Sobre máquinas impossíveis (ii)

Como em todo primeiro de abril, não pude deixar de pensar em minha categoria favorita das grandes farsas, a saber, a das tecnológicas. Em agosto último, dediquei um post inteiramente ao assunto – tendo, no entanto, deixado de lado a mais monumental das fabricações já cometidas por aqui. Se trata de um engenho, construído na zona norte de Porto Alegre, pela empresa RAR Energia, que alegadamente funciona alimentado apenas pela força da gravidade. Ou, como é mais conhecido, um mecanismo de moto perpétuo. Que viola, portanto, o princípio da conservação de energia.

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Moto perpétuo da RAR em Porto Alegre

A máquina foi montada, aparentemente a um elevado custo (conforme as únicas fotos existentes), em um armazém de uma região industrial por uma empresa estabelecida. Compreensivelmente, não se ouviu mais falar dela. Imagino o mico de seus criadores perante demolidores de mitos tão logo a notícia da coisa tenha se espalhado. A RAR é uma potência empresarial em nosso estado, fabricando desde caminhões em Caxias do Sul até queijos finos em Vacaria. O próprio Raul Anselmo Randon, patriarca do grupo,  teria desenvolvido um robô de virar queijos para automatizar o processo de maturação dos mesmos. Sem dúvida, portanto, um grande empreendedor.

Resta saber se, no episódio do moto perpétuo do braço energético de suas empresas, foi cúmplice ou vítima da pegadinha ou, até, um crédulo visionário. Ainda que a enorme geringonça seja bem difícil de se fazer sumir sem deixar vestígios que comprometam a ilibada reputação do grupo empresarial – poderiam, ao menos, nem que só por decoro, ter retirado o site do ar. Enquanto isto, até que repórteres investigativos se deem ao trabalho de levantar o que foi feito da sucata da coisa, temos que nos contentar com a bizarra notícia de que a a ideia (que não pode ser chamada de farsa antes que se comprove sua má fé) foi comprada por norte-americanos. Pois as fotos mais recentes existentes no site da empresa (uma espécie de fotolog) dão conta da construção do curioso engenho em um galpão numa área rural de Illinois. O que nos permite, então, especular divertidamente sobre o que teria acontecido por lá quando os gringos inevitavelmente se deram conta de ter se metido numa fragorosa roubada. Chamem, se quiserem, de a vingança de Pasadena.

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Moto perpetuo da RAR em Illinois (EUA)

A farsa do moto perpétuo da RAR correu mundo, como demonstra este vídeo em espanhol dedicado a seu desmascaramento. O caso também é comentado aqui, aqui e aqui.

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Wendelstein 7-X Stellarator, ilustração

Não pensem, com isto, que tudo o que parece se interpor a leis da física como as conhecemos seja, necessariamente, uma farsa. Grandes experimentos e investimentos estão aí para provar o contrário. Como, por exemplo, a colossal máquina denominada Wendelstein 7-X Stellarator, construída pelo acima de qualquer suspeita Instituto Max Planck, de Munique, em Greifswald (Alemanha). Trata-se do maior, mais ambicioso e promissor reator de fusão nuclear já construído. Como é sabido, todos os reatores nucleares hoje em operação comercial ou militar produzem energia a partir da fissão (divisão) de átomos, tendo como subproduto o indesejável lixo radioativo que precisa ser armazenado por milhares de anos até se tornar inofensivo para a saúde humana e do ambiente. O reator Wendelstein é o maior avanço até agora na geração de energia por meio da fusão nuclear – um processo limpo, que não deixa como resíduo qualquer lixo radioativo. Consegue isto por meio da reconstituição, em laboratório, do plasma de que são feitas as estrelas. Coisa pouca, como podem ver.

Logo que ouvi falar do Wendelstein 7-X Stellarator, pensei se tratar de mais uma pegadinha. Antes do Google, minha dúvida teria persistido por muito mais tempo. Mas não. As fotos da coisa e as credenciais do respeitabilíssimo Instituto Max Planck estão em toda a parte na internet para provar que o Stellarator de fato existe. Se e quando poderá gerar energia de uma forma contínua e economicamente viável, ainda é cedo demais para se saber.

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Wendelstein 7-X Stellarator em Greifswald (Alemanha)

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Não se pode, no entanto, ter a mesma certeza em relação aos relatos de sucesso de experimentos envolvendo o EMdrive – conceito inovador de propulsão por meio de radiação eletromagnética emitida do próprio objeto impulsionado. Ou seja, algo tão absurdo como, estando embarcado em um veleiro, tentar movimentá-lo em meio a uma calmaria soprando em suas velas, numa flagrante violação da terceira lei de Newton (princípio da ação e reação). Tanto que é conhecido por muitos como o “motor impossível”. Farsa decifrada, portanto.

Só que não. Diversos protótipos do EMdrive foram construídos e testados desde 2001, ano de sua primeira formulação por Roger Shawyer, por grupos independentes, inclusive da prestigiosa NASA, de acordo com o princípio da validação em ciência pela reprodutibilidade dos experimentos. Em todos os testes realizados, níveis mínimos de impulso foram detectados. Céticos, no entanto, ainda refutam a eficácia do método de propulsão com base na terceira lei de Newton e prováveis erros de medição. Permanece, então, a dúvida sobre se o EMdrive é uma alternativa possível para as viagens espaciais ou, ao contrário, não passa de mais um engodo, por vezes chamado de pseudociência, a alimentar a imaginação dos mais crédulos.

EMdrive 2
EMdrive

Enquanto isto, é bem mais verossímil a tecnologia de propulsão iônica, explicada neste vídeo sobre a polêmica do EMdrive, ainda experimental e provavelmente inspirada no conto Vento Solar, de Arthur Clarke.

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