Injeção no olho

Injeções estão entre as primeiras experiências dolorosas ou, pelo menos, assustadoras que vivemos na infância. Entretanto, logo nos acostumamos a tomá-las, por exemplo, na bunda, nos braços, nas coxas ou na barriga. Mas injeções em lugares menos carnudos, onde nenhum músculo separa a pele do esqueleto – como na testa – permanecem como um símbolo jocoso de uma sensação a ser evitada.

Por mais que perfurações ou queimaduras na pele, ou ainda a extração sem anestesia de unhas ou dentes, façam parte do repertório de qualquer torturador, o olho ainda é, de todas as partes expostas do corpo humano, a estrutura mais frágil. Como um órgão interno que, por força de sua especialização, a natureza não logrou nenhum meio de proteger melhor.

Some-se a isto tudo o mito de Édipo, que furou os próprios olhos, o qual, desde a invenção da psicanálise, paira em nosso imaginário como ícone absoluto de autoimolação trágica. Todo este complexo contribui para uma antecipação nada agradável do que seria, antes de vivida, a experiência de receber injeções nos olhos – pouco importando, no caso, se o flagelo do rei grego representou um ato voluntário de autodestruição enquanto que injeções nos olhos executadas por médicos donos de grande perícia e cercados de cuidados em ambientes hospitalares visam o aprimoramento da saúde visual.

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Foi neste estado de confusão emocional que fui, hoje pela manhã, pela primeira vez, receber injeções nos olhos. Nos dois. É um tratamento corriqueiro para diabéticos, mais estranho do que, propriamente, doloroso.

Blocos cirúrgicos são ambientes impregnados de estranheza. Não os frequentamos todos os anos. Conforme você progride através de salas cada vez mais estéreis, não há como não lembrar a hierarquia de assepsia dos níveis cada vez mais profundos dos laboratórios subterrâneos em O Enigma de Andrômeda, filme clássico de ficção científica de 1971. Não só a assepsia é impressionante, mas também as máquinas. Sabiam que gigantes óticas como a Zeiss ou a Nikon também se dedicam à fabricação de instrumentos oftálmicos de ponta ? A simples contemplação de todo aquele maquinário nos remete de pronto ao memorável sketch da “máquina que faz Ping !”, do Monty Python, em O Sentido da Vida (1983).

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Contrariamente a toda expectativa, o procedimento em si é tão rápido quanto indolor. Não vemos nenhuma agulha sinistra se aproximando do globo ocular. O médico pede prá você olhar prá baixo e, de repente, sentimos uma picada no lado de cima, onde menos esperávamos. É mais um desconforto do que, propriamente, uma dor, já que estamos anestesiados. Saímos de lá caminhando, com um olho tapado, sem sequer sentir as pupilas dilatadas como depois de outros exames e tratamentos oftálmicos.

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Este breve arroubo de lifecasting foi não só para pararem de reclamar que fico tentando impor a outros opiniões políticas e filosóficas (mindcasting) mas, sobretudo, para agradecer ao Dr. Abdo Abed e sua dedicada equipe pelos cuidados sem os quais eu não mais estaria enxergando !

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PS: não sei se isto é um efeito colateral das injeções, mas devo registrar que, depois delas, as moscas volantes que tanto dificultavam minha leitura… voaram para longe !