Por que não assisto a séries de TV

series-1Ver séries de TV é como andar em círculos, ouvir várias vezes uma mesma história ou, ainda, ouvir música em forma de variações. Não é à toa que apenas grandes compositores tenham logrado êxito no complicado exercício composicional que consiste em conferir algum contorno dramático reconhecível a uma música que repete inexoravelmente um mesmo percurso harmônico. Mas tergiversei. Voltando, então.

Séries não devem ser confundidas com seriados (como Columbo, Hawaii 5.0 ou Kojac) nem tampouco com sagas (como Harry Potter, Star Wars ou o Senhor dos Anéis). As três categorias diferem entre si fundamentalmente pelo intervalo de tempo entre a exibição de cada episódio e o seguinte. Pois, se séries e telenovelas clamam pelo retorno da atenção do espectador a cada 24 horas, já seriados demandam uma atenção semanal enquanto sagas, plurianual.

O problema com todas as (poucas) séries televisivas que conheci (nunca acompanhei nenhuma) é sempre o mesmo: a monótona repetição de um mesmo ciclo dramático, culminando, ao fim de cada episódio, num “gancho” capaz de segurar a atenção do público até o início do próximo, dali a pouco menos de 24 horas. Tal fragilidade narrativa se torna, suponho, bem mais evidente com a possibilidade de se assistir, em DVD ou plataformas por assinatura como Netflix, temporadas inteiras de uma mesma série de uma só vez.

Episódios de séries são, ao contrário de capítulos de telenovelas (soap operas) agrupados em temporadas. Esta  distinção é importante por que, enquanto telenovelas se encerram, por definição, no último capítulo, jamais se pode prever quando uma série terá uma nova temporada – o que depende, muito mais do que da vontade de seus autores, do sucesso comercial da mesma e dos planos estratégicos de seus produtores.

É, assim, pela diferença entre, de um lado, um contorno dramático repetido ad nauseam (me senti um idiota depois de ver alguns capítulos de Lost !) e, de outro, um único, coincidente com a extensão da obra, que prefiro incondicionalmente filmes a séries.

Talvez a melhor demonstração da superioridade do cinema sobre as séries seja a memorabilidade relativa entre os dois modais. Pois é geralmente bem mais fácil recontar a história de um filme do que de todos os episódios de uma série. Neste sentido, podemos considerar todo e cada episódio de uma série (exceto, talvez, o primeiro e o último…) como essencialmente supérfluo à totalidade da trama. Pois pouco importa, por exemplo, a quem se dispôs a ficar acordado o suficiente para assistir a alguns episódios de Revenge, a conta exata de quantas vezes Victória sacaneou Emily e vice-e-versa.

Então, se este modal de narrativa, notoriamente capenga, vem conquistando uma hegemonia cada vez maior entre quem ainda vê televisão, tal se deve exclusivamente à manutenção de uma audiência cativa – quesito no qual as séries indiscutivelmente se sobressaem. Notem, aliás, que séries não são exibidas pela TV aberta nos chamados “horários nobres” (i.e., nos que já dispõem de uma audiência cativa), mas noutros para os quais ainda é preciso fidelizar um público – daí a importância do já mencionado recurso do sequestro de atenção de que toda série se vale.

A índole primordialmente comercial de toda série já era denunciada pela denominação de um de seus precursores: a telenovela – designada, em inglês, por soap opera. Ora, é preciso se aprofundar na etimologia do termo opera para saber que a partícula qualificativa soap se refere aos anúncios de sabonete originalmente veiculados durante a exibição das primeiras produções teledramáticas.

* * *

Ao revelar a meu filho menor minha intenção de escrever sobre séries, fui surpreendido pela descoberta de que ele não ele não mais as via. Como no caso de sua mania anterior, pelo jogo Minecraft, disse que simplesmente perdera o interesse. Seria por demais presunçoso supor que seu cansaço do formato se devesse, de algum modo, ao fato de eu ter afirmado anteriormente que séries eram ladrões de atenção. Gosto, no entanto, de pensar que seu hábito recentemente adquirido de ver temporadas inteiras de séries de uma só vez possa ter lhe tornado mais evidente as limitações dramáticas do formato. Mais: se isto for verdade, é possível se antecipar que serão os próprios sistemas de distribuição de séries por assinatura – meramente pela possibilidade de aproximação temporal entre episódios projetados para serem vistos a cada 24 horas – os principais responsáveis pelo esgotamento do modal em razão de suas próprias limitações narrativas. Irônico, não ?

2 comentários em “Por que não assisto a séries de TV

  1. Ótima chamada! Um assunto interessante para conversar… Aí vão algumas ideias…

    Séries, seriados e a lenda do fio vermelho.

