Por que o bordão “eleição sem Lula é golpe” se constitui, em última análise, numa confissão de culpa da esquerda

Como era de se esperar, o julgamento de Lula em segunda instância se tornou o assunto mais importante das redes sociais, com compartilhamentos de memes (em maior número) e artigos com ponderações (mais raros) por partidários de ambos os lados – a saber, os indignados e a turma do “bem feito” a celebrar o resultado.  É bem possível que minha constatação desse equilíbrio espante a muitos leitores, já que, bem sei, a exclusão, em redes sociais, de perfis pertencentes a campos ideológicos adversários é uma prática higiênica adotada por muitos – e, até certo ponto, compreensível, por banir do alcance dos olhos as ideias hediondas de quem não pensa da mesma forma.

Rechaço, no entanto, esta prática. Como já expliquei aqui várias vezes, optei por conservar em minha timeline uns poucos coxinhas e bolsominions, tais como sondas lançadas para além da bolha discursiva, só para não perder o contato com o apito que toca por lá.

Dentre os indignados, se tornou praticamente um slogan a expressão “eleição sem Lula é fraude” (ou, noutra versão, “eleição sem Lula é golpe”). Não pretendo contestar esta afirmação mas, tão somente, especular sobre o estado de coisas que fez com que chegássemos a este ponto.

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Antes, porém, de examinar as práticas da esquerda e da direita que levaram a primeira ao atual beco sem saída, vale aventar uma hipótese sobre a aderência do judiciário (ou, ao menos, de parte dele) aos anseios da direita. Identificação é a palavra-chave. Muito se tem falado sobre a fragilidade dos argumentos levantados por desembargadores do TRF4 que julgaram Lula em segunda instância. Penso que, para se entender a índole de qualquer discurso condenatório de Lula, devemos prestar atenção nem tanto na argumentação explícita dos dembargadores – que, de resto, já se provou furada e comprometida numa série de aspectos, inclusive no tão propalado fato de que os votos subsequentes ao do relator já se encontravam redigidos (provavelmente por estagiários, como bem apontou Gustavo Czekster) de antemão e, portanto, blindados contra quaisquer possíveis alterações em razão da audição atenta da leitura de votos anteriores – mas, principalmente, naquilo que não é dito, a saber, na maior proximidade dos vencimentos percebidos pelo andar de cima da magistratura com os de políticos, banqueiros e grandes empresários.

Este fato, aliado à grande discrepância entre os vencimentos destas categorias em relação aos da grande maioria da população brasileira, é suficiente para criar e manter uma consciência de classe avassaladora, conquanto subentendida. Pois juízes superiores moram nos mesmos condomínios, andam nos mesmos carros e frequentam os mesmos clubes e restaurantes que senadores e donos de grandes empreiteiras. Então, é natural, ainda que inconfessável, que juízes melhor remunerados, na hora de decidir em favor das classes populares ou das elites, privilegiem oligointeresses como se, com isto, estivessem, de algum modo inconsciente, a beneficiar a si próprios. Pois a ideia de pertencimento, explícito ou não, costuma falar mais alto.

É claro que se pode tributar a hipótese acima a mais uma teoria conspiratória. Permaneço, no entanto, convicto de que isenção e pluralidade andam juntas. Ou seja, quanto menos plural for uma decisão, menos isenta será. De tal modo que apenas três juízes decidirem sobre o futuro político de um líder apoiado por multidões é, no mínimo, suspeito. Imaginem, por exemplo, o lobby sofrido pelos julgadores de Lula nos meses anteriores ao julgamento.

A distribuição de processos, com um ou poucos árbitros designados para cada conflito, é, como já sustentei aqui, uma das deficiências mais visíveis do sistema jurídico como o conhecemos. Uma reforma judicial deveria, portanto, submeter decisões importantes a cortes mais amplas, tanto mais numerosas quanto for a importância de cada sentença a ser proferida. Pois mesmo que um único juiz seja eventualmente suficiente para arbitrar um conflito entre vizinhos, dificilmente cortes de poucos magistrados (personalistas, portanto) conseguirão julgar questões amplas, tais como as de importância nacional, com o mínimo de isenção necessária. Eis um ótimo problema para os teóricos do poder.

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Feita esta ressalva, tornemos a nossa questão central. Se uma eventual “eleição sem Lula é golpe (ou fraude)”, a culpa é, ao menos em parte, da esquerda que investiu uma quantidade considerável de tempo e energia na criação e manutenção da ideia de um único grande líder possível. Assim, a eterna candidatura de Lula está fundada no mesmo princípio de TINA (there is no alternative), invocado pela direita para justificar a aplicação de medidas de austeridade fiscal.

