A influência do cargo de Simon Rattle é menor do que a de um visconde

O que segue é a tradução de um artigo de Norman Lebrech publicado em The Spectator em 23 de setembro de 2017

O novo director musical da London Symphony Orchestra (LSO) pode pensar que tem mais controle do que seus predecessores mas, como todo director musical de orquestras nos dias que correm, não tem poder algum

Muito se falou do cargo dado a Sir Simon Rattle quando chegou à Orquestra Sinfônica de Londres. Ao contrário de seus predecessores – Valery Gergiev, Colin Davis, Michael Tilson Thomas, Claudio Abbado  ou André Previn – todos eles contratados como regentes principais, Rattle foi nomeado diretor musical, uma posição que implica em sérias responsabilidades administrativas. Como Rattle disse recentemente numa de uma dúzia de entrevistas concedidas à mídia: “- Valery não estava interessado, tampouco Claudio. Colin os amava, mas deixou bem claro que não queria nada que tivesse a ver com a administração, as audições ou o pessoal… Eu me involverei muito mais com o dia a dia.“

Será que vai ? De todas as erosões que afetaram orquestras na última geração, entre as mais significativas está a degradação progressiva do diretor musical. Tendo sido já altos déspotas que demitiam músicos ao bel prazer e tratavam orquestras com feudos pessoais – pensem em Toscanini, Beecham ou Solti – o papel evoluiu primeiro para um amigável  primus inter pares e, ultimamente, até para um pouco abaixo dos pares.

O fim dos tiranos não é de todo indesejável. Músicos de Boston ainda contam do oboísta que, demitido em meio a um ensaio, se ergueu e gritou. “– Foda-se, Koussevitzky !“ O maestro russo, pouco fluente no idioma inglês, retrucou, “- É tarde demais para se desculpar.” Despotismo deste tipo é decididamente indesejável.

Leonard Bernstein, protegido de Koussevitzky, inaugurou um estilo mais amigável, temperando seus ensaios com piadas judaicas e, ocasionalmente, baixando ambas os braços mãos para reger só com a expressão – como a dizer que o regente é um item de luxo, a ser usado com parcimônia e amplamente compartilhado.

Pelos anos 80, era comum que grandes maestros fossem diretores musicais em dois ou três continentes, alocando a cada orquestra fragmentos de sua preciosa atenção. Em suas ausências, seus poderes foram usurpados. Músicos tomaram a si o direito de escolher novos membros das orquestras. Em 1989, Herbert von Karajan se demitiu da Orquestra Filarmônica de Berlim após anos de amargura, depois que os músicos rejeitaram sua escolha de uma clarinetista principal em 1983, alegando que Sabine Meyer – que seria a primeira mulher a entrar na orquestra – não se adequava a seu som. Em 2005, Riccardo Muti foi dispensado do La Scala de Milão em razão de um voto de desconfiança de seus músicos.

Outras erosões se seguiram. Na ausência de maestros, gestores passaram a controlar conteúdo. “- Jamais deixarei um diretor musical me dizer que solistas contratar,” me assegurou o presidente de uma orquestra norte-americana. “- Tampouco aceitaria seus regentes convidados preferidos.” Patronagem costumava ser o charme de um maestro, se dando a velhos excêntricos um acesso a jovens talentos do qual alguns desavergonhadamente abusavam. O fim da patronagem acabou com o expediente. Exceto por Muti em Chicago e Barenboim na Ópera Estatal de Berlim, hoje é difícil se apontar uma instituição musical onde a voz dominante ainda pertença ao diretor musical.

Tomem Covent Garden (a principal casa de ópera inglesa). Antonio Pappano manteve o velho navio andando a uma velocidade decente por 15 anos mas foi impotente para impedir cortes em sua orquestra. Ao longo de 45 anos no Met (Nova Iorque), James Levine não deixou marcas duradouras. Quando sua amiga Kathleen Battle foi demitida por ser uma praga, Levine não pode readmiti-la. Na Ópera Estatal de Viena, tudo o que Franz Wesler—Möst conseguiu fazer quando suas produções foram cortadas pelo diretor geral foi se demitir, alegando que o cargo de diretor musical carecia de autoridade significativa.

Então, o que, exatamente, pode Rattle esperar realizar na LSO ? Ele disse a amigos que gostaria de ver algumas trocas de pessoal, mas contratar e demitir está inteiramente nas mãos dos músicos. Tudo o que o diretor musical pode fazer é empurrar e piscar para seus apoiadores e esperar por um resultado desejado. Rattle inaugurou a temporada com um programa inteiramente dedicado a compositores ingleses, a maioria deles vivos, mas a ele não será permitido impor qualquer programação além do que a bilheteria permita – a qual não suportará, por sua vez, mais do que um desses chamarizes por temporada.

O que Rattle deveria fazer é abolir excursões desnecessárias que exaurem seus melhores músicos, bem como datas de gravação no Abbey Road com aspirantes de quarta categoria. Mas a LSO precisa da grana dessas gravações e os músicos não tolerarão um diretor musical que interfira com filões lucrativos.

Num mundo perfeito, Rattle excursionaria com a LSO em seu próprio país, ao invés de em toda parte no estrangeiro, com um grito de guerra em prol da elevação de padrões. Isto não acontecerá, no entanto, por que o Arts Council não custeará nada que atenda demandas de públicos regionais. Tudo isto deixa Rattle com um cargo com menos influência do que o de um visconde. Um honorífico para enganar a mídia, a levando a acreditar em milagres. Estas limitações ajudam a explicar por que o novo diretor musical fincou tanto o pé em arrancar das autoridades públicas a construção de um novo teatro. Isto, ao menos, poderia ser creditado como uma conquista concreta.

A propósito do Dia das Bruxas, certas áreas onde mulheres ainda encontram mais dificuldades do que homens

"BRAVE"   (Pictured) THE WITCH ©2012 Disney/Pixar. All Rights Reserved.

Quem vai ao Google hoje vê uma bruxa tirando feitiços de um caldeirão. Para celebrar o Dia das Bruxas, não há nada melhor do inventariar situações em que o desfavorecimento feminino seja mais evidente. Como em ambientes tecnológicos e artísticos, por exemplo.

(curioso como, muito antes de escolhermos certos temas, são eles que nos escolhem, por meio de um bombardeio, nas PLNs, de referências convergentes, como as abaixo)

Não tinha ideia de como se dá o aprendizado da programação (de computadores) até ler a entrevista que Jay Rosen (jornalismo, NYU) fez com sