencialmente monológico – com um elevado grau, portanto, de controle autoral – já as plataformas de redes sociais primam por facilitar discursos mais interativos, com falas menores de um maior número de autores (nelas chamados de comentaristas), engendrando discursos dialógicos nos quais o controle do autor (raramente exercido) se limita, quando muito, à remoção de comentários considerados, por quaisquer razões, indesejáveis por quem inicia a conversa.

Desta distinção resulta que, enquanto o texto em (bons) blogs costuma ser mais linear e enxuto, com uma série de silogismos perfeitamente encadeados do início até o fim de cada post, em redes sociais o discurso tende a ser mais errático, interrompido aqui e ali por possíveis linhas de argumentação logo abandonadas, a confundir leituras mais objetivas. Tal é o estado das coisas ao menos até a implementação de uma web semântica, idealizada por Pierre Lèvy, que tratará de identificar e agrupar automaticamente enunciações pertencentes a uma mesma categoria. Até que isto aconteça, todavia, é recomendável a todo sujeito se fazer presente, com finalidades diferentes, tanto em blogs como em redes sociais, utilizando os blogs em busca de maior introspecção ou para a sedimentação de linhas argumentativas mais complexas e as redes sociais como local ideal por definição tanto para a difusão como para a colisão de ideias.

Já disse acima que blogs são mais afeitos ao que é comumente conhecido por “textão”. Com efeito, o textão constitui uma espécie de limite tácito àquilo que podemos postar numa rede sem grande risco de incomodar quem lê. O tamanho do que é considerado textão varia, é claro, de uma pessoa para outra muito em razão do tamanho daquilo com que cada um acha aceitável se deparar em sua timeline, a clamar por atenção. Recentemente, se tornou popular um tipo de disclaimer de textão, como uma tarja de advertência a quem se dispuser a clicar no botão “ler mais” que o facebook, muito convenientemente, disponibiliza logo após as primeiras linhas de qualquer texto parcialmente ocultado por seu algoritmo.

Outra grande distinção entre os blogs e as redes é que as últimas são imensamente mais interativas do que os primeiros, a julgar pela grande diferença entre o número de comentários postados nuns e noutros. Além disto, comparando-se a visitação inicial a cada novo texto postado num blog com o número de curtidas da divulgação do mesmo numa rede social, também se pode inferir que postagens em redes sejam bem mais visualizadas do que aquelas em blogs. Então, se afigura com uma estratégia bastante útil divulgar em redes sociais cada nova postagem em um blog, no intuito de atrair para o último parte do público que vê o que é postado nas primeiras.

Por fim, é preciso ressaltar que a permanência de tudo o que se escreve num blog é muito maior do que a de tudo o que é dito exclusivamente em redes sociais – que são, por natureza, voláteis, i.e., tudo o que nelas se publica tende a ser rapidamente esquecido em favor de postagens mais recentes.

Por tais razões, utilizamos os blogs, primordialmente, para

desenvolver, num discurso monológico, argumentações mais complexas; e, secundariamente,

conferir maior permanência a falas que emergem em redes sociais cujo interesse seja, no entender do blogueiro, mais duradouro. Por isto, transcrevemos, abaixo, dois threads (desculpem o anglicismo, mas não encontrei, até o momento, uma tradução suficientemente boa para a expressão) de comentários, respectivamente, anteriores e posteriores à publicação neste blog, dias atrás, de uma diatribe contra a cantata Carmina Burana, de Carl Orff (1895-1982).

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Notas sobre as transcrições:

1) Em tempos distantes, quando eu frequentava o twitter e sequer conhecia o facebook, tive pela primeira vez a ideia de perpetuar num post, em meu primeiro blog, uma conversa que mantive numa rede social que achara particularmente interessante. Tão logo divulguei a postagem, uma blogueira (sic !) cujas falas na rede social eu citara em meu blog reclamou por ter se sentido indevidamente exposta ao ver o que dissera, de modo espontâneo e casual, descontextualizado e cristalizado num meio mais permanente. Algo parecido, suponho, com a distinção que alguns fazem entre a palavra falada e a escrita. Acatei e removi prontamente. Do mesmo modo, me prontifico a retirar deste post quaisquer comentários que venham a ser considerados por seus autores como indevidamente publicizados. Em ocasiões anteriores, busquei autorizações expressas de todos que pretendia citar. Só que, aqui, como os comentaristas são tantos, optei por publicar e só depois remover falas cujos autores se sintam, por qualquer razão, incomodados. Há comentaristas habituais que sei não se importarem com a ampliação da visibilidade de suas falas. Mas pode bem haver entre eles, igualmente, aqueles que talvez não considerem suas falas em redes sociais como públicas. A estes, I humbly apologize.

2) Logo que constatei a grande profundidade e relevância de alguns comentários para a discussão que iniciara, hesitei em relação a publicar tais threads no blog. Só, no entanto, até o Milton me pedir que o fizesse. Novo impasse: transcrever os threads na íntegra ou, ao contrário, editá-los, deles removendo a conversa mais casual e pinçando só as falas que julgasse mais relevantes ? Tão somente por não ter conseguido estabelecer um critério de corte, escolhi publicá-los na forma bruta, sem edições. Ainda não sei se foi a melhor opção.

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Os comentários seguintes foram postados sob um desabafo que fiz, no facebook, em relação a estar tocando Carmina Burana. Para que os mesmos façam mais sentido, transcrevo também, inicialmente, meu desabafo – praticamente um textão – responsável por desencadear a conversação.

Augusto Maurer Carl Orff é um fenômeno totalmente supérfluo e colateral à história da música, sequer constando em alguns compêndios. Ouvi dizer que era nazista e batia na mulher. Desgraçadamente, uma de suas duas únicas composições (se é que dá prá chamar assim aquelas formas repetitivas de alguém que provavelmente jamais aprendeu a modular de uma tonalidade a outra (que se dane a desculpa de que era modal: já ouvi muita música modal bem inteligente)) caiu definitivamente no gosto popular – empatando somente com, talvez, o Bolero de Ravel. Para seus maiores entusiastas, se confunde com a própria origem do rock sinfônico.

