Avatares

Dá gosto ver quando os arquitetos do facebook tentam algo que não emplaca. Não foi preciso navegar muito para descobrir, no início desta semana, a tentativa desengonçada de incentivar, por meio de uma nova facilidade, usuários da plataforma a substituírem seus avatares por graciosos bonequinhos padronizados.

Confesso que não tive a menor curiosidade de conhecer o brinquedo, mas deu prá entender que se trata, como naqueles kits usados por policiais para compor retratos falados, de uma ampla palheta de cores de pele e cabelo, penteados, formatos de rosto, barbas e bigodes, óculos, narizes, peças de vestuário e, mais importante que tudo, sorrisos e olhares simpáticos. Ora, bem disse Luiz Fernando Verissimo, numa crônica sobre o E.T., que “olhos de bambi não vale.” Pois, com eles, podemos nos encantar com qualquer monstrengo intergaláctico. Com os avatares do facebook não é diferente: todos são simpatissíssimos.

Praticamente junto com o lançamento do aplicativo veio a teoria, conspiratória ou não, de que a coisa não passava de mais uma tacada dos donos das redes para se apossar de dados de usuários. Bem no clima dos excelentes documentários, tão em voga, The Social Dilemma e The Great Hack (respectivamente, no Brasil, O Dilema das Redes e Privacidade Hackeada) – ao que alguns, mais atentos, retrucaram que, de qualquer maneira, as redes já tinham esses dados, independentemente de quaisquer avatares fofinhos.

Então, só para não chover no molhado, prefiro me concentrar, ao invés de numa suposta intenção maliciosa, oculta por trás do novo brinquedinho, por parte de seus inventores, antes na motivação, talvez inconsciente, que tem levado tantos, até mesmo os mais inteligentes, a flertar com a novidade.

Antes, porém, de auscultar o fascínio exercido pelos bonequinhos sobre usuários, vale notar ao menos um aspecto técnico que tem escapado às teorias conspiratórias mais criativas, a saber, a economia de servidores. Isto por que, por mais variadas que sejam as combinações possíveis dos elementos disponibilizados na palheta para confecção de avatares – de tal modo que, embora até possam existir avatares iguais, é improvável que existam dois avatares idênticos na rede de qualquer usuário – ainda é mais econômico armazenar digitalmente (i.e., ocupa menos bytes) cada variável que compõe um determinado avatar do que os pixels que seriam necessários para uma imagem de perfil. Ok, dirão que tal economia é muito pouca perto dos zilhões de bytes necessários para guardar o interminável stream de memes postados por cada perfil – mas, enfim, se trata, aqui, de apenas mais uma teoria conspiratória.

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O que, então, leva tanta gente a, ao menos a título de experiência, compartilhar seu avatar com amigos do facebook ? Aqui, deve ser dito que, embora muitos tenham experimentado criar seu próprio bonequinho, tenho visto poucos adotarem sua versão cartunizada como imagem de perfil – daí minha alusão, no início deste post, ao divertido fracasso da iniciativa. Entre as carinhas sorridentes a nos acenar, encontramos amiúde comentários irônicos (o melhor que vi foi “meu avatar, minhas regras”) e fotos de macacos, Smeegle e beldades vintage como Liz Taylor ou Sophia Loren.

As razões para a adoção das fofurinhas se resumem em dois de seus atributos: simpatia e juventude. Prá começo de conversa, tem os “olhos de bambi” (confesso, adoro a expressão, plenisignificante, proposta por LFV). Depois, as peles lisinhas, como em desenhos animados seriados (nos quais não há tempo hábil nem tampouco técnicos em número suficiente para aplicar texturas customizadas em superfícies), não têm acne, rugas, pés de galinha ou linhas de expressão (em suma, marcas de vida) a denotar a idade e/ou o passado dos proprietários de cada perfil.

Conquanto a palheta de opções (que, repito, desconheço) contemple satisfatoriamente a diversidade étnica ou a obesidade (o facebook é sempre politicamente correto), imagino o quanto deve ser difícil compor um avatar que pareça feio, sujo ou pobre. Pelo menos, até agora não vi nenhum assim.

Então, no mundo perfeito dos avatares do facebook, todos são simpáticos, saudáveis e limpinhos. Não há excluídos – o que é perfeitamente lógico numa plataforma onde, sabemos, todo usuário está na mira como um consumidor em potencial. Ok, dirão, mas, muito antes dos bonequinhos fofinhos do facebook, todo mundo já se auto-glamourizava em redes sociais. Concordo. O facebook não inventou (será ?) o fato de que, nas redes, todos são legais. Isto é uma aspiração dos usuários. O que a plataforma, no entanto, inegavelmente passou a oferecer é uma valiosa ferramenta para sua realização.