A hiperconexão ou o insuportável temor de se estar perdendo alguma coisa

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Raul Seixas

Me desconectei por completo. Não por alguma resolução consciente, voluntária, mas pela completa perda de interesse. Quando visito o Facebook menos de uma vez por semana, não consigo ficar muito tempo lá. Entrei no WhatsApp por necessidade de trabalho (quadros de avisos) e nunca leio o único grupo mais populoso do qual faço parte, no qual entrei por insistência de amigos e para não ter que dar explicações. Quando passei, agora há pouco, por meu blog gratuito, só prá ver se ele ainda existia ou já havia sido deletado pela WordPress, constatei que não escrevi nada nos últimos três meses.

Não que eu não tenha sentido, neste intervalo, nenhuma necessidade de escrever. Ao contrário. É um vício. Todos os dias, me surpreendo compondo mentalmente posts sobre os mais diversos temas para, logo em seguida, me perguntar: para que ? Primeiro, por que tudo o que eu disser já terá sido dito com mais propriedade algures por outrem e, segundo, por que, se ainda não tiver sido dito por ninguém, afinal, qual a importância, exceto para mim mesmo, do que eu teria a dizer ?

Vivemos numa era de excesso, camuflado em escassez apenas para valorizar artificialmente coisas comercializáveis. Excesso de informação, de produção de alimentos e outros bens e, o que mais nos interessa aqui, excesso de autoria. E neste excesso, o que não é produzido constantemente ou frequentemente atualizado, desaparece.

O fenômeno é bem conhecido. Já falamos aqui de clássicos do cinema menos visitados que, com o fim das locadoras e o alto preço da manutenção de conteúdos em servidores, se tornam indisponíveis e, portanto, invisíveis ou inexistentes. Há poucos dias falava com um amigo, compositor criativo, outrora presente nas redes através de seus CDs então recém lançados, que, ao googlar seu nome, descobriu que não mais existia no espaço virtual, já que não publicara nada nos últimos anos.

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Mas voltemos às redes. Quando as descobri, já tinha passado a febre do Orkut. Entrei no Twitter e logo migrei para o Facebook. Nunca tive a menor curiosidade pelo Instagram, pelo SnapShot ou pelo TikTok e, como já disse, só entrei no WhattsApp, que passo dias sem olhar, por necessidade de trabalho. Por isto, vejo com um misto de surpresa e curiosidade como tantas pessoas parecem ocupar, hoje, todo seu tempo disponível e mais um pouco com o feed de suas redes sociais. Nem acho mais preocupante, como já achei, que tais plataformas funcionem como sequestradores de atenção – pois, afinal, a mesma crítica pode ser feita a quaisquer outros meios e mensagens que favoritamos como, por exemplo, músicas, livros ou filmes.

O que mais me chama a atenção, nestes casos, são quais os mecanismos aditivos que levam usuários de plataformas sociais a querer saber, após cada conteúdo visitado, o que lhes reserva o feed em seguida. Não nos interessam, aqui, as razões financeiras que levam cada plataforma a “fidelizar” usuários desta forma, a nosso ver, doentia. O que me intriga é, na verdade, o que leva tantas pessoas a passarem tanto tempo grudadas num dispositivo a dedicar atenção a tantos conteúdos aleatórios um depois do outro.

Meio século atrás, a televisão já sofria esta crítica. Então, o que mudou foi a mídia, mas não o comportamento. Se este comportamento é, de algum modo, patológico, eu não sei. “Normalidade” e “adequação” são conceitos bem voláteis, que se amoldam ao espírito dos tempos. O que penso hoje é que, talvez, esta adição aos fluxos incessantes de informação estejam relacionados a uma noção do homem contemporâneo atualizado como aquele que tem ciência absoluta de tudo o que acontece a seu redor, dos círculos mais íntimos aos mais distantes, com um entendimento ou uma explicação satisfatória para tudo. Neste sentido, a assistência a fluxos intermináveis de informações contribuiria para atenuar a inquietante sensação de estarmos perdendo alguma coisa. Fora disto, seríamos não mais do que irremediáveis alienados. Só que, num mundo super conectado de informações abundantes, tal ideal é impossível ou, então, francamente patológico. Com a palavra os especialistas.