Dito isto, dou por cumprido meu triste dever de participar que, no próximo fim de semana, a OSPA tocará, no auditório Araújo Vianna, a controversa Carmina Burana. Pois, é preciso admitir, a coisa tem seus apreciadores. Méritos ? Não sei.

Magda Sarmento A opinião de quem entende de fato, é para nos fazer pensar, Sidney.

Sidney Lima [emoticon]

Milton Ribeiro Carl Orff recusava-se a falar publicamente sobre seu passado. Era oriundo de uma família da alta burguesia bávara, muito ativa na vida militar alemã… Embora a associação de Orff com o nazismo nunca tenha sido comprovada, Carmina Burana tornou-se muito popular na Alemanha nazista depois de sua apresentação na cidade de Frankfurt, em 1937. Depois da Segunda Guerra Mundial, Orff alegou ter sido membro da resistência, mas não há evidências disso.

Fabio Zanon Uma das maiores desgraças da música do século XX é esse troço ainda permanecer no repertório.

André Luiz López Cardozo  “Não concordo com nada que dizes, mas respeito até o fim teu direito de dize-lo”

Milton Ribeiro Agora, a música é uma TREMENDA BOSTA.

André Luiz López Cardozo não confundam “juízo de gosto” com “juízo de valor”

Augusto Maurer Exatamente ! Nunca disse não gostar de Carmina Burana – e sim que, por qualquer critério técnico, ela não vale nada !

Ricardo Branco Eu acho esta música chatissima. Começa legal, a Fortuna Imperatrix Mundi, mas depois é um estupor.
Quando levei um pessoal não muito afeito à música de concerto ouvi-la e dishe-lhes depois que a desgostava, quase apanhei.

Fabio Zanon Isso acontece porque o nível de exigência auditiva só se compara a um rock de quinta categoria. Melodia modal (sempre o mesmo modo, sempre usado da mesma maneira), ritmo fácil, máximo de 3 acordes, muita repetição, bateria fazendo bastante barulho, a mesma melodia não importa a letra. Os Beatles são Bach comparando com isso.

Milton Ribeiro Perfeito !

Augusto Maurer É preciso, então, suponho, vê-la em perspectiva: comparada ao resto do repertório sinfônico, é mesmo uma bosta; mas, talvez, para quem nunca (ou quase nunca) ouça orquestras, deve impressionar.

Fabio Zanon Porque a orquestra sinfônica é um dos pináculos da criação humana. 100 pessoas tocando harmoniosamente no mesmo ritmo fica bonito até com música ruim.

Adroaldo Bauer Corrêa Bem mais recentemente ganhou letra em homenagem crítica ao provecto marido da Marcela. Prepare-se pra eventual interação de platéia incontida e pouco reverente.

Augusto Maurer Compartilha, Adroaldo Bauer Corrêa ! Em nome da ilustração do público.

Adroaldo Bauer Corrêa Fá-lo-ei, Augusto Maurer.

Augusto Maurer (mesóclise de dar inveja ao marido da Marcela…)

Ricardo Branco Eu acho que justamente a repetição, pouca variação e barulheira agrada ao público em geral.

Fabio Zanon Precisamente, igual a rock de quinta, sertanejo universitário, funk etc.

Milton Ribeiro O Sar…to…ri..! BUM!

Augusto Maurer Obrigado, amigos ! Nada como dizer algo polêmico para ter, instantaneamente, a atenção de algumas das pessoas mais inteligentes que conheço !

Augusto Maurer (notem que, quando devidamente provocados, escreveram, colaborativa e espontaneamente, o melhor anti-release que já vi. Por essas e outras estou no face…)

Gabriela Vilanova Maestro, tenho acompanhado seus artigos no jornal e que bom saber notícias suas. Foi com o senhor que fiz meu primeiro festival onde tocamos a oitava de Beethoven. Muita emoção pra quem tem 13anos!!! Eu era violinista na época. Toco na Ospa há 8 anos! Abraço

Fabio Zanon O maestro Osvaldo bem aponta que é a obra mais conhecida do autor. Ainda bem, porque as desconhecidas são ainda piores. Assisti uma vez a Der Mond e acho que preferiria ficar uma hora na cadeira do dentista.

Martin Muehle Conforme o Prof. Celso Loureiro Chaves, Carmina Burana teria similaridades questionáveis com obra As Bodas de Stravinsky composta anteriormente….

Osvaldo Colarusso é um xerox não autenticado de Les Noces

Fabio Zanon Se a gente considerar um Fiat 147 um xerox de um Camaro…

Milton Ribeiro Fabio Zanon HAHAHAHAHAHAHAHA

Angelo Metz Acho que é o unico assunto em que eu e Celso concordamos na vida. hehehehe

Ricardo Branco Olha, de fato tem algumas lembranças. Não sou músico, tampouco toco instrumento. Gosta das bodas, muito. Seria uma versão muito piora da?

Martin Muehle Ou seja, um plágio descomunal

Charlles Adriano Campos Sempre odiei Carmina Burana. Acho de uma breguice sem igual.

Carlos Sell Com certeza algo ficou em falta na minha educação musical! Eu adoro essa peça desde a infância, praticamente cresci ouvindo a interpretação do Seiji Ozawa! Mas enfim, o mundo é diverso né? Abraço!

Ricardo Branco Como leigo, eu acho que música uma arte ímpar. Às vezes, ela nos pega por algum , remete a situações que nem mais lembramos. Talvez não gostemos pelos mesmos motivos, sei lá

Paulo Paranhos Jr. gosto de ler o que meu amigo e colega Augusto Maurer escreve. Seus textos sempre me fazem ter que ler e reler pra eu ter certeza do que ele quis dizer…e isso faz meu cérebro criar mais ligações neuronais….

Paulo Paranhos Jr. e,particularmente, também acho meio chata essa música.

Damián Keller Nada como a mediocridade composicional para se transformar em referência da educação musical.

Wilfried Berk Carl Orff na wikipedia

Norberto Flach E daquelas músicas para festa com foguetório, gostas?

Omar Gianlupi Carlo Gianlupi, ler os papos cabeças.

Rodrigo Nassif Essa Carmina é de Passo Fundo , que nem eu?

Júlio César Apollo Há música para músicos e estetas e há música para as pessoas comuns do povo. Levar o povo ao concerto é algo que Orf faz com sua música brega e chata muito melhor do que Bach, Haydn ou Josquim. Que o digam o Sr. Rieu e os Lima.