    Sobre esse post do Augusto Maurer

    Há tempos conheço a lenda do fio vermelho. E penso que ela se aplica a quase todas as situações da vida, não apenas ao “encontro de almas”.
    Copiei de um site a lenda:
    “A lenda do fio vermelho é um mito popular de origem chinesa difundida no Japão, onde é conhecido como ‘Unmei no Akai ito’.
    A tradição oriental ligada à esta lenda, diz que todas as pessoas, desde o nascimento, levam amarrados ao dedo mindinho da mão esquerda, um fio vermelho que se conecta ao companheiro de alma. É um fio indestrutível.
    O protagonista desta lenda é um jovem chamado Wei. Depois de ter ficado órfão ainda muito pequeno, Wei queria se casar e formar uma família grande, mas tinha se tornado adulto e não tinha conseguido alcançar esse objetivo.
    Durante uma viagem ele conheceu um homem idoso que lhe revelou de ser o Deus dos casamentos. Este deus lhe explicou que sua esposa era ainda uma menina de 3 anos e que Wei teria que esperar mais 14 anos antes de conhecê-la. O velhinho levava consigo um saco com o fio do destino dentro, um fio vermelho invisível que não podia ser cortado. Quando duas pessoas estão ligadas por este fio, são destinadas a se encontrarem e a se casarem.
    14 anos depois, Wei conheceu uma bela garota de 17 anos e se casou com ela. Era aquela menina que deus tinha lhe falado sobre o casamento. Os dois perceberam a força do destino e se amaram para sempre.”
    O “fio vermelho” é o fio condutor de narrativas, o fio que une princípios aos fins.
    É, também, o fio que nos permite analisar produções culturais e, no caso, produções de séries (e seriados), das quais fala o Augusto em seu post.
    Como sou nascido praticamente junto com o nascimento desse fenômeno, as séries (embora as que vou citar agora sejam definidas pelo Augusto como “seriados”) – e recordo das que amava ver quando criança: Thunderbirds, Perdidos no Espaço, Jornada nas Estrelas, Jennie é um Gênio, Columbus, Bonanza, Bat Masterson, etc. – tinham uma natureza diferente da natureza que a imensa maioria possui hoje: uma palavra que não encontrei no texto do Augusto: entretenimento.
    Esse foi o fio vermelho que, a meu ver, conduzia a narrativa cultural de uma época que representava a saída de uma grande guerra, do início da guerra fria, da guerra do Vietnam, dos mísseis de Cuba, do avanço do comunismo sobre os quintais norte-americanos, enfim, o entretenimento tornou-se um bem de consumo necessário. Mas tinha uma razão de ser, um princípio e um fim.
    O cinema não fugiu dessa regra. Embora grandes obras tenham sido realizadas, diversos movimentos surgidos – inclusive no Brasil – o cinema, em sua imensa produção, não passou de entretenimento.
    Por mais incrível que possa parecer – e aqui registro tratar-se de opinião estritamente pessoal – o entretenimento deixou de ser a natureza da produção cultural com a música.
    A música foi o primeiro produto cultural a ser transformado em puro produto de consumo. Logo, produto desprovido do fio vermelho. A música trouxe a desnecessidade do pensar o que acontece entre as pontas do fio. Melhor dito, o que fizeram com a música…
    Três a quatro minutos, consumo rápido. Beatles. Não à toa o “rock pauleira” (heavy metal) fez tanto sucesso nos anos 60/70. E não menos à toa que o rock progressivo (Pink Floyd, Yes, Led Zeppelin e tantos outros) apareceu como contraposição a iniciante carreira do fácil consumo. Não à toa a disco music… Não à toa vários outros gêneros, brasileiros inclusos… Não à toa novelas vendem CDs com “trilhas sonoras”…
    A chamada indústria do entretenimento descobriu que poderia se transformar na indústria do lucro. E Hollywood embarcou nessa. E as séries viraram música. Rápidas, para uma noite, uma dança dançada em alto volume. Uma guitarra com três notas, alongadas para durarem cinco minutos. Mas que vendiam na sexta-feira para nos fazerem voltar no sábado. E depois nas quintas…
    Com as séries de TV aconteceu o mesmo: viraram produto comercial apenas. Há que vender um capítulo por dia, para seguir vendendo pelo ano inteiro. E por outros e outros…
    Nisso o Augusto tem razão. Mas, como ele mesmo reconhece, julga um todo pelas poucas partes que vê. E vê exatamente o que querem que veja: a TV aberta é o locus natural do comércio, do consumo. E de quem consumimos? Da matriz norte-americana.
    A TV a cabo, por outro lado, sabedora de que seu público aprecia um bom fio vermelho, veicula produções de outro nível, produções de países fora do eixo norte-americano.
    E grandes produções espanholas, dinamarquesas, alemãs, holandesas, francesas, japonesas, italianas… São produção, para usar a expressão do Augusto, com “densidade narrativa”, apesar de picotadas em capítulos como se séries fossem.
    Assim como temos cinema de densidade, temos séries/seriados de densidade. E temos, ainda, cinema e séries de entretenimento… E sou capaz de dizer que ainda se faz alguma música boa hoje em dia…

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  2. Muito obrigado, Luiz Afonso !

    Teu comentário, um post por si só, aprofunda em muito a discussão.

    Espantoso que o tenhas escrito praticamente em tempo real, i.e., com um mínimo de reescrituras.

    Abraço e volte sempre !

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