Primeiros comentários sob um post sobre as razões de ser das orquestras

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Não é novidade para quem lê este blog que, de uns tempos prá cá, temos publicado, muito mais do que textos originais, comentários derivados dos mesmos. Só que a imensa maioria dos comentaristas ainda prefere comentar posts em redes sociais ao invés de nos sites e blogs onde são originalmente publicados – mesmo sabendo que a permanência do que é dito é muito maior em sites do que em redes sociais (soube, esses dias, que já há uma plataforma, acho que snapchat, que deleta tudo o que nela aparece pouco tempo depois !…).

Então, até como forma de dar continuidade a uma auspiciosa discussão que procurei, com o post anterior, iniciar, resgato, para a permanência do blog e para vossa reflexão, os primeiros e valiosos comentários deixados sob a divulgação do mesmo. Notem que, ainda que sejam apenas dois os comentaristas iniciais, deixaram pareceres qualificadíssimos, vindos de dois universos opostos, mutuamente excludentes – a saber, de um lado, o de quem é profundamente habituado a concertos e, de outro, o de quem precisa viajar 500 quilômetros para ouvir a orquestra mais próxima. Ameaçada, aliás, de extinção por determinação governamental.

Muito obrigado, então, Breno Freire, que ainda não conheço pessoalmente, e Solange Maciel, que conheci no sertão baiano, pelos ilustrativos comentários deixados, abaixo transcritos. Que sirvam de combustível a esta virtuosa discussão. Para que orquestras como a OSBA deixem de ser ameaçadas pela pura ignorância dos ungidos pelo voto.

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Breno Freire Tenho muito para falar sobre isso também. Faltou-me a iniciativa da escrita. Curioso para saber a justificativa da determinada passagem ” orquestras não podem nem devem ser populares nem tampouco (portanto) gerar lucros”.

Augusto Maurer Se orquestras flexibilizarem suas programações a ponto de se deixarem pautar predominantemente pelo gosto popular, deixam de cumprir sua função, que é a de tocar música composta originalmente para elas – correndo real risco de extinção, pois, fora do âmbito da música sinfônica, não conseguem concorrer com alternativas mais econômicas de performance. Por exemplo: por que utilizar uma orquestra num espetáculo de crossover, quando uma banda de rock pode dar conta da tarefa com muito mais economia e eficiência ? Obrigado por se interessar pela discussão !

Breno Freire Augusto, fundamental é falarmos sobre isso ! Se nós, os músicos, não discutimos e tivermos claro em nossas perspectivas os porquês de uma orquestra, estamos perdidos. Vamos lá, entendo seu ponto de vista. porém, ascendo a questão para alguns pontos:

1) Antes de tudo, penso que popularizar não é flexibilização de programação. Popularizar no meu ponto de vista, é tornar o evento economicamente viável para a prática de todas as diferentes categorias de remuneração da sociedade, a ponto de não se excluir público pelas condições determinadas pelo preço. A orquestra é fruto de trabalho humano, e portanto feita por seres humanos PARA seres humanos, TODOS e TODAS devem ter acesso a ela.

2) “gosto popular” – o que é o gosto popular ? Pela sua afirmação parece-me que existe um “gosto popular” que é aquele que é formado pela apreensão “fácil” de músicas ” fáceis” e o gosto “erudito” formado pela intelectualização da apreensão estética. Além de eu não concordar com essa fala, acho que ambos sabemos que um deles é forjado para alimentar uma cultura burguesa distante da realidade total em que vivem os seres humanos. A popularização das entidades orquestrais se dá justamente pela sua prática na sua plena forma do “dever-ser” e para além de uma questão de repertório, fornecer a humanização dos sentidos ao maior número de pessoas, estamos falando de trabalho humano. Se “privarmos” o acesso em decorrência de categorias salariais, vamos entender que a orquestra age como uma propriedade privada na sua forma de expressão plenamente capitalista, na qual a pessoa deve pagar para ter acesso. Sou a favor de caminharmos para custos de ingresso tendendo a zero, e assim a responsabilidade do Estado em comprometer-se com uma entidade que não busca lucrar, mas busca potencializar nas formas mais intensas e complexas, os seres humanos.

3) Repertório – O gosto por Beethoven só vai existir se a pessoa ouvir Beethoven. Mas para isso acontecer, ela precisa adentrar ao espaço do concerto, sentido que aquilo é parte dela, ou seja, que se identifique com a orquestra. Não é o repertório, na minha opinião, o fator determinante para a não potencialização da audição da música. Acho sim, que essas questões residem na esfera capitalista, em sua forma monetária. Pessoas de menor poder aquisitivo não vão, porque não tem acesso ( entenda acesso não apenas como determinação de valor, mas também cultural ) e por consequência, a questão do repertório acaba travestida num ponto que, na minha opinião, não é o dela. Orquestras devem tocar o repertório que para ela foi escrita e as pessoas terão a oportunidade de escolher se lhes agrada ou não, o que vai além de uma determinação de gosto por questões relativas ao dinheiro.