Augusto Maurer Não concordo com esta categorização da música segundo seu suposto público alvo. Até por que, em nome dele, todo o pop foi cometido. Por isso, prefiro pensar em música boa ou ruim. Segundo critérios bem objetivos e demonstráveis. Coisas como ambição formal ou amplitude harmônica. De modo que não concordo com máximas simplistas do tipo “gosto não se discute”. Se discute, sim. E quanto mais se comparar, melhor.

Fabio Zanon Tem milhares de pessoas que dedicam suas vidas à música de Bach ou Haydn. Eles têm algumas das obras que definem a cultura ocidental e são consenso entre músicos e público há 200 anos. Orff tem somente uma música que ainda é executada, que cria lá seu efeito. Bach é um universo em música. Bach vende milhões de discos e downloads. Orff não.

Júlio César Apollo Fabio Zanon, todos sabemos disso. Mas proponho um desafio, um concerto maravilhoso e digno com a Arte da Fuga e um outro com Carmina Burana. Qual venderia mais ingressos? Eu tenho dúvidas, mas suspeito qual seria o resultado. Ah, e tem pessoas que dedicam-se à Josquim também que foi um dos maiores.

Júlio César Apollo Augusto Maurer, eu também acho que gosto se discute e que qualidade é perfeitamente demonstrável. Mas basta olhar em volta e ver e ouvir a diversidade musical. Tem público para tudo. E uma grande e competente orquestra mantida com dinheiro de todos os gaúchos deve tocar para todos os gaúchos.

Augusto Maurer Se venda de ingresso e preferência do público fossem critério estético, a arte não existiria. Imaginem, por exemplo, um futuro distópico onde só houvesse gente como, sei lá, Rieux ou os Lima. Ou Romero Brito.

Fabio Zanon Júlio César Apollo, você pegou um exemplo particularmente extremo. A Arte da Fuga nem é música para se tocar em público, é de um músico para outro. Idem Josquin. Isso é música de nicho. Mas, vamos combinar, se formos pensar em música para grandes plateias, levanta-defunto, tem milhares de composições decentes de gente decente. Qualquer Abertura 1812 é um monumento à sutileza comparada a Orff. Na verdade, não vejo problema em que ela seja apresentada ocasionalmente. O negócio é o que o Colarusso falou, ela é o tipo de música que se programa tropegamente, sem ensaiar direito, para atrair artificialmente um público que não vai voltar nunca pra ouvir outra coisa. Acho até que mereceria ser encenada, da forma como Orff a concebeu (só que não tão cafona e datado quanto este vídeo):

Júlio César Apollo Conheço o vídeo, acho chato até o Hermann Prey que gosto está meio sem graça.

Júlio César Apollo Entretanto as moças com os seios nus no laguinho ficou carimbada na minha mente.

Angela Maria Bordini Nogueira Até onde sei Carmina Burana vem da Idade Média. Carl Off juntou os temas e letras. Há letras ótimas. Aquela das moças convidando os moços pra namorar, por exemplo. Minha professora ( século passado) de Português Medieval- galego português- dizia que as moças levantavam as saias e cantavam em frente às igrejas 🙂 Mas aquela língua ninguém entende bem, não ė ?

Milton Ribeiro Sim, o que cantado é de muito alto nível, o que é desmanchado pela música.

Milton Ribeiro Aquele O Fortuna tem a seguinte tradução:

Oh, sorte
És como a lua
Estado variável
Sempre crescendo
Ou decrescendo
Vida detestável
Primeiro oprime
Depois alivia
A mente só por diversão
Pobreza
Poder
Dissolvem como gelo
Destino monstruoso
E vazio
Tu, Roda da Sorte
És malevolente
Bondade em vão
Que sempre leva a nada
Obscura
E velada
Também me amaldiçoaste
Agora – por diversão
Trago o dorso nu
E entrego à tua perversidade O destino da saúde
E virtude
Agora me é contrária
Dás (afeto)
E tiras (afeto)
mantendo sempre escravizado
Então agora
Sem demora
Tange a corda vibrante
Porque a sorte
Extermina o forte
Chorais todos comigo

Milton Ribeiro Roubei a tradução na rede, tá?

Angela Maria Bordini Nogueira Depois vou procurar o encarte da gravação aqui. As traduções são boas. E quem quiser gostar que goste. Sou simples. Gosto até de alguns funks :))

Angela Maria Bordini Nogueira Hoje não tenho mais interesse em ouvir Carmina Burana. Mas já gostei.

Milton Ribeiro Angela Maria Bordini Nogueira, defina “simples”. 🙂 Acho que tu não és simples na acepção que utilizaste.

Angela Maria Bordini Nogueira Receptiva, menos crítica. Não tenho a cultura musical de vocês.

Milton Ribeiro Sim, porque literariamente tu és sofisticadíssima.

Angela Maria Bordini Nogueira Imagine, sou não.

Milton Ribeiro Ok, vamos brigar. 🙂 É SIM!

Angela Maria Bordini Nogueira Só quero agradecer o que aprendi de música clássica com você: ) Grata.

Maria de Abreu E o que dizer desta união, hein, hein???

Herta Elbern Pois não é que a “forma repetitiva” ajudou a reforçar o coro!

Júlio César Apollo Esse povo que canta fora Temer ficou sempre quietinho quando a dilma e o lula saquearam a nação.

Herta Elbern Paz e amor, bicho!

Harold Emert Sinto equal de voce Augusto tocando Wagner…mas a musica e fantastica…Waget era antes De Hitler mas tocando sua musica menos o meistersinger sinto o cheiro De Nazismo..mas os Grandes como Levine e baremboim judeus tambem nao pensam assim …

Ricardo Melo Dá-le, Augusto!

Herta Elbern Flávio Leite! Concordas?

Cristina Maria Capparelli Gerling Todo ser humano passa meses na barriga da mãe ouvindo uma percussão em altíssimo volume que regula o coração e outras funções básicas da sobrevivência, assim quando o humano nasce fica com saudade daquela barulheira toda. Só isso explica a atração por músicas como Carmina Burana, Bolero e roque pauleira desenfreado. Sim, tem seus momentos mas é barulheira destinada a nos levar ao transe coletivo.

Augusto Maurer Ótima análise, Cristina ! Nunca a tinha ouvido Carmina ou rock sob este prisma.

Cristina Maria Capparelli Gerling Veja se te interessa: “Lost in time” but still moving to the beat

Nelson Fiedler Tenho gostado bastante das novas vertentes do tech house . E principalmente das novas criacoes em cima da linha hip house . Acho q a musicalidade nesta 2a decada do 3 milenio esta a caminho de ser comparada aos anis 80 …o q acha ? Abracos neo

Nelson Fiedler Quanto ao Orff concordo com vc

André Luiz López Cardozo sentimentos e sensações atávicas, pertencentes ao coletivo, são despertadas por essa cantata, com certeza, Cristina Caparelli…

Claudia Antonini Bem, entendo o debate mas não curto o preconceito que ironicamente o permeia. Não pensem que eu não percebo perfeitamente que é uma música menos sofistica, menos complexa, que tem “empréstimos” de outros compositores, etc, não é uma caixinha de jóias. Eu também gosto de música complexa e sofisticada, mas, nem por isso, deixo de gostar de ópera, outro gênero sobre o qual abundam preconceitos. Por outro lado, também acho legal o transe coletivo de um espetáculo de som, luz e dança e entendo que a Carmina Burana permite este tipo de vivência. Me divirto assim como faria numa experiência catártica dentro de uma bateria da Escola de samba ou de um show antigo dos Titãs no qual se pulava durante 3 horas e depois se ficava surdo por 3 dias. Acho, alem disso, que como trilha ela funciona muito ou não teria sido usada em tantos filmes legais. Excalibur (1981) de John Boorman, Assassinos por natureza (1994) de Oliver Stone, Detroit Rock City (1999) de Adam Rafkin, e A Filha do General (1999) de Simon West, são alguns deles. São filmes excelentes. Também fico pensando em como ter uma experiência de potência catártica neste tipo de espetáculo sem a potência de uma orquestra de boa dimensão. Enfim, muitos mas…

Claudia Antonini Angela Maria Bordini Nogueira

Fabio Zanon Não é o problema de se valorizar somente música complexa ou sofisticada. Schubert não é sempre complexo, Verdi não é sempre sofisticado, Tchaikovsky não é sempre sutil, Liszt não é sempre de bom gosto, Villa-Lobos nem sempre é intelectualizado, música minimalista nem sempre e musical, mas é música genuína. Carmina Burana é uma música cuidadosamente planejada para ser tosca, é a única obra escrita sob o regime nazista que ainda se toca (claro, se considerarmos Richard Strauss um conservador independente). Alex Ross diz que a sua utilização em inúmeros filmes e comerciais é prova de que ela não contém nenhuma “mensagem diabólica”; o problema é que talvez ela não contenha “mensagem” alguma.

Angela Maria Bordini Nogueira Claudia Antonini, procurei algo mais sobre Carmina Burana. Um dos links ė do filologia. com. -com ênfase nas letras . Aqui : Carmina Burana. A cantata cênica em latim medieval

Angela Maria Bordini Nogueira O outro link ė o pqpbach : Carl Orff (1895-1982) = Carmina Burana (Osawa)

Claudia Antonini Boa essa Angela. O “Olímpo” erudito se manifesta, kkkk.

Angela Maria Bordini Nogueira Exibem tb outras análises boas em inglês. O que me incomoda um pouco é que pessoas que mal conhecem música clássica partem para avaliações no estilo : “ė brega, ė chata,” somente porque Carmina Burana é bem conhecida.

Claudia Antonini É o Olimpo do preconceito minha cara! Convivi muito com isso, sei bem do que falo.

Angela Maria Bordini Nogueira Claudia, não vou discutir Olimpo. Não sei analisar melodia.

Angela Maria Bordini Nogueira Tenho de sair agora .

Claudia Antonini Quedate tranquila, é só uma velha constatação.

Carlos Sell Claudia Antonini, colocaste em palavras aquilo que penso!

Gary Dranch Carmina Burana has to be seen in context of the self-conscious, neo-classicism medievalism “awakening” work full of theatrical pageantry. Scholars love the bawdy texts and illusions to Goliards, and choreographers go wild with antiphonal orgiastic and repetitive chanting as inspiration to wild Bacchanales. So, I would urge you to take a more wholistic look at this 20th century masterpiece. I agree, from the music “pit”, having performed it at least 4 times, it would seem that the sum of the parts is greater than the whole!

Claudia Antonini Exactly!

Fabio Zanon I agree there is nothing quite like it, whence the fascination it can exercise. I still keep the Jochum recording I got when I was 15, but frankly the perspective of hearing it again could only be contemplated if I were payed for it. If I am after orgiastic music, nowadays I’d go to Turangalila or something of the kind.

Augusto Maurer Na atual conjuntura cultural, minimalista, tenho saudade de terminar o ano sinfônico solenemente, em alto estilo, com uma oitava de Mahler ou, vá lá, nona de Beethoven. Não devo, no entanto, reclamar, pois sempre pode ficar pior do que está. Ou, pelo menos, assim dizem os mais cautelosos.

Fabio Zanon Da próxima vez que decidirem fazer um show com música de Tom Jobim lembre que poderia ser Orff de novo…

Augusto Maurer Quem dera tocar Jobim mais amiúde !

Fabio Zanon Exatamente.

Gary Dranch Or as the French say, “Vive la différence!”Norberto Flach Ah, lembrei que uma vez ouvi uma versão com a Gundula Janowitz e o Fischer-Dieskau. Com esse time, qualquer obra sobe no ranking.

Fabio Zanon É a gravação do Jochum. A Janowitz já não tinha mais agudos pra cantar Dulcissima, soa bem estrangulado para os meus ouvidos.

Norberto Flach Fabio Zanon, é a cruel mazela endocrinológica de que padecem as sopranos. Mas àquela que cantou as Vier letzte Lieder daquele jeito, tudo se perdoa e condescende.

Fabio Zanon Isso é bem verdade.

Gary Dranch Try to imagine Fischer-Dieskau singing Jobim?

Norberto Flach For his voice and way of singing, maybe Inútil Paisagem (Useless Landscape).