Senão, vejam como tem se comportado, nas últimas décadas, cada extremo do espectro ideológico. Enquanto a esquerda martela insistentemente num novo mandato de Lula como única possibilidade de redimir o país ante o inexorável avanço neoliberal, a direita astutamente se exime de fechar em torno de um único nome para disputar o pleito presidencial. Deste modo, até o último instante teremos um conjunto especulativo composto por Bolsonaro, Alckmin, Dória, Aécio e até competidores improváveis, legítimos azarões, como Collor ou, por que não, Kataguiri. Todos estão sujeitos a um compreensível desgaste político – análogo ao sofrido por Lula – até o derradeiro fechamento das nominatas pelos partidos (outra mazela que deveria ser extinta, mas isto já é outro assunto).

Muito mais do que teoria conspiratória, esta relutância até o momento derradeiro em fechar em torno de um candidato se constitui numa estratégia explícita proposta por um dos financiadores da Atlas Foundation (think tank de atuação internacional dedicado a formar e instrumentar agentes de promoção de ideias neoliberais) – a saber, a de que “em momento algum se deve permitir que o(s) nome(s) de quem está por trás da Atlas se torne(m) de conhecimento público”. Protegido, assim, por meio deste anonimato, o espírito neoliberal se torna tão poderoso como uma hidra cujas cabeças se multiplicam a cada vez em que uma delas é cortada. Ao contrário, a esquerda permanece obtusamente fiel à ideia de um grande líder, sem o qual estaríamos todos num beco sem saída.

Ora, ideias compartilhadas, que pertencem a todos e a ninguém especificamente ao mesmo tempo, tendem a ser mais duradouras, permanecendo mesmo depois que seus defensores mais ferrenhos sejam abatidos em meio à luta por sua promoção. Já aquelas representadas predominantemente por um indivíduo ou outro tendem a se dissipar mais facilmente na ausência de quem as personifique perante a maioria. Isto é uma das consequências mais nefastas tanto da cultura de celebridades na qual estamos imersos quanto do fato de que argumentos longos, mais afeitos ao texto que deve ser lido, cedem lugar a uma cultura eminentemente visual, em que memes ocupam cada vez mais espaço do que reflexões mais demoradas.

Ainda sobre ideias serem mais importantes do que pessoas. Disputando espaço nas redes sociais com o julgamento de Lula pelo TRF4 esteve a notícia do abandono de um debate midiático por parte de Márcia Tiburi ao constatar que estava prestes a enfrentar Kim Kataguiri. Estranhei as incontáveis manifestações de solidariedade recebidas por ela pois, a meu ver, a filósofa perdeu uma oportunidade privilegiada de rebater publicamente o discurso raso do enfant terrible da direita. Ou seja, abdicando de confrontar suas ideias, ainda que em termos que eventualmente lhe parecessem demasiado didáticos, acabou fortalecendo a pessoa.

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Pressenti e temi o atual estado de coisas desde o início da perseguição a Lula, tal qual a crônica de uma morte anunciada, a partir do momento em que todos os esforços se concentraram na tentativa inglória de blindar sua figura ao invés de, já então, se iniciar uma busca por novas lideranças ou, preferencialmente, coletivos capazes de se comprometer perante a nação e conquistar sua confiança em relação ao combate da desigualdade. Espero sinceramente que ainda haja tempo para isto. Caso contrário, que ao menos 2018 sirva de lição para um futuro não muito distante.

A quem interessa o saldo positivo da balança comercial ou o crescimento da produção industrial ?

Uma das principais diferenças entre governos de esquerda e de direita talvez seja a ênfase publicitária que dão aos índices econômicos e de desenvolvimento. Isto é compreensível e esperado, já que a empatia dos primeiros é primordialmente pelo povo enquanto a dos últimos, pelo capital empreendedor.

Assim, enquanto antes do impeachment de Dilma as joias da coroa da propaganda oficial eram as taxas de desemprego, fome e analfabetismo, hoje o que o Planalto mais apregoa são dados revestidos de otimismo em relação à balança comercial, à produção industrial e às bolsas de valores. Aqueles hoje no poder só não falam mais de inflação e taxas de juros e câmbio por que a evolução de tais índices econômicos derivativos já vinham bem desde antes da deposição de Dilma – não podendo, portanto, ser utilizados como propaganda do governo atual em detrimento do anterior.