É isso meu camarada, um abraço. Obrigado por compartilhar.

Augusto Maurer Concordo plenamente que orquestras devem ser acessíveis a todos. Sou, no entanto, radicalmente contra a flexibilização por meio da facilitação de seu repertório em nome da ampliação da audiência. Então, parece que estamos de acordo. Mas reconheço que preciso clarear melhor alguns pontos. Tomara que esta discussão frutifique !

Breno Freire Também sou, Augusto ! Não é assim, no meu ponto de vista, que vamos encher as casas de concerto, não com essa falsa sensação de que se populariza por meio da “facilitação” de repertório. Todas as pessoas merecem um Gurre-Lieder, uma segunda de Mahler, um Willy Correa e um Pixinguinha.

Breno Freire Torço para florescer esse debate cada vez mais nos núcleos de música !

Solange Maciel Gosto muito de ouvir uma orquestra, embora onde moro há alguns anos, não tenha sido possível, até o presente momento, apreciar tal evento, e sempre pensei na ideia de acessibilidade das orquestras, mas, confesso, que pensava nessa “flexibilização de repertório”, na minha ignorância, até ler o que o senhor escreveu nessa resposta, professor Augusto Maurer. Realmente, agora entendi esse aspecto e concordo plenamente com o senhor. Essa flexibilização nos impediria de conhecermos um repertório mais vasto e diversificado, sobretudo, elaborado por quem efetivamente conhece uma orquestra. Achei muito interessantes e esclarecedores os seus argumentos.
Ah! E desculpe-me pela intromissão (extremamente leiga!) nesta discussão.

Augusto Maurer Muito obrigado, Solange Maciel, pela intromissão, sempre bem-vinda: com efeito, é só por isso que escrevo, i.e., tentando conversar e polemizar. Só para de me chamar de senhor – ou também vou te tratar por senhora !

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Atualização em 06 de janeiro de 2017: enquanto publicava os comentários acima, me chegaram mais dois, de frequentadores habituais de concertos, expressando opiniões de certo modo contrárias; o primeiro, reivindicando a ampliação do repertório por meio da maior inclusão de obras recentes e populares, com menos repetições; o segundo, advogando justo o contrário, i.e., mais repetições das peças mais populares entre ouvintes em nome da ampliação da audiência. O segundo comentário abaixo também trata com agudeza do problema da amplitude semântica da palavra popular, exigindo – com razão – definições mais precisas, das quais trataremos adiante. Difícil equação, cuja solução ainda não vislumbro. Fiquem, então, por enquanto, com mais estes argutos comentários resgatados da algaravia do facebook. E obrigado, André e Norberto, por se juntarem a esta importante conversa !

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Norberto Flach Tirando as grandes e centenárias orquestras europeias e norte-americanas, quais orquestras sinfônicas são “apenas” sinfônicas? Não têm que fazer parte de um contexto mais amplo, de arranjos sinfônicos de música popular, grupos menores para repertório de câmara, uma ou outra ópera, escola de música etc? É isso, ou a inexistência. (Agora, só aqui entre nós: acho que tem muita música sinfônica do século XX excelente ou pelo menos boa. Quero dizer: muito mais do que o pessoal costuma programar. São ingleses, europeus orientais, japoneses e por aí vai. Mas o pessoal prefere programar pela cagagésima vez aquela música para fogos de artifício).

Andy Serrano sobe esta passagem:

“Se orquestras flexibilizarem suas programações a ponto de se deixarem pautar predominantemente pelo gosto popular, deixam de cumprir sua função, que é a de tocar música composta originalmente para elas – correndo real risco de extinção, pois, fora do âmbito da música sinfônica”

O que me vem a cabeça são duas formas de entender a palavra “popular”…

Uma coisa é a orquestra que interpreta a “música popular”, do tipo “música popular brasileira” ou ” música popular americana”, ou “música popular alemã”, etc… ou seja, peças originalmente não sinfônicas.

e OUTRA coisa é a orquestra ter PEÇAS SINFÔNICAS que sejam do APREÇO POPULAR. (melhor não elencar Karmina nem Bolero pra não reeditar celeumas).

Minha opinião é que peças de apreço popular (e podem ser sinfônicas sim) são porta de entrada para que as pessoas entendam melhor uma orquestra, e passem, consequentemente, a buscar por mais apresentações das mesmas.

E tampouco penso ser isso um “mal necessário” para a orquestra… embora imagine que, depois de tocar a mesma peça tantas vezes, seja um saco também.