* * *

Os próximos comentários foram postados sob a primeira divulgação que fiz no facebook da diatribe contra Carmina Burana que publiquei neste blog.

Augusto Maurer Obrigado por contribuírem com a apaixonada discussão, Magda Sarmento, Sidney Lima, Milton Ribeiro, Fabio Zanon, André Luiz López Cardozo, Ricardo Branco, Adroaldo Bauer Corrêa, Osvaldo Colarusso, Gabriela Vilanova, Martin Muehle, Angelo Metz, Charlles Adriano Campos, Carlos Sell, Paulo Paranhos Jr., Damián Keller, Wilfried Berk, Norberto Flach, Omar Gianlupi, Rodrigo Nassif, Júlio César Apollo, Angela Maria Bordini Nogueira, Maria de Abreu, Herta Elbern, Ricardo Melo, Harold Emert, Cristina Maria Capparelli Gerling, Nelson Fiedler, Claudia Antonini e Gary Dranch !

Andy Serrano fiz o primeiro comentário 🙂
fala pro Milton aprovar lá… kkkkkkk

Augusto Maurer Obrigado por deixar teu comentário lá. Feliz aniversário atrasado !

Milton Ribeiro É o Augusto que aprova.

Augusto Maurer (não sendo fake, sempre aprovo)

Wilfried Berk Irrelevante? Discordo ! Suas óperas die Kluge e der Mond são únicas. Contudo, a sua maior contribuição se situa na área da pedagogia musical, com o Método Orff de ensino musical, baseado na percussão e no canto. Orff criou um centro de educação musical para crianças e leigos em 1925, no qual trabalhou até a data do seu falecimento. Zelação !

Augusto Maurer Ah, a educação musical, este interregno onde tudo prospera… Mas não conheço o trabalho pedagógico de Orff suficientemente bem para criticá-lo. De qualquer modo, pelo sim ou pelo não, jamais confiaria qualquer parte da educação de um filho a alguém com uma biografia como a sua – ainda que não autorizada. Obrigado por enriquecer a discussão, Wilfried !

Wilfried Berk Se informa melhor, antes de malhar o cara …

Fabio Zanon Educador musical é uma coisa, compositor é outra, e o indivíduo Carl Orff outra ainda. Villa-Lobos é um dos maiores compositores de música para criancas na história e não teve filhos. Qual o problema? O método Orff obviamente tem seu mérito. Entretanto Orff não dava muita atenção para sua própria filha. Mas o que isso tem a ver com Carmina Burana? Eu queria saber por que tanta gente se sente tão ofendida quando alguém levanta um argumento para se criticar uma obra de arte. Eu não concordo com o argumento do Augusto; não acredito na linearidade do desenvolvimento musical, pois por este argumento cada obra só poderia ser validada caso fosse igualmente ou mais complexa que todas as outras já compostas. Mas é um argumento para se justificar sua aversão por uma música que nos dá vários motivos para ter aversão, ao mesmo tempo que dá vários motivos para um vasto público se empolgar. A propósito, eu vi Der Mond and vivo e achei uma experiência ainda mais tediosa que Carmina Burana.

Augusto Maurer Belo argumento, Fabio Zanon ! Fico apenas curioso para entender o seguinte: se não for pelo retrocesso no desenvolvimento musical, o que torna a audição de Carmina Burana tão entediante para alguns ?

Augusto Maurer (nunca consegui ouvir música da mesma forma depois de descobrir os primeiros movimentos da Eroica e da Espansiva. Ou qualquer primeiro movimento de Brahms. Aquele ímpeto modulatório vertiginoso, difícil de se encontrar em outras obras, e seu sofisticado uso da incerteza tonal como gerador de forma fizeram com que eu as ouvisse repetidamente, cada qual a seu tempo, a ponto de não restar espaço algum para que eu ouvisse outras coisas. Por muito tempo, não reconheci nada como tão estimulante. Questão de gosto ?)

Norberto Flach Augusto Maurer, as tuas preferências podem ter até razões biológico-evolutivas. Quem sabe? Aquela coisa de gostar de uns sons e não gostar de outros pode ser o que diferencia os entes mais evoluídos dos mais primitivos. Já eu estou entre os indecisos, que ainda não decidiram se gostam tanto assim de Webern, e se constrangem um pouco de gostar de U2.

Augusto Maurer Não conheço U2 e, talvez por ignorância, não gosto da música da segunda escola de Viena (embora reconheça sua importância “filosófica”). Quanto a ouvidos mais “primitivos ou evoluídos”, all I have to say, my dear Norberto Flach, is “bullshit”. Obrigado por participar desta lambança !

Fabio Zanon Augusto Maurer, acho que é entediante por já termos ouvido processos semelhantes utilizados de maneira muito mais rica em outros contextos. Ouvintes que têm um repertório menor se impressionam pela novidade, pela massa sonora, inegavelmente empolgante, da Carmina. Quando tinha 15 anos me empolguei, comprei o disco, vi uma vez ao vivo, mas não dá pra escutar várias vezes, porque a música não tem nada para oferecer numa segunda ou terceira audição, a menos que o ouvinte esteja interessado em reproduzir o efeito de transe irracional a que a obra induz, que é muito similar ao de um show de heavy metal. Para nós, especialmente para você, que já ouviu de tudo tocando na orquestra, essa novidade passa rapidamente. O que sobra é somente essa impressão de que tem alguém repetindo a mesma coisa 20 vezes e gritando cada vez mais alto. E isso é feito de uma maneira completamente calculada. Orff não é um compositor incapaz, que escreve assim porque não saberia escrever de outro jeito. Talvez ele conseguisse escrever uma sinfonia acadêmica sem muito problema, ou boas canções populares; certamente conhecia o métier de orquestrador, a peça é organizada de um jeito eficiente. Com um olho na aprovação por parte de um ambiente belicista e confrontacional da Alemanha prestes a invadir seus vizinhos, ele decidiu criar um efeito catártico com uma espécie de ritual medieval semi-pagão kitsch, que envolve o ouvinte pela repetição e pela pela amplidão do espaço sonoro. concordo com uma outra pessoa que disse que não existe nada parecido. Realmente não existe, não tem como fazer Carmina nº 2. Orff tentou e ficou uma paródia de si mesmo, Catulli Carmina.