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De uns tempos para cá, já se tornou um lugar comum vermos nos noticiários escândalos de corrupção contrabalanceados por notícias auspiciosas em relação à balança comercial, à produção industrial e às bolsas de valores, como se tais índices fossem automaticamente bons para o país. Será ? Quando o país vende mais do que compra; quando a indústria produz mais ou quando sobem os preços especulativos das ações, isto é bom para quem ? Como a parte da população que não aufere ganhos de capital (i.e., a maioria) se beneficia com isto ? Ora, tais supostos avanços não fazem a menor diferença na vida das hordas de famintos, analfabetos e desempregados abaixo da linha de pobreza. Então, é preciso pensar antes de comemorar.

A euforia do crescimento econômico serve, principalmente, para mascarar o desempenho sofrível de índices de desenvolvimento humano em razão do desmonte de direitos trabalhistas e da rede previdenciária, bem como da desoneração progressiva, por parte do estado, de serviços anteriormente prestados.

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Um pouco desta ciranda de índices é revelada num interessante artigo, ainda que proselitista (pró-PT), publicado no jornal Nexo. Nele, tomamos conhecimento, entre outras coisas, de um obscuro coeficiente desenvolvido pelo estatístico italiano Corrado Gini para quantificar a desigualdade na distribuição de renda. Observando seu desempenho, notamos que, ainda que o mesmo tenha recuado consistentemente sob os governos de Lula e Dilma, o Brasil ainda está entre os lugares mais desiguais do mundo. E tudo indica que, a persistir a orientação econômica de nossos governos, a desigualdade tende a se acirrar.

Ainda é muito cedo para avaliarmos o impacto da breve Era Temer no conjunto destes índices. Só que, depois das eleições de 2018, talvez seja tarde demais – pois se leva, geralmente, muitos anos, ou vários mandatos presidenciais, para se estabelecer ou reverter qualquer tendência na evolução destes números. Os meses que nos separam do pleito são, então, decisivos para que a nação opte pela primazia do trabalho sobre o capital ou vice-e-versa. Ou, ainda, se legaremos a nossos filhos um país mais igualitário ou, como parece estar se delineando, de escravos e milionários.

De como Lula abdicou de qualquer pretensão eleitoral para 2018

Ontem acirrei ânimos em meu perfil no facebook ao mencionar, de raspão, a absurda necessidade que certos petistas de carteirinha têm de blindar o Lula. Como se, para ser convincente, só ter carisma bastasse – como se ele fosse, sei lá, uma espécie de Fidel. Deve haver quem pense assim, ou sua figura de proa já teria sido há muito abandonada pelo PT.

Lula deve ter recebido enfáticas recomendações para que, ao teimar em se defender perante a nação de acusações vazias recebidas na véspera, não falasse de improviso em hipótese alguma. Inutilmente, no entanto. Pois improvisou. Foi quando proferiu o monumental disparate de comparar, favoravelmente aos primeiros, políticos com funcionários públicos concursados.

Ou seja, de um lado,

oportunistas que obtém mandatos mediante publicidade e recebem até 14 polpudos salários anuais para prestarem expedientes reduzidíssimos, se aposentando com o teto dos vencimentos depois de apenas 8 anos de trabalho em ambientes confortáveis e privilegiados;

e, de outro,

profissionais capacitados que tiveram sua proficiência averiguada em certames isonômicos para trabalharem jornadas extensas em condições frequentemente adversas e receberem aposentadorias proporcionais só depois de 30 ou 35 anos.

Abaixo, a polêmica fala.

Não preciso dizer que estas poucas palavras, que nenhum marqueteiro ou assessor aprovaria (daí minha insistência para que, no horário de propaganda eleitoral gratuita, fossem transmitidos obrigatoriamente, em vez das ridículas peças publicitárias com que somos bombardeados, reality shows com os candidatos) – ganharam imediatamente toda a mídia e as redes sociais. Ainda não tivemos tempo de conhecer os melhores memes. Com elas, Lula conseguiu, por puro erro de avaliação, irritar profundamente tanto seus adversários políticos (representados como categoria em sua fala ultrajante) quanto sua imensa base de apoio – constituída, vale lembrar, por uma enorme quantidade de funcionários públicos.

Então, se Lula tinha qualquer pretensão eleitoral para 2018, dela abdicou ontem à noite, diante de uma nação divertida (adversários e detratores) e estupefata (aliados e simpatizantes). O que me restou disto tudo foi a profunda convicção de que, embora não possa provar, quem ainda ficou a seu lado o faz por razões estritamente econômicas ou, no máximo, ingenuidade. Pois todo ser humano merece o benefício da dúvida. Até o Lula.

