Por que ignoro deliberadamente a maioria das mensagens de áudio e vídeo que recebo

Tenho pouca ou nenhuma paciência com a profusão de mensagens de áudio e vídeo que parecem ter se tornado a regra em algumas redes sociais. Na maioria das vezes, sequer as abro.  As ignoro por completo, pois são sequestradores de atenção por excelência. Além disso, tudo que é dito num áudio pode, por definição, ser dito de modo mais sucinto e eficiente por escrito.

Vamos por partes. Sob o ponto de vista de quem ouve, todo áudio tem, de pronto, duas limitações, a saber, 1) não pode ser acessado recursivamente, isto é, indo e vindo, como num texto; e 2) quem o ouve não pode recorrer a nenhuma espécie de leitura dinâmica para se inteirar de seu teor;  as hesitações e pausas dramáticas estão todas lá, sem que possamos, de modo algum (como, hipoteticamente, numa impossível operação de fast forward), evitá-las.

Não se pode, por exemplo, visualizar instantaneamente uma espécie de resumo de qualquer troca de mensagens de áudio. Isto por que, depois de um tempo, toda conversa mantida desta forma se parece, na tela do celular, com uma sequência de ícones, idênticos e indecifráveis, cujo conteúdo tende a se perder na memória. Numa redução ao absurdo, conversar por meio de  uma alternância entre mensagens de áudio parece, para qualquer observador externo, tão esquizofrênico quanto seria conversar com uma secretária eletrônica.

Lembram daquelas geringonças mecânicas, logo substituídas por similares digitais e rendidas definitivamente obsoletas por telefones celulares all in one, universalmente equipados com serviços de leave your message ?

Em benefício das secretárias eletrônicas e dos serviços de mensagem ao menos pode ser dito que os mesmos não têm o agravante do protocolo, inerente às mensagens de áudio, do recebimento imediato e, consequentemente, imperativo tácito de reação imediata.

Já mensagens de texto não padecem da mesma dificuldade de rastreamento, sendo facilmente recuperáveis – especialmente se o emitente foi gentil o suficiente a ponto de realçar, sublinhando, em negrito ou ainda com cores e tamanhos diferentes, aquelas informações que mais provavelmente precisarão ser recuperadas pelo leitor. Isto é fácil de comprovar: costumo frequentemente procurar (e encontrar rapidamente !) citações em livros que li; experimentem, agora, procurar alguma passagem específica em algum registro sonoro mais extenso que tenham ouvido. Desnecessário dizer qual das duas tarefas é a mais ingrata.

Já sob o ponto de vista do emitente da mensagem, ocorre que, pela própria natureza improvisada da fala, que não permite correções ou edições, o resultado costuma apresentar um nível de redundância impensável para um texto escrito. Salvo, é claro, em falas ensaiadas, como apresentações ou podcasts de palestrantes experientes. Tal não é o caso, no entanto, da grande maioria das mensagens de áudio que povoam as plataformas digitais – que são, via de regra, falas casuais e relaxadas que mais parecem divagações proferidas descontraidamente num café ao redor de uma mesa de bar.

Todos os problemas acima levantados em relação a áudios existem nos vídeos, com um agravante: estes últimos são, além de grandes sequestradores de atenção, também grandes ladrões de memória, devido à quantidade enormemente maior de recursos que consomem para a transmissão e o armazenamento de informações visuais.

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Recentemente, pude comprovar na prática tudo o que disse acima sobre a desnecessária prolixidade deste tipo de mensagem. Convidado a ouvir um relato in loco sobre a calamidade na Itália, dei o benefício da dúvida a este tipo de comunicação tão caro, talvez  por que mais pessoal e/ou informal, a tantos usuários de redes sociais – tão somente para constatar que a maioria das informações relevantes eram replicadas várias vezes, como se a repetição pudesse agregar, de algum modo, importância ao que estava sendo comunicado, de tal modo que o que poderia ser dito e mostrado nuns 3 minutos ocupou, estimo, uns 12 ou mais de cada destinatário atento.

Há, é claro, exceções. Me habituei, na quarentena, a concentrar todas as minhas compras com tele-entrega no WhattsApp (sim, me rendi ao aplicativo que tanto execrava). Envio listas a cada fornecedor e trato de fazer outras coisas enquanto aguardo que tenham tempo para me atender. Acontece que, no melhor mercadinho de meu bairro, processam os pedidos que faço por escrito e enviam – talvez, sei lá, por não terem tempo para operar o caixa e digitar texto ao mesmo tempo – uma série de mensagens curtíssimas, de poucos palavras, do tipo “tal coisa nós não temos”. Trata-se, no entanto, como eu já disse, de uma exceção.

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Toda mensagem de áudio traz, implícito em suas entrelinhas, o subtexto “você terá que me ouvir, mesmo que eu não tenha tido tempo e/ou paciência para lhe escrever” – imediatamente se configurando, assim, como uma declaração de poder ou, no mínimo, um constrangimento. Ou ainda, se preferirem, uma invasão de privacidade (“quem disse que eu queria parar o que estava fazendo para lhe ouvir com atenção exclusiva ?”). Deste modo, são desrespeitosas, por parte de quem as envia, para com quem as recebe por clamarem, obrigatoriamente, a atenção concentrada dos últimos. Até por que, para tanto, existe (ainda) o telefonema que, ao menos, faculta a quem teve a atenção reivindicada a opção de uma resposta compulsória (i.e., tem que ser ouvida) e imediata.

É por estas e outras que não sinto nenhuma culpa por ignorar deliberadamente a maioria das mensagens de vídeo e áudio que recebo. Sei. Hão de objetar que este tipo de comportamento denota algum tipo de resistência ao progresso, que mensagens de áudio e vídeo são o state of the art das comunicações digitais, e que rejeitá-las é coisa de velho. Uma rabujice. Paciência. Nem todo avanço tecnológico resulta, automaticamente, num ganho em qualidade de vida.

 

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