Andy Serrano “que envolve o ouvinte pela repetição”. Curti. Foi exatamente esta minha tese ao comentar o post lá no blog. Dentro de minha visão empírica sobre o assunto, obviamente.

Augusto Maurer Que aula, Fabio Zanon ! Nunca li nada, ao mesmo tempo, tão verdadeiro e sucinto sobre Orff e Carmina Burana. Obrigado por aceitar a provocação !

Régis Antônio Coimbra Prefiro Brahms ou, dito de outro modo, não me imagino procurando Carmina Burana para ouvir – embora já tenha cantado (fazia parte do Coral da UFRGS que deu uma reforçada no Coro da OSPA… gostei mais do Ein Deutesches Requiem, do Brahms, que cantei no mesmo tipo de situação… regido pelo Kurt Redel). No entanto, Carmina Burana tem seu lugar…

A repetição literal pode ser entendida como uma citação às formas medievais. Pronto. E podia ser preguiça – como no caso de Rossini que, não por isso, deixo de amar de tanto ver, na infância, em desenhos do Pica-Pau (Endy Panda e outros personagens do Walter Lantz).

Robson Pereira “I know, it’s only rock and roll/ But I like it”

Augusto Maurer Também gosto de rock, mas não consigo levar Carmina Burana a sério. Muito menos como rock. A única coisa da qual gosto na obra é como ela divide opiniões. Obrigado por se manifestar ! Adorei teu texto sobre a tentação e o perigo das explicações mais simples ! http://www.sul21.com.br/…/a-magia-das-falas…/

Milton Ribeiro Parece rock sinfônico mesmo!

Augusto Maurer Ah, o crossover… Mas deixemos, por hora, de lado esta estranha paixão de alguns.

Fabio Zanon Taí, Orff está num patamar parecido ao de Rick Wakeman. Tomem isso como elogio.

Fabio Zanon Não colocaria jamais Bolero de Ravel no mesmo saco. Aquilo está num patamar de qualidade composicional completamente diferente, é um estudo de orquestração da maior perfeição. Não se julga o Bolero sem levar em conta Ravel como um todo.

Milton Ribeiro Concordo. Como leigo, ouço o Bolero como um admirável ensaio timbrístico. Na minha opinião, não há nada de primarismo ali.

Augusto Maurer Verdade. Exagerei no caso do Bolero. Obrigado por me chamarem à razão !

Norberto Flach E A Valsa? Sinto-me pronto a começar uma guerra mundial toda vez que ouço.

Milton Ribeiro Adoro La Valse….

Augusto Maurer … moi aussi !

Augusto Maurer (estranho o silêncio dos admiradores de Pollock, Rothko, Basquiat and the like…)

Fabio Zanon Sou um deles. Assim como sou de, digamos, Radulescu. Mas não existe Pollock nº 2, uma vez feito, acaba em si.

Osvaldo Colarusso Apesar de não ser um fã de Carmina Burana creio que deve haver alguma qualidade intrínseca que ainda não percebi. Mas que deve existir eu acredito que sim. Uma obra que chamou a atenção de músicos que respeito demais como James Levine, Seiji Ozawa, Herbert Kegel e Eugen Jochun deve ter sim alguma qualidade. Agora compará-la com Bolero é injusto. Bolero de Ravel é uma obra prima. Não é difícil encontrar suas inúmeras qualidades. Uma obra muito popular não tem obrigação de ser ruim.

Augusto Maurer Verdade, Osvaldo Colarusso: muitas vezes, o gosto popular está certo !

Wilfried Berk Falem mal, mas falem de Carl Orff …

Osvaldo Colarusso Karl Orff não conheço. Só conheço Carl Orff….

Wilfried Berk

Wilfried Berk Carmina Burana na wikipedia

Zeca Azevedo Texto EXCELENTE como sempre, Augusto Maurer, uma verdadeira aula. No meu caso, antes de julgar e condenar a obra mais famosa de Orff por suas limitações formais em comparação a outras peças musicais (acho que não seria capaz de realizar tal tarefa), eu rejeitei a obra pelo efeito que ela provoca ou quer provocar nos ouvintes. ”Carmina Burana”, por sua ”grandiosidade” fabricada, transforma (ou quer transformar) grupos de indivíduos em massas humanas indistintas que respondem de maneira uniforme a estímulos sonoros (como fazem os hinos). É música que não pede engajamento individual, mas sim engajamento coletivo da forma mais nociva. Não há espaço para sutileza ou para fraturas existenciais no triunfalismo de Orff, que apela para o pior tipo de humanismo, aquele que se ufana, que se orgulha de si mesmo de forma irrefletida (Sartre fala sobre esse tipo de humanismo em ”O Existencialismo é um Humanismo”). É o tipo de sentimento incentivado e manipulado pelos nazistas, a ideia de que o indivíduo tem que abandonar suas idiossincrasias em nome de ”algo maior”. Até onde posso perceber, Carmina Burana é o nazismo em forma de música.

Fernando Rauber Gonçalves Vou escrever uma resposta depois com calma, mas acho que tua crítica parte de uma premissa inadequada: você julga um suposto mérito de uma composição a partir das ideias do organicismo musical germânico em uma obra que não faz parte dessa tradição. Portanto, seu texto é bullshit, teu ponto deveria ser a comparação com outras obras (neo)modais.

Augusto Maurer Concordo, Fernando Rauber Gonçalves: todo referencial comparativo é altamente ideológico, i.e., podemos enaltecer ou depreciar tremendamente qualquer coisa, dependendo daquilo com a qual a comparamos (esta é, afinal, a verdadeira razão de ser de qualquer estética comparada !). Por isto, pergunto: com o que devemos comparar Carmina Burana para fazermos justiça à obra e seu autor ?

Fernando Rauber Gonçalves Na minha opinião, a tradição germânica é guiada pela ideia do organicismo, com essa ênfase no jogo motívico e numa concepção bastante intelectualizada e elaborada. Em contraposição, temos uma tradição latina (a música francesa, italiana, portuguesa, espanhola) que dá mais ênfase ao ritmo e a melodia e entendo esses dois espectros como tradeoffs da complexidade musical, duas vertentes distintas da tradição europeia.

Fernando Rauber Gonçalves Por exemplo, qual teu posicionamento sobre a obra de Satie?