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PS: Nesta pesquisa, vídeos mais extensos situando a fala desastrosa num contexto maior.

O que significa ser de direita ou de esquerda no Brasil hoje ?

esquerda x direita 2

Lancei esta pergunta faz poucos dias. Primeiro, entre amigos lá em casa. Depois, no facebook. Em casa, não tive resposta. No facebook, colhi, inclusive, dois textões, de proporções enormemente maiores do que minha provocação, um deles junto com um video de Olavo de Carvalho, cuja reputação sempre conheci mas em cujo discurso confesso jamais ter prestado antes qualquer atenção.

Nos primeiros minutos do vídeo (que, confesso, desisti de ver até o fim), Olavo mistifica, definindo, em política, a direita como a experiência, como aquilo que é conhecido, e a esquerda como o experimentalismo, para em seguida proclamar seu repúdio a todo pensamento revolucionário, inventariando em favor de sua posição uma extensa lista de genocídios e assassinatos cometidos por governos revolucionários.de esquerda. Não me dei, no entanto, por satisfeito com sua definição.

A tragédia da desilusão nacional com o PT, sentida por muitos e minimizada por outros tantos, se deve, principalmente, ao ruir do discurso de esquerda que levou o partido ao poder nas últimas décadas. Mas vejamos por partes.

Assumidamente ou não (pois a verdadeira índole de todo interesse político é por vezes velada), apoiadores de candidatos ou partidos reconhecidos como de direita sempre defenderam o direito ao poder do capital empreendedor enquanto seus opositores de esquerda reclamavam, acima de tudo, mais justiça social.

Só que, no Brasil dos governos de Lula e Dilma, se institucionalizou (ou, pelo menos, começou a ser apurada) a corrupção dos poderes pelas grandes empreiteiras. Com isto, grupos oligárquicos (acionistas majoritários) se tornam os maiores beneficiários da realização de obras de indiscutível (ou mesmo discutível) alcance social. In short, se dá aos ricos em nome dos pobres, numa espécie de complexo de Robin Hood ao contrário – a tragédia do PT sendo, neste caso, tolerar sob seu manto o mesmo tipo de comportamento corrupto que critica em seus predecessores.

Com tantos agrados de empreiteiras a agentes da pirâmide administrativa custeados com recursos surrupiados ao bem comum – é, pois, no mínimo acintoso ver políticos e governos manchados por esse tipo de escândalo de corrupção sustentar qualquer discurso em favor da justiça social, como muitos (praticamente todos) ainda insistem em fazer.

E o que é justiça social ? Distribuição de renda e igualdade de oportunidade, a meu ver. Duas condições, aliás, frequentemente atropeladas pela voracidade do capital que move os interesses de direita. Estou enganado ?

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Grata surpresa tive, durante a por vezes tediosa tarefa de procurar figuras para os posts (Milton diz que ajudam muito na divulgação), ao topar com uma charge de 2012 do querido Latuff que ilustra o que falo de modo exemplar.

 

Pelo partido se conhece o tamanho do ladrão ?

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Me confidenciou certa vez um amigo, cujo nome não revelarei nem sob tortura, que o PDT era um partido de pequenos ladrões – pois, onde quer que assumisse o poder, imediatamente sumiam coisas como máquinas de escrever em repartições.

Sabemos, ao mesmo tempo, que a elite da rapinagem nacional (refiro-me, é claro, à turma das contas suíças) há muito já superou o estágio do apego a bens materiais, preferindo a discrição e a flexibilidade do dinheiro eletrônico internacional.

Ironicamente, Lula foi pego por causa de seu persistente apego a coisas palpáveis, como imóveis e objetos que, para serem mantidos longe da vista de bisbilhoteiros, precisam ser guardados em depósitos e cofres.

Espero que, na continuidade das investigações da Lava Jato, não usem isto como desculpa pela maior morosidade no rastreamento dos capitais voláteis do que dos agrados acumulados pelo até então bastião moral do PT durante um par de mandatos presidenciais.

Mais e melhores grampos já !, Moroleaks ou O Elogio do Riso

Girl phone talk Pop art vintage comic

Muito se tem discutido se o juiz Sérgio Moro agiu certo ou errado ao trazer a público escutas telefônicas legalmente obtidas mas protegidas por sigilo judicial. Difícil “julgá-lo” sem dissociar os aspectos legal e ético da questão.

