Por que não frequento reuniões, bem como um olhar sobre a concepção de Steven Johnson sobre espaços que favorecem a criatividade

É conhecido e universalmente aceito o poder transformador de novas tecnologias sobre processos antigos. Sabe-se, também, que reuniões presenciais constituíram, por muito tempo, uma parte inalienável do cotidiano dos mais diversos coletivos, desde departamentos universitários até partidos políticos, passando por condomínios, clubes, agremiações profissionais e equipes de trabalho. Curiosamente, tais encontros tem resistido, com todos os expedientes que lhes são peculiares, como secretaria de palavra (que concede a permissão para falar) e redação de atas, aos mais variados avanços tecnológicos que em muito simplificariam  seu processo e logística.

Para ilustrar a obsolescência das reuniões presenciais, basta lembrar que, para que sejam levadas a cabo, é preciso que todos os seus participantes (que não costumam ser poucos) estejam num mesmo lugar ao mesmo tempo. Mas vamos por partes. Examinando, de início, suas funções, explícitas e subentendidas, apontando, aqui e ali, como poderiam ser melhor contempladas por meios digitais já amplamente disponíveis.

Explicitamente, reuniões servem para

comunicação de fatos do interesse da comunidade reunida. Embora tais fatos sejam do interesse de todos, isto não significa que cada um prefira tomar ciência dos mesmos no exato momento em que cada reunião ocorre. Para tanto, emails são não apenas suficientes como muito mais convenientes a cada participante, que poderá abri-los quando melhor lhe aprouver. É claro que defensores de reuniões objetarão que muita gente não abre emails – mas, afinal, que garantia existe de que todo participante de uma reunião preste a devida atenção em cada palavra proferida (especialmente na era das mensagens de texto, que podem ser silenciosamente lidas e disparadas) ?

discussão pelos participantes de questões polêmicas, i.e., nada que não possa ser feito num chat com vantagens dentre as quais, para citar apenas duas, 1) a facilidade para ler recursivamente tudo o que foi dito e 2) a facilidade para responder, se necessário, a algo que foi dito muito antes de falas imediatamente anteriores. Pois quem já não acabou esquecendo ou deixando de lado, numa reunião, alguma observação pertinente tão somente por que o secretário de palavra só lhe concedeu a mesma muito depois do assunto em questão já ter “morrido” ?

deliberação pelos participantes de posições a serem adotadas pela totalidade do grupo, que pode ser aberta, geralmente erguendo os braços, ou secreta, através de cédulas anônimas posteriormente contabilizadas. Novamente é preciso que se diga que qualquer plataforma de chat, onde os participantes são identificados por login, dá conta do recado. A bem da verdade, tais plataformas só não oferecem uma resposta satisfatória para votações secretas, para as quais assembleias ainda são necessárias. Mas sejamos realistas: quantas das últimas reuniões que vocês frequentaram tiveram votações secretas ? Ora, todas as outras poderiam ter sido mediadas virtualmente, com incontáveis vantagens para seus participantes.

Além destas funções explícitas, reuniões também podem ter por objetivo propiciar a seus “mestres de cerimônia” (chefes, síndicos, presidentes, diretores e toda sorte de líderes) uma plataforma privilegiada para que iluminem com seu verbo uma audiência silenciosa e impotente. Sei. Nem todos os chefes são assim, nem tampouco tenho como provar se isto acontece ou em que extensão. Uma teoria conspiratória, então, se quiserem. Mas nada me tira a impressão que formei, no tempo em que frequentava reuniões, de um certo gozo por parte de alguns que tinham ali seus momentos de fama.

Outra suposta vantagem das reuniões presenciais pode ser resumida em “o poder do olho no olho”, que significa que muitos podem perceber como vantagem falar encarando interlocutores. Tanto por um suposto maior poder de persuasão como por um também suposto meio de melhor avaliar se alguém está dizendo a verdade. Estamos aqui, no entanto, diante de mais percepções subjetivas e, como tais, não comprovaveis – permanecendo, portanto, no escorregadio terreno das teorias conspiratórias.