Augusto Maurer Satie foi, como Cage ou, digamos, o sujeito do Ballet Mechanique (Antheil), não mais do que um provocador. Uma influência a ser considerada mais do que o autor de uma obra relevante. Forçou os limites dos conceitos, mas não produziu nada para a posteridade equiparável aos legados de um Debussy, um Stravinsky ou, ainda, da segunda escola de Viena ou mesmo do círculo de Darmstadt.

Augusto Maurer Como Miles: um inovador, certamente, mas jamais dono de um legado como os de Evans ou Monk.

Augusto Maurer É como comparar, por exemplo, Duchamp com Dali – respectivamente, um anão e um gigante.

Fernando Rauber Gonçalves E Liszt? E sobre a ópera italiana? Estou lhe provocando com exemplos que fogem da tradição germânica 🙂

Augusto Maurer … fora de minha área de competência. Tenho, particularmente, pouca paciência com Liszt e a ópera italiana …

Fernando Rauber Gonçalves Enfim, é esse o ponto que quero escrever na minha resposta, sobre a questão dos parâmetros comparativos e sobre a multiplicidade de concepções no julgamento estético/composicional. Óbvio que Orff não é um compositor inovador ou essencial, e que Carmina é uma obra desigual, porém tem momentos suficientes de acerto que justificam sua popularidade.

Augusto Maurer … “momentos de acerto” me soam obscenamente parecidos com as “músicas de trabalho” destacadas num “álbum”, dentre todas aquelas outras faixas fadadas ao esquecimento. Acho que o Ricardo Branco já se referiu a isto ao afirmar que, depois da empolgação inicial com “Fortuna Imparatrix Mundi”, todo o resto de Carmina Burana não passa de uma colossal chatice.

Augusto Maurer … o que me remete diretamente ao lúcido comentário de Osvaldo Colarusso: será que Levine, Osawa, Kegel, Jochun e outros efetivamente optaram por gravar a cantata de Orff, ou assim foram persuadidos por seus produtores por razões mercadológicas ? Who knows ? Jamais saberemos. Por isso mesmo, o fascínio das especulações a respeito. Posso até imaginar um diálogo, de um drama metalinguístico, entre um desses maestros, ávidos por perpetuar mais uma versão de Beethoven, Brahms ou Mahler, e seu produtor, convencido da alta conveniência de se lançar, antes, mais uma versão de Carmina Burana…

Fernando Rauber Gonçalves Interessante que tu tragas a chatice, vou buscar trabalhar esse conceito na minha resposta, sob a perspectiva do ouvinte leigo e do músico treinado.

Júlio César Sosnoski Segundo o jornalista Norman Lebrecht, que teve amplo acesso ao mercado da gravação por meio de pessoas que trabalharam no mercado, e mesmo através dos próprios produtores. Era bem difícil persuadir regentes já de carreiras sólidas a gravar qualquer coisa com as quais não concordassem…

Fernando Rauber Gonçalves Do ponto de vista analítico, também existem outros referências mais pertinentes para a obra de Orff também, creio que a partir das análises estruturalistas da semiologia musical pode inclusive descobrir porque certos jogos motívico aparentemente simplórios de Orff “grudam” tão bem no ouvido.

Darian Weber Pergunto onde está convencionado que para reger essa obra, o maestro tenha que estar em um altar, tão alto que quase não dá pra ver a orquestra?

Augusto Maurer Isto não tem a ver com a obra, Darian Weber, mas com a mitologia do maestro. Outros fatores, outra discussão. Bem oportuna, sem dúvida ! Mais tarde, talvez.

Augusto Maurer … e, antes que eu me esqueça, bem-vindos a esta ilustrada conversa, Osvaldo Colarusso, Zeca Azevedo, Fernando Rauber Gonçalves e Darian Weber. Me sinto mui honrado com seus comentários !

Darian Weber Orff com esta obra e como disse o nobre amigo Fernando Rauber…teria sido um Michel Teló por ter composto uma peça tão ” grudenta”?

carmina-burana-3

Por que há quem prefira o twitter ao facebook e vice-e-versa ?

Disclaimer: aviso a possíveis leitores que as ideias a seguir, ainda um tanto confusas (eu preferiria usar a palavra fuzzy, mas optei pelo idioma de Pessoa…), porquanto em estado ainda bastante embrionário. Noutras palavras, são tão novas quanto o fator que as desencadeou – a saber, uma queixa postada num blog, da qual falarei adiante. Rogo-lhes, então, paciência com as formas toscas do discurso – como, por exemplo, no final abrupto e incerto, como em tantas boas histórias.

twitter x facebook 2

Quem ainda não parou para pensar por que escolhemos certas plataformas sociais em detrimento de outras ? Por que há quem prefira o twitter ao facebook e vice-e-versa ? Ou sobre o que faz alguém migrar de um plataforma para outra ? Como, por exemplo, jovens a se esquivar do “campo visual” de seus pais.

Ora, é claro que essa escolha passa necessariamente pelos principais diferenciais entre eles (o twitter e o face), a saber a reciprocidade (que tem tudo a ver com privacidade !) e a rastreabilidade.

Antes, no entanto, de prosseguir, precisamos deixar claro que twitter e facebook são plataformas (ambientes) – e não redes ! – nas quais se instauram, aí sim, as redes sociais. Assim, um ou outro “hospedam”, a seu modo particular, muitas redes, de tipologia bem definida.

A incompreensão, total ou parcial, de peculiaridades morfológicas e/ou funcionais destas redes levam facilmente a imbroglios como o da retrospectiva anual desenvolvida pelo facebook e apresentada by default a todos os seus usuários. O episódio repercutiu, num curto período de tempo, em sites de informação como o Guardian, a NPR ou o Huffington Post. Antes disso, eu e Luis Afonso (um ótimo cozinheiro e blogueiro que só conheço da esfera virtual (on the immense benefits of food porn !), já havíamos destilado algum ranço contra a “folhinha” do face (ou só eu acho a peça criada pelo facebook parecida com aqueles calendários que eram distribuídos (não sei se ainda são em tempos de imãs de gelade eira) por padarias & e afins.