Este blog sempre defendeu a ideia de que segredos de estado são um entrave ao progresso humano que servem, quando muito, à obsoleta doutrina da segurança nacional (vide crise de refugiados e infiltrações terroristas (mas estas já são outras histórias))). Consoante a isto, entendemos que todo cidadão deve ter acesso facilitado a todo documento ou informação que afete, de algum modo, qualquer interesse público. Como, neste caso, as conversas, reveladas por Moro, mantidas por Lula com Dilma e outros figurões.

O impacto dos áudios tornados públicos no episódio – um grande momento da Operação Lava Jato que deve entrar para a história dos grandes vazementos como Moroleaks – derrubam ou dificultam tremendamente qualquer pretensão dos envolvidos a um bom desempenho em eleições futuras. Pior. As gravações logo viraram o principal objeto de riso, tanto nas redes (como em remixes do Mc Lula !) como na mídia. Quem ainda não ouviu piadas com a música da secretária eletrônica da Dilma ? Fato é que, tenha Moro incorrido ou não em algum ilícito, não há quem não tenha rido de alguma conversa por ele vazada – e o riso é, como ensina Bakhtin, a mais destronante de todas as armas.

Por isso, não me parece nem um pouco exagerado se equiparar a façanha de Sérgio Moro as de um Julian Assange ou Edward Snowden, heróis absolutos de nosso tempo, que colocaram sua crença no direito ao conhecimento público do que é público acima da própria liberdade.

Notem, aqui, a interessante nuance entre as histórias de Snowden, sentenciado e foragido por revelar a existência de escutas telefônicas, e de Moro, submetido a uma censura pública por tornar público o teor das mesmas. Os paralelos possíveis entre os dois casos não param aí. Ambos envolvem chefes de estado. Só que, enquanto num as escutas foram obtidas pela justiça, noutro são produto da ação de órgãos de inteligência. O que mais chama, no entanto, a atenção é que, conquanto o primeiro tenha denunciado a escuta e o último tenha feito ele próprio uso da mesma – ambos, por meio de seus gestos extremados, correram riscos em nome de uma maior consciência pública.

Mas tornemos ao riso, mesmo que tão somente para dizer que, depois de ouvir Lula e Dilma ao telefone, votar neles será mais ou menos como votar, sei lá, no Tiririca. E antes que tachem as linhas acimas de anti-petistas, que fique claro que este blog é apartidário. Mais que isto. Não é que alguns partidos estejam podres. É o próprio sistema partidário e de representação que está podre. Conceitualmente. Só que políticos bons, se existem, ingenuamente ainda não percebem isto. Então, é mais do que claro que não se pode esperar nenhuma regeneração política deste ou de qualquer país a não ser por meio de constituintes exclusivas.

Enquanto isto não acontece por aqui, que tenhamos, então, ao menos mais grampos tão engraçados como os de Lula. Onde estão, por exemplo, só para começar, as gravações de um Cunha, Renan, Feliciano ou Bolsonaro ? Ou mesmo, retroativamente, de um Collor, Sarney ou Maluf ? Pois, se é verdade que reality shows se constituem no pior tipo de lixo cultural da mídia atual, é preciso também se reconhecer que não seria de todo uma má ideia que todo cidadão pudesse vigiar em tempo integral cada político eleito, seja para cargos executivos ou legislativos, ou mesmo, idealmente, cada candidato. Até por que sempre é preferível prevenir do que remediar.

Imaginem. Em vez dos desinteressantes concorrentes de um Big Brother, teríamos aquelas pessoas de cujas decisões nossas vidas realmente dependem. Nem precisaríamos de tanto. Sons e imagens do Lula e da Dilma dormindo ou em seus momentos de higiene seriam perfeitamente dispensáveis. Mas qual eleitor não preferiria ter acesso a todas as suas conversas ao invés de a seus ainda mais ridículos e/ou irrelevantes pronunciamentos públicos ?

Penso, pois, que uma lei que garantisse microfones e câmeras em cada gabinete e grampos nas linhas de cada governante ou representante eleito já seria de bom tamanho (ainda que tornozeleiras fossem interessantes para melhor monitorar seus passos…). Idealmente, a escuta deveria se estender também a todo candidato. Mesmo que as complicações de infraestrutura fossem bem maiores, ao menos não seria preciso nenhuma tecnologia ainda não existente. Estou a defender um estado de vigilância ? É claro que sim ! Não sobre seus cidadãos, evidentemente, mas, tão somente, sobre todos seus dirigentes.