Por que odeio mensagens de áudio

Não é nenhum segredo para quem me lê (obrigado, caros leitores !) que tenho o maior pavor de mensagens de áudio – as quais considero, antes de tudo, verdadeiros sequestros de atenção. Principalmente por que, apesar do recurso de acelerar sua audição, não é possível fazer leitura dinâmica das mesmas. Assim, se precisamos recuperar alguma informação essencial, temos que ouvi-las na íntegra. Isto toma tempo. Muito tempo, É como se o emissor dissesse: “agora, o infeliz vai ter que me ouvir”. Neste sentido, podem até ser consideradas como afirmações ostensivas de poder. Minha reação default ? Simplesmente não as ouço. A menos, é claro, que esteja esperando alguma informação essencial de seu emitente.

Dizem seus apologistas que poupa tempo e, logo, é um recurso legítimo da comunicação contemporânea. Até por que, se o emitente não espera uma reação imediata do destinatário, preserva o respeito à privacidade do mesmo, i.e., ele só as lê quando quiser (no meu caso, SE quiser)). Mas será que é mesmo assim ? Há, por exemplo, quem grave uma sucessão de mensagens e só as envia depois de auditá-las uma a uma, recebendo, então, respostas imediatas – mais ou menos como naqueles diálogos por rádio cujo protocolo (ou condição técnica, sei lá) impede que dois falem ao mesmo tempo e exigem, portanto, que o final de cada fala seja pontuado pela interjeição “câmbio”. Mas se  o assunto é assim tão importante ou urgente, não seria o caso de se resolver tudo mais rápido num simples telefonema ?

* * *

Considerando, no entanto, tanto as vantagens (maior rapidez (?)) como as desvantagens (menor rastreabilidade), creio que há outro fator em ação, muito menos óbvio, a saber, o controle sobre as interrupções do discurso.

Não é novidade para ninguém a tendência histórica, tanto em meios de comunicação (broadcasting) como em redes sociais (narrowcasting), de atomização progressiva do discurso humano num número cada vez maior de falas cada vez mais curtas. A tal ponto de, para a melhor enunciação de ideias e/ou argumentos, tais interrupções aleatórias (i.e., fora do controle de quem está com a palavra) acabarem por se tornar francamente indesejáveis. Neste sentido, as mensagens assíncronas, tanto de áudio como de texto, se constituem numa espécie de reação contra esta tendência de atomização do discurso. É como se estivesse implícito em cada mensagem o subtexto “agora você vai ter que me ouvir”. Mais, até, em mensagens de áudio do que nas de texto, nas quais é possível simplesmente “passar os olhos”. Tipo “lá vem aquele chato outra vez”.

* * *

Por que tudo isto ? Por que, hoje, enviei minha primeira mensagem de áudio (algo que havia prometido para mim mesmo jamais fazer). Sucumbi à praticidade. Se tivesse internet, teria, é claro, digitado e enviado a resposta ao que me foi demandado. Mas acontece que a resposta era longa e simplesmente não consigo digitar mais do que duas ou três palavras no tecladinho virtual do smartphone (com dedos grossos, erro a tecla a cada dois ou três toques. Com isto, o envio de uma frase não maior do que uma linha acaba se tornando um verdadeiro suplício).

* * *

PS: Comentando com minha massagista, após ter escrito o texto acima, minha aversão por mensagens de áudio, ouvi dela um contraditório bem interessante, a saber,

  • que o problema não são as mensagens de áudio, mas as pessoas que não sabem usá-las, se valendo de rodeios e preâmbulos, como numa conversação social, antes de ir logo à informação essencial; e
  • (o que é mais interessante, por expressar um ponto de vista oposto ao meu) que, ao contrário das mensagens de texto, que nos obrigam a ficar “parados” concentrados em sua leitura, as de áudio, por mais longas que sejam, podem ser escutadas enquanto fazemos outras coisas. Tenho minhas reservas quanto a isto, por acreditar que o multitasking não passa de um mito e que o mesmo se aplica igualmente à atenção. Então, das duas uma: ou não se ouve direito a mensagem, ou não se faz direito o que se está fazendo ao mesmo tempo. Assim penso. Mas é claro que nem todo mundo é igual. Viva, então, a diversidade humana !