Contra Amazon (2020), de Jorge Carrión

Já disse em algum lugar que, para manter o hábito da leitura, costumo intercalar entre cada dois grandes livros outros bons que me caiam nas mãos, invariavelmente precedidos por boas recomendações. Contra Amazon é um destes. Ostentando o honesto subtítulo e outros ensaios sobre a humanidade dos livros, se trata de uma coletânea de textos do escritor, crítico e jornalista espanhol Jorge Carrión, tendo como apêndices dois pelo próprio Carrión, à guisa de post scriptum, sobre o impacto da Covid-19 sobre o sensível mercado livreiro, bem como outros por autores diversos, brasileiros em sua maioria, ligados ao ramo editorial e ao comércio de livros.

Escrito e publicado em 2017, o ensaio que dá nome ao volume é um manifesto conclamando amantes dos livros a não comprar no gigante do comércio virtual, cujas práticas são consideradas, com razão, predatórias em relação à rede mundial de pequenas livrarias e à diversidade da atividade editorial. Como exemplo do modo “sacrílego” com que a Amazon trata os livros, Carrión cita uma competição de robótica promovida pela empresa em que robôs deveriam recolher no menor tempo possível um patinho de borracha, um pacote de biscoitos, um ursinho de pelúcia e um livro.

Lido o primeiro ensaio, estupendo, a coletânea parece, por um momento, decepcionante, pois, em lugar de uma esperada continuação da bem articulada argumentação contra o monopólio virtual do comércio de livros, topamos com uma série de textos, conquanto igualmente excelentes, sobre bibliotecas e livrarias ao redor do mundo. Mas não por muito tempo. Pois cada ensaio, incluindo duas entrevistas monumentais, melhor definidas como conversas entre o autor e seus entrevistados, vale como uma verdadeira crônica de viagem, por vezes explorando recantos (invariavelmente livrarias e bibliotecas) de grandes metrópoles; por vezes sem sair do lugar.

Carrión é um viajante compulsivo. Que precede cada uma de suas explorações por uma cuidadosa pesquisa em livros de viagem e traça uma topografia dos lugares em que esteve através de suas livrarias. Muitas vezes, procura ver cidades pelos olhos de autores que nelas vivem ou viveram – como é o caso de Londres, Genebra e a ilha de Capri, respectivamente, por Ian Sinclair, Jorge Luis Borges e Curzio Malaparte.

Apaixonado pelos livros e pela leitura, Carrión tem especial apreço pela categorização. Assim, são examinados em profundidade diversos pares contrastantes, tais como livrarias X bibliotecas; livrarias de livros novos X usados (numa adorável conversa, em que cada um dos interlocutores defende um tipo específico de comércio) e bibliotecas públicas X pessoais. Nestas dicotomias, são discutidos à exaustão critérios de catalogação – ou a ausência dos mesmos.

Aqui e ali, a figura do livreiro é exaltada. Como aquele que sabe exatamente o que tem em suas prateleiras, independentemente de qualquer consulta a sistemas informatizados. Há também um ensaio sobre bibliotecas fictícias como a de Dom Quixote (Cervantes), a do Náutilus (Verne) e a de Babel (Borges). Dentre estas, notamos a falta da mítica biblioteca incendiada em O Nome da Rosa (Eco).

No périplo pelas livrarias do mundo, ganham destaque aquelas que ostentam alguma singularidade ou lançam mão de recursos criativos para atrair clientes (e turistas) num ramo de comércio que luta para sobreviver. Tais como, por exemplo, a cobrança de ingressos, espaços arquitetônicos diferenciados, facilidades multimídia e outras atividades que não o comércio exclusivo de livros. Também ficamos sabendo de curiosidades como a existência, no México, do Abutre de Livros, que caça tesouros ocultos em bibliotecas dos que já se foram (como bem diz Carrión, uma figura que só poderia existir no México, com sua peculiar cultura em relação à morte), ou dos revolucionários franceses de 1789 que arrancavam os livros das encadernações luxuosas, pesadas e padronizadas, emblemáticas da aristocracia, que atrapalhavam sua leitura.

Então, se você ama os livros e toda a cultura e os espaços que os cercam, não deixe de ler Contra Amazon. De preferência, antes de sua próxima viagem. Pois, com certeza, ela será diferente.

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Atualização: ironicamente, dá para comprar Contra Amazon, impresso ou como ebook, na Amazon.