Contra a publicidade (outra vez)

Ninguém, exceto os publicitários, gosta de propaganda. Lembram da mala direta ? Tínhamos que dedicar um tempo considerável a jogar fora o lixo publicitário que abarrotava nossas caixas de correio para filtrar a correspondência necessária, contas em sua maioria. Não me recordo da última vez em que recebi uma carta. Talvez nos anos 80, quando estava “exilado” para meu mestrado em NY e amigos dedicados me relatavam os acontecimentos mais bombásticos em minha orquestra.

Hoje, os anúncios migraram para a web, como contrapartida compulsória (é preciso pagar para não vê-los) tanto por facilidades disponíveis online, como o YouTube e tantos outros sites e plataformas, como por serviços gratuitos de email. Assim, o que era mala direta virou spam. Mais fácil, barato e, graças a inteligências artificiais, certeiro em relação ao alvo. Nos últimos dias, o Google sofisticou ainda mais o envio de anúncios, tanto na cobrança pelo serviço de anunciar como por não mais permitir o bloqueio de remetentes. Mas é sobre esta naturalização da publicidade que quero me deter.

Ouvinte assíduo de rádio no carro, sempre achei absurdo o slogan de certa emissora, sem dúvida em busca de novos anunciantes, afirmando que “propaganda é conteúdo e informação”. Não conheço mentira mais deslavada. Mas vamos por partes.

A propaganda, dentre os melhores achados da indústria (ia dizer do capitalismo, mas desisti para não afugentar improváveis leitores de direita) para desovar superavit (leia-se excesso) de produção, se naturalizou entre nós. Sentimos que devemos a ela a existência de todo veículo de comunicação, tanto eletrônica (rádio e TV abertos) como impressa (jornais e revistas).

Neste contexto, surgiu a internet que, como todo evento global potencialmente disruptivo, como a pandemia de coronavírus, prometia aos mais sonhadores uma nova ordem econômica. No caso da pandemia, muitos esperaram um colapso do capitalismo global para a instalação de uma economia mais solidária e local, que favorecesse o recrudescimento da desigualdade. Isto não ocorreu.

No caso da internet, com a nova facilidade, mediante sofisticados engenhos de busca, para a descoberta de ofertas daquilo que realmente precisamos, era de se esperar que a publicidade – a qual, por definição, se dedica à desova de excessos de produção em mercados consumidores – também fosse reconhecida como supérflua e, portanto, obsoleta. Isto também não ocorreu. Ao contrário, a publicidade tirou vantagem da maior conectividade, menor custo de envio, mais disponibilidade de dados maciços e melhores meios para processá-los – oferecendo, com isto, a anunciantes a possibilidade até então inédita de uma propaganda muito mais dirigida e, logo, eficaz.

Moral da história. O capitalismo se reinventa e regenera diante de tudo que lhe é, num primeiro momento, desfavorável. Como um vírus mutante que foge de vacinas. Ou, se quiserem, aquele ser mitológico que, ao ter cortada uma cabeça, lhe nascem duas no lugar. Então, para o progresso humano não se pode contar com avanços tecnológicos ou fatalidades sanitárias e climáticas que, porquanto indesejáveis, varram do mapa a civilização que conhecemos para dar lugar a outra, mais fraterna e igualitária. Meio milênio de capitalismo já provou sua resiliência e capacidade para se adaptar a novas realidades. Qual postulante a um governo, por exemplo, seja ele de direita ou de esquerda, defenderia uma plataforma tão radicalmente inovadora como a ideia do decrescimento (aqui, aqui, aqui e aqui) ? Para todo político, sua majestade o PIB ainda é o que mais importa, estando até mesmo atrelado a índices, supostamente progressistas, de bem estar social.

Por isso, só podemos esperar uma civilização melhor a partir de uma revolução na cabeça das pessoas. Quando passarem, oxalá, a acreditar que menos é mais.

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