Se preferir, no entanto, um relato menos filtrado, na primeira pessoa, confira o estopim da polêmica no blog do web designer Eric Meyer. Numa postagem intitulada Inadvertent Algorithmic Cruelty (algo como Crueldade Algorítmica Colateral), Eric se declara vítima involuntária do algoritmo do facebook ao ser confrontado com uma foto, na capa de um álbum, da filha que perdera meses atrás. Seu ponto é bem interessante, para muito além do impacto inerente ao tamanho da gafe. Em seu post, Meyer sustenta que o facebook deveria perguntar, antes de mostrar, se cada usuário gostaria de ver qualquer foto ou conteúdo relativo a seu último ano. Na onda de indignação que a mídia passou, então, a acompanhar, vieram à tona casos como, por exemplo, de alguém confrontado com a imagem de sua casa pegando fogo (sic !).

Mas vamos ainda mais fundo. A gafe dos executivos de Mark denota, primeiramente,  ignorância ou incompreensão acerca de um fato básico, namely, o de que nenhuma plataforma tem como predeterminar com exatidão a natureza específica de cada rede que nela se instala. Pois são totalmente distintas as conexões que se estabelecem em redes de vocação distinta tais como PLNs, de auto-estima, de agregação política ou de usos profissionais (publicidade, em alvos mais… focalizados !), entre outras, impossíveis de serem enumeradas, já que muitos tipos de redes ainda não foram descobertos.

Fascinante, não ? Mas retornemos, por hora, àquilo do que falávamos no início. De por que alguém prefere o twitter ao facebook e vice-e-versa. Dizíamos que uma das principais diferenças entre um e outro é a reciprocidade, i.e., enquanto no twitter qualquer pessoa pode “seguir” qualquer outra, no facebook todos precisam ser aceitos por amigos cuja “privacidade” passa ser, só então, auscultável. Disto decorre que o facebook favorece, por definição, muito mais do que o twitter, a instauração de bolhas discursivas, i.e., daquelas redes povoadas por likeminded people. Pela razão oposta, o twitter vem se estabelecendo como uma plataforma favorita entre jornalistas – pois só sua não-reciprocidade permite a verificação imediata de todo contraditório. É aquilo a que nos referimos como rastreabilidade e tem a ver com a validação da informação.

  • (talvez a leitura de um feed bruto do twitter até se assemelhe, para observadores mais distantes, à de um jornal, no qual precisamos buscar (filtrar) a informação que procuramos; enquanto o facebook mais se parece com uma revista que exibe, com predominância de imagens a texto, só o que queremos ver. É, grosso modo, como a diferença existente entre, de um lado, linguagens “de máquina”, ditas “de baixo nível”, altamente codificadas e dominadas quase que exclusivamente por programadores e, de outro lado, interfaces mais amigáveis)

A raiz do problema de algoritmos desastrosos como o da retrospectiva do facebook é, a nosso ver, a incerteza semântica sobre o que venha a ser uma “curtida” (ou, em inglês, um like). Ora, toda postagem se constitui, ao mesmo tempo, num enunciado e numa enunciação. Explico. O que é dito é diferente do ato de dizê-lo – podendo ter, portanto, sentidos distintos. Então, o ato de curtir qualquer postagem é ambíguo em relação a estarmos, com ele, manifestando apoio, simpatia ou solidariedade em relação ao que que curtimos ou, ao contrário, ao próprio ato do compartilhamento. A situação mais comum é quando não sabemos se curtimos ou não postagem referentes a fatos ou valores negativos. Ou alguém ainda não viu em seu timeline comentários do tipo “não sei se é ou não para curtir” ?

Desastres assim como o algoritmo acima só acontecem em razão de uma corrida comercial em busca da humanização, i.e., representada por uma maior amigabilidade (friendlyness), de cada meio.

Faz tempo que plataformas de compartilhamento maciças precisam, pela própria dimensão de seus bancos de dados, lidar com filtros automáticos para conteúdos indesejáveis. Enquanto reconhecimento de pessoas em fotos ou filtros para conteúdos pornográficos já são há muito disponíveis automaticamente (i.e., realizados por algoritmos), se espera que, dentro de poucos anos, seja possível a um algoritmo identificar, por exemplo, fotos de sujeitos bêbados. Não sei, no entanto, em que extensão conteúdos indesejáveis são hoje excluídos de plataformas já por meio algoritmos inteligentes ou ainda por meio de análise e interferência humana, tais como em casos de violação de direitos autorais.Só sei que quando algoritmos conseguirem detectar com precisão os últimos, veremos uma crise nos setores jurídicos da indústria editoral. Thus, the earlier it embraces the commons principle, the better.

  • (no filme The Social Network, aprendemos que a teia de Zuckerberg começou com um jogo de classificação de julgamentos humanos elementares como escolher mulheres mais bonitas em séries de escolhas binárias. Hoje, seus desenvolvedores são diariamente desafiados a criar mais coisas que queiramos ver. Tais como o pacote “O Ano de…”)

Mas falávamos, antes, de diferença em como diferentes sujeitos usam diferentes plataformas sociais. Falávamos, entre outras coisa, na variedade de critérios que podem ser usados para decidir o que compartilhamos ou não. Basicamente, podemos

  • compartilhar tudo ou a maioria daquilo que queremos ou com o que concordamos ou, ao contrário,
  • somente aquilo a que consigamos agregar significância.

No segundo caso, se trata mais da profundidade do que da extensão do que dizemos ao compartilhar algo. Já que não há, aqui, qualquer correlação obrigatória entre uma (profundidade) e outra (extensão), i.e., a qualidade de qualquer enunciado não depende de seu tamanho. Pois assim como há preâmbulos que são quase ensaios, há igualmente introduções lacônicas que ensejam mergulhos. Então, o que mais (me) Interessa é a reação que cada compartilhamento provoca.

twitter x facebook 5

Um ótimo 2015 para todos os meus estimados (e diligentes – pois, na maioria das vezes, não facilito…) leitores !

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P.S.: menos de 24 horas depois desta postagem, o Guardian publicou mais uma matéria sobre o Year in Review – importante, a nosso ver, por se tratar de uma (primeira ?) voz dissonante, a defender que o facebook não deveria ter pedido desculpas. As razões pelas quais, mesmo discordando, julgamos desnecessário contestá-la já foram suficientemente esmiuçadas no texto acima.