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Toda reunião presencial padece de um vício de origem maior, a saber, o estrangulamento do canal da palavra, que é tanto maior quanto maior for o número de participantes da reunião. Pois reza o protocolo desses encontros formais que, enquanto cada um fala, todos os outros devem permanecer em silêncio. Em grupos muito numerosos, tal cláusula pode se tornar uma verdadeira demonstração de poder – principalmente quando quem preside a reunião se reserva o direito de emitir réplicas para cada uma das falas que tiveram que se subordinar à secretaria de palavra.

Já numa reunião digitalmente mediada por chat, todos podem falar ao mesmo tempo. A grande vantagem deste tipo de agenciamento é que nenhuma ideia  se perde. É natural que tais debates, mais ricos por definição, sejam vistos com reservas por lideranças mais autoritárias.

Devo fazer, aqui, uma ressalva a respeito de um tipo de reunião virtual que se tornou bem popular nesta quarentena. Trata-se daquelas reuniões mediadas por aplicativos que dividem a tela do computador em tantos retângulos quanto forem os participantes, nos quais aparecem imagens dos mesmos captadas pelas câmeras de seus computadores. Entendo que tais reuniões não tiram o devido proveito do modo de agenciamento síncrono não presencial, pois, como ocorre em reuniões presenciais, enquanto cada um fala, todos os demais devem permanecer calados. Só me ponho a imaginar quão mais proveitosos estes encontros seriam se mediados por chat. Pois a aparente desordem da algaravia que se instala favorece, como veremos adiante, a criatividade – que é, por sua vez, função direta da maior colisão entre ideias.

Finalmente, reuniões por chat simplificam enormemente um processo inerente a quase toda reunião presencial, a saber, a feitura de atas, as quais não se tornam oficiais antes de serem lidas, aprovadas e firmadas, em reuniões posteriores, por cada participante da anterior à qual se refere cada ata. A redação de atas minuciosas é tão trabalhosa (podendo se estender por muito mais tempo do que as reuniões que lhes ensejaram) quanto entediante (por que nada de novo se cria neste processo), se constituindo, assim, como um enorme desperdício de tempo e energia e, como tal, num bullshit job exemplar. No caso de reuniões mantidas por chat, as atas são a simples transcrição de tudo o que foi escrito por cada um dos participantes, sem edições, omissões nem tampouco qualquer possibilidade de distorção de palavras. Simples assim.

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Alguns leitores podem ser levados a pensar que este desabafo se trata, essencialmente, de mais uma rabujice de alguém anti-social. Que não se enganem ! Pois não hesito em reconhecer o lado virtuoso de um tipo particular de reunião, informal e voluntariamente atendida, que acontece sempre que pessoas unidas por vínculos afetivos espontâneos se encontram, num café ou espaço congênere, tão somente para, por assim dizer, jogar conversa fora.

Antes que alguém se apresse em apontar que tais reuniões são, por definição, não focadas e improdutivas, me permitam dizer que Steven Johnson, no livro e palestra homônimos “De onde vêm as grandes ideias”, afirma que a ciência progride mais na conversa descontraída de um café do que, propriamente, no insight solitário de alguém que passa à posteridade como gênio. Que toda descoberta importante tem origem mais no acaso da fricção social do que na experimentação planejada e controlada por uma única mente, porquanto brilhante. Assim, sua obra consiste, noutras palavras, no elogio supremo da colaboração.

Seu exemplo matador é o de  dois pesquisadores americanos que, em 1957, conversavam na cafeteria sobre como ouvir sinais emitidos pelo recém lançado satélite soviético Sputnik. Com equipamento rudimentar, conseguiram detectar uma variação de frequência no sinal emitido pelo satélite quando de sua passagem pelo ponto mais próximo, num fenômeno conhecido como efeito Dopler, e a partir daí determinar sua posição exata. Indagados, então, por um chefe, se poderiam fazer o contrário, i.e., localizar um ponto estacionário na superfície terrestre a partir de um satélite se movimentando em órbita do planeta, acabaram inventando o GPS.

O livro de Johnson contém um impressionante apêndice com mais de 40 páginas listando, em ordem cronológica, as principais invenções e descobertas científicas entre 1400 e 2000, com seus respectivos créditos. Há versões alternativas e ampliadas de seu argumento em palestras proferidas no Google e na London School of Economics, ambas disponíveis no YouTube – bem como a sinopse abaixo, ultra didática.

 

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