O Despertar de Tudo, de David Graeber e David Wengrow

Disclaimer: se quiser saber mais sobre o livro que dá título a este texto e não tiver vontade nem tampouco paciência para se deter em divagações narcisísticas do autor de mais esta anti-resenha, avance a leitura diretamente para depois dos próximos três asteriscos (* * *).

Por que, afinal, anti-resenha ? Pois não é a primeira vez nem deve ser a última em que me refiro a um comentário sobre um livro lido desta forma. Penso ser por se tratar, antes de uma sinopse seguida por (ou intercalada a) uma apreciação crítica, de uma crônica do processo de leitura do mesmo. Ritmo da leitura (lento X rápido). Associações suscitadas pela mesma. Coisas assim.

Agora, se não tiver vontade de ler nem este preâmbulo nem a resenha que o segue, não perca mais tempo. Corra a uma livraria e compre (ou, mais provavelmente, encomende) o livro. É satisfação garantida. Tanto que me atrevo a lançar aqui, publicamente, o mesmo desafio, quase uma admoestação, proposto por Charlles Campos, anos atrás, ao me recomendar Colapso, de Jared Diamond, a saber, que, se acaso eu não gostasse, me compraria de pronto o volume que eu houvera adquirido por indicação sua. Convincente, não ? Tanto que comprei o livro. E gostei. Mas por que, no presente caso, tamanha autoconfiança ? Por que tenho certeza de que não se arrependerão. A propósito: o próprio Diamond é citado por Graeber e Wengrow em O Despertar de Tudo. Mais de uma vez.

Adquiri meu exemplar de O Despertar de Tudo na Bamboletras, por ocasião da palestra de um seu seus autores no Fronteiras do Pensamento que, para minha grande lástima, perdi. Antes, já havia resenhado o estupendo Bullshit Jobs – a Theory (ainda inédito em português) de Graeber, além de traduzir um artigo seu para Strike e Evonomics e uma entrevista para The Economist.

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David Graeber, antropólogo, e David Wengrow, arqueólogo, ambos autoridades reconhecidas em suas respectivas áreas, se lançaram, quase que como uma brincadeira, ao propósito de reescrever, em parceria, a história da humanidade. Uma ideia ambiciosa. Presunçosa, até – ainda que, como verão, só em aparência. Depois de uma colaboração que se estendeu por mais de 10 anos, publicaram O Despertar de Tudo.

A própria dimensão do volume resultante já dá uma ideia da envergadura do projeto. São ca. 700 páginas, 150 das quais só de notas e índice onomástico. Só que uma leitura que se apresenta assim, de um modo quase intimidante, vai se revelando pouco a pouco como fluida e convidativa. Seus autores intercalam um longo relato de dados de pesquisa que, outrossim, poderia parecer um tanto enfadonho, com argumentações brilhantes, críticas mordazes a seus próprios campos de conhecimento e, não raro, um humor refinadíssimo. Em suma, uma viagem intelectual das mais gratificantes que alguém poderia empreender.

Toda a narrativa é permeada por extensas citações de outros autores (e explanações sobre o pensamento dos mesmos), tanto daqueles com os quais os autores concordam como, o que é mais importante, daqueles de quem discordam – o que é mais raro e, portanto, louvável.

Com o avançar da leitura, algo que vai ficando cada vez mais patente para quem ainda não sabe ou desconfia é o quanto a “grande narrativa da história” está calcada sobre um número absurdamente pequeno de casos, não por acaso aqueles que melhor corroboram pontos de vista ostentados e/ou defendidos por seus  narradores contumazes. O quê ? Então quer dizer que a história não é neutra ? Lamento, aqui, se estou dando algum spoiler, mas acho bom você apertar o botão de reset. Mas devagar. Vamos por partes.

Como eu ia dizendo, com o avançar da leitura vão caindo por terra algumas noções românticas ou extremamente simplificadas que temos, por exemplo, da arqueologia. Esqueçam coisas como tumbas de faraós, saqueadores e Indiana Jones. Antes de ler o livro, eu não tinha ideia (me desculpem a ignorância) da enorme profusão que há de sítios arqueológicos ao redor de todo o globo. Nos inteiramos, também, que o conhecimento adquirido nesta área nos últimos 50 anos é muito maior do que o que se sabia, por exemplo, no início do século 20.

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Mas sobre o que é o livro, afinal ? Para responder a isto, nada melhor do que começarmos pelo final. Mais exatamente, por sua última frase: “Agora sabemos que estamos diante de mitos.”

O Despertar de Tudo é sobre mitos. Mais especificamente, sobre aqueles que sustentam a falsa sensação de inevitabilidade histórica. Para chegar a eles, os autores partem do pressuposto de estarmos num mundo altamente insatisfatório (pelo menos um deles é anarquista) e da consequente pergunta: “Como chegamos a isto ?”. Impelidos por esta “mola mestra”, embarcam numa jornada indagatória acerca de vários mitos, dentre os quais

  • a pouca credibilidade de filósofos indígenas brilhantes contemporâneos ao Iluminismo, já que, de acordo com o ethos dominante da época, toda profundidade intelectual seria privilégio de europeus, estando indígenas condenados, portanto, a um status de inocentes selvagens – até por que a existência de tais mentes brilhantes indígenas é geralmente fundamentada sobre relatos de colonizadores, geralmente religiosos, os quais estariam, por sua vez, irremediavelmente “contaminados” pelo tipo de narrativa que seus conterrâneos contemporâneos teriam gostado de ouvir. Neste contexto, não é por acaso que grandes filósofos indígenas desacreditados, como Kondiaronk, tenham sido justamente aqueles que dirigiram as críticas mais severas à forma de organização da sociedade europeia tais como o dinheiro e a dominação do mais fraco pelo mais forte;
  • a noção, formulada pela primeira vez em 1751 por A. R. J. Turgot e depois perpetuada por Adam Smith, de que as sociedades humanas, influenciadas pelo progresso tecnológico, passavam necessariamente por 4 etapas evolutivas – a saber, de caçadores-coletores, pastoril, agrícola e civilização mercantil urbana – correspondendo a última ao estágio mais avançado;
  • a ideia de que a propriedade privada foi consequência direta da revolução agrícola, seja pelo cercamento de terras ou pela manipulação de excedentes. Ora, pesquisas arqueológicas recentes revelam que, por um período bastante prolongado, de ca. 1000 anos (período, portanto, demasiado extenso para qualquer “revolução”), a humanidade flertou com a ideia do cultivo extensivo, hesitando entre o mesmo e um plantio lúdico, só para subsistência, e, no caso de alguns grupamentos humanos, rejeitou deliberadamente a agricultura extensiva;
  • a ideia de que a deliberação sobre formas de organização social é um fato bem recente na história humana, peculiar aos últimos séculos. Hoje sabemos que povos antigos, anteriores à escrita, já tomavam decisões políticas quanto às próprias formas de organização social;
  • a ideia de que governos centralizados e eventualmente estados se tornam obrigatoriamente necessários sempre que uma sociedade ultrapasse um certo tamanho. Ou, noutras palavras, estados são antes de tudo um problema de escala. Mas não é bem assim. Em todos os continentes, são muitos os vestígios de cidades e assentamentos pré-históricos de grande porte voluntariamente administrados por meio de formas de auto-gestão. Nestes casos, decisões eram tomadas por conselhos comunitários ao invés de por reis ou outras formas centralizadas de governo.

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Como bons cientistas, os autores adoram categorizações. Dois grupos recorrentes em todo o relato são as 3 liberdades humanas fundamentais, que são

  • a de ir e vir,
  • a de desobedecer ordens recebidas e
  • a de experimentar outras formas de organização social,

e os 3 pré-requisitos para a existência de um estado, que são

  • o monopólio do uso (ou ameaça de uso) da força ou da violência como forma de coerção,
  • o controle sobre a informação (burocracia) e
  • o poder carismático.

As 3 últimas categorias são usadas para caracterizar estados incipientes como estados de primeira ordem (aos quais faltam dois dos pré-requisitos acima) ou de segunda ordem (aos quais faltam um deles).

Quanto às três liberdades fundamentais, os autores afirmam que, enquanto a primeira e a segunda (i.e., a de ir e vir e a de desobedecer) não existem nos estados verdadeiros, nos acostumamos com (banalizamos) a ideia de que a terceira (i.e., a de experimentar outras formas de organização social) não apenas não existe como também nunca existiu.

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Em todo o relato, são muitas as evidências de sociedades pré-históricas, pré-colombianas ou mesmo posteriores à invasão do continente americano pelos europeus, de índole igualitária, que se auto-geriam repudiando deliberadamente a existência de reis ou qualquer forma de governo imposta de cima para baixo – não havendo, por outro lado, qualquer evidência de uma linha evolutiva obrigatória que culmine na existência de estados ou qualquer forma de poder centralizado. Ao final, os autores se perguntam aonde foi que erramos, deixando a questão em aberto.

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Curiosidade: por mais de uma vez ao longo do livro, Graeber & Wengrow se referem à conquista do continente americano pelos europeus, a partir de pouco mais de 500 anos, como “invasão”. O que nos remete de pronto à presença de franceses e holandeses no nordeste brasileiro, as quais nos acostumamos, desde os bancos escolares, a chamar de “invasões” (mais ou menos como o golpe de 1964 foi por muito tempo chamado de revolução) – o que sugere que o termo “invasão” nada mais é do que uma conquista que (ao contrário da invasão da América pela Europa, no dizer dos autores) não deu certo, i.e., na qual os “invasores” foram expulsos. Senão, seriam conhecidos até hoje como “colonizadores”. Noutras palavras, não existe linguagem ideologicamente neutra.

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Talvez a razão pela qual mais detesto resenhas é por que elas são, por definição, reducionistas. Especialmente neste caso, o livro é muito mais do que tudo acima. Então, na impossibilidade de destacar um único trecho como o mais representativo do mesmo, transcrevo, abaixo, a dedicatória – que, por alguma razão, me fez pensar no que Bill Evans sentiu por ocasião da morte prematura e inesperada de Scott LaFaro.

David Wolfe Graeber morreu aos 59 anos de idade, em 2 de setembro de 2020, apenas 3 semanas depois de terminarmos a escrita deste livro, que nos absorvera por mais de 10 anos. Começou como uma distração de nossas obrigações acadêmicas mais “sérias”: uma experiência, quase um jogo, em que um antropólogo e um arqueólogo tentavam reconstruir aquele tipo de diálogo grandioso sobre a história da humanidade que costumava ser tão comum nos nossos campos, mas agora com dados científicos modernos. Não havia regras nem prazos. Escrevíamos como e quando tínhamos vontade, o que veio a se tornar cada vez mais uma atividade diária. Nos últimos anos antes de concluirmos, e conforme o projeto ganhava impulso, não era raro conversarmos 2 ou 3 vezes por dia. Com frequência esquecíamos quem tinha aparecido com essa ou aquela ideia, com esse ou aquele novo conjunto de fatos e exemplos; ia tudo para “o arquivo”, que logo ultrapassou o âmbito de um livro. O resultado não é uma colcha de retalhos, mas uma autêntica síntese. Percebíamos os nossos estilos de pensamento e escrita convergindo pouco a pouco até se tornarem um fluxo único. Percebendo que não queríamos encerrar a jornada intelectual em que tínhamos embarcado, e que muitos conceitos apresentados neste livro se fortaleceriam caso fossem mais desenvolvidos e exemplificados, planejamos escrever as continuações: nada menos que 3. Mas este primeiro volume precisava terminar em algum ponto, e em 6 de agosto, às 21h18, David Graeber anunciou com uma grandiloquência típica do Twitter (e citando vagamente Jim Morrison), que estava pronto: “O meu cérebro se sente atingido por uma entorpecedora surpresa”. Chegamos ao fim como havíamos começado, com diálogo e uma constante troca de rascunhos, lendo, partilhando e discutindo as mesmas fontes, não raro madrugada adentro. David era muito mais do que um antropólogo. Era um intelectual público e ativista de renome internacional, que procurou viver de acordo com seus ideais de libertação e de justiça social, dando esperança aos oprimidos e inspirando inúmeros outros a seguirem esse exemplo. Este livro é dedicado à cara memória de David Graeber (1961-2020) e, como era do seu desejo, à memória de seus pais, Ruth Rubinstein Graeber (1917-2006) e Kenneth Graeber (1914-96). Que descansem juntos e em paz.

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A maior parte da riqueza não resulta de trabalho árduo. Foi acumulada como resultado do ócio e da improdutividade.

É hora de chamar a crise imobiliária do que ela realmente é: a maior transferência de riqueza jamais vista.

 Por Laurie Macfarlane

traduzido de Evonomics, originalmente publicado em Open Democracy.

13 de novembro de 2017

Uma das maiores afirmações do capitalismo é que as pessoas são recompensadas de acordo com seu esforço e produtividade. Outra é que a economia não é um jogo de soma zero. A beleza de uma economia capitalista, somos ensinados, é que pessoas que trabalham duro podem enriquecer sem tornar outros mais pobres.

Mas como isto se traduz na moderna Grã-Bretanha, berço do capitalismo e de muitos de seus primeiros teóricos ? Semana passada, o Office for National Statistics (ONS) divulgou novos dados rastreando como a riqueza evoluiu no tempo. No papel, o Reino Unido de fato se tornou muito mais rico em décadas recentes. A riqueza líquida mais do que triplicou desde 1995, aumentando ca. 7 trilhões de libras. Isto é equivalente a um aumento médio de quase 100.000 libras por pessoa. Dados impressionantes. Mas de onde veio toda essa riqueza, e quem dela se beneficiou ?

Mais de 5 trilhões de libras, ou três quartos de todo o crescimento, é contabilizado como aumento no valor das moradias – outro nome para o estoque imobiliário do Reino Unido. O Office for National Statistics explica que “isto se deve em grande parte mais ao aumento do preço dos imóveis do que a uma mudança no volume de moradias”. Isoladamente isto não é surpreendente. Sempre nos falam da importância de “colocar um pé na escada da propriedade”. O mercado imobiliário é há muito visto como uma fonte perene de riqueza.

Mas o preço de uma propriedade é feito de dois componentes distintos: o preço do prédio em si, e o preço do terreno onde a estrutura foi construída. Neste ano o ONS separou estes dois componentes pela primeira vez, e os resultados são surpreendentes.

Em apenas duas décadas o valor de mercado da terra quadruplicou, aumentando a riqueza registrada em mais de quarto trilhões de libras. A força motriz por trás dos preços crescentes dos imóveis – e da riqueza crescente do Reino Unido – rapidamente elevou o preço da terra.

Para os que possuem propriedades, isto proporcionou enormes benefícios. De acordo com a Resolution Foundation, proprietários de moradias nascidos nos anos 40 e 50 do século passado ganharam sem trabalhar uma fortuna de 80.000 libras somente entre 1993 e 2014. No início dos anos 2000, o crescimento do valor dos imóveis foi tão grande que 17% dos adultos em idade de trabalho ganharam mais com suas casas do  que com seu trabalho.

Semana passada The Times reportou que somente durante os últimos três meses, “baby boomers” converteram 850 milhões de libras de riqueza imobiliária em dinheiro usando produtos de “equity release” (*) – o índice mais elevado desde que começou a ser monitorado. Um terço utilizou o dinheiro para comprar carros, ao passo que mais de um quarto o usou para custear férias. Outros estão escolhendo comprar mais propriedades: o Chartered Institute of Housing descreveu como o mercado de comprar para alugar está sendo alimentado por imóveis antigos usando sua riqueza imobiliária para comprar mais propriedade e a alugando para aqueles que não conseguem colocar um pé da escada da propriedade. É aqui que encontramos o lado negro do boom imobiliário.

À medida que os preços dos imóveis continuaram a subir e a lacuna entre preços de imóveis e rendimentos de trabalho cresceram, o custo da propriedade imobiliária se tornou progressivamente proibitivo. Enquanto em meados dos anos 90 famílias de baixa e média renda podiam oferecer uma entrada como novos compradores depois de economizarem por cerca de 3 anos, hoje as mesmas famílias levam 20 anos para economizar para uma entrada. Muitos se viram progressivamente sem outra escolha a não ser alugar. Para aqueles aprisionados no mercado de aluguel, a proporção de vencimentos gastos com custos de moradia subiu de em torno de 10% em 1980 para 36% hoje. Ao contrário do que acontece com proprietários de imóveis, a maioria não possui riqueza em ativos resgatáveis para custear carros novos e férias.

Na Grã-Bretanha, temos que encarar a verdade sobre os trilhões de libras de riqueza acumulada por meio do mercado imobiliário em décadas recentes: esta riqueza veio direto dos bolsos daqueles que não possuem propriedades.

Quando o valor de um imóvel sobe, a capacidade produtiva total da economia não se altera por que nada foi produzido: a elevação se constitui meramente no aumento do valor do terreno em que o imóvel foi erguido. Sabemos desde os dias de Adam Smith e David Ricardo que a terra não é uma fonte de riqueza mas de aluguel – um meio de extrair riqueza dos outros. Ou, como diz Joseph Stiglitz, “obter uma fatia maior da torta ao invés de aumentar o tamanho da torta”. A verdade é que muito da riqueza acumulada em décadas recentes foi ganha às expensas daqueles que verão mais de seus rendimentos devorados por aluguéis mais altos e maiores pagamentos de hipotecas. Esta riqueza não foi “criada” – ela foi roubada de gerações futuras.

Preços de imóveis são agora em média quase oito vezes os salários anuais, i.e., mais do que o dobro do valor de 20 anos atrás. É improvável que preços de imóveis ultrapassem rendimentos de trabalho na mesma proporção pelos próximos 20 anos. As últimas décadas geraram uma transferência de riqueza única que não deve se repetir. Enquanto os principais beneficiários disto foram as gerações mais velhas, eventualmente isto será passado às próximas via herança ou transferência. O “Banco de Mamãe e Papai” já se tornou o nono maior credor hipotecário. O resultado não é apenas uma crescente fratura entre gerações, mas uma divisão de classes entrincheirada entre aqueles que possuem propriedade (ou alegam possuí-la) e aqueles que não as possuem.

Contabilidade confusa e economia irresponsável ensejaram este roubo. As contas nacionais governamentais registram a elevação do valor imobiliário como novas riquezas, ignorando os custos impostos sobre outros na sociedade – particularmente os jovens e aqueles por nascer. Ainda assim economistas saúdam a inflação do preço imobiliário como um sinal de força econômica.

O resultado é um mundo bem diferente daquele descrito em livros-texto econômicos. A maior parte da “riqueza” de hoje não é o resultado do empreendedorismo e do trabalho árduo – mas foi acumulada por meio do ócio e da improdutividade. Longe do jogo de soma positiva que o capitalismo pretende ser, temos um sistema no qual a maior parte da riqueza é ganha às expensas dos outros. Como John Stuart Mill escreveu já em 1848:

“Se alguns de nós enriquecemos durante o sono, de onde acreditamos que essa riqueza vem ? Ela não se materializa a partir do ar. Ela não vem sem custar a alguém, outro ser humano. Ela vem dos frutos do trabalho de outros, os quais eles não recebem.”

A crise imobiliária britânica é uma bagunça complicada. Consertá-la requer um plano de longo prazo e uma abordagem totalmente nova das políticas. Enquanto, todavia, isto não acontece, vamos chamá-la daquilo que realmente é: a maior transferência de riqueza jamais vista.

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Laurie Macfarlane é Editor de Economia em Open Democracy e Associate Fellow no Institute for Innovation and Public Purpose do University College de Londres. Antes disto, foi Economista Senior na New Economics Foundation. É co-autor do livro Rethinking the Economics of Land and Housing, aclamado pela crítica.

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(*) Equity release é um meio de se reter o uso de um imóvel ou outro objeto que tenha algum valor como capital, obtendo ao mesmo tempo uma soma ou um fluxo regular de rendimento utilizando o valor da casa.

A “pegadinha” é que o provedor do rendimento deve ser ressarcido num estágio futuro, usualmente quando o proprietário do imóvel morre. Portanto, equity release é particularmente útil para pessoas de idade que não pretendem ou não podem deixar um grande espólio a herdeiros ao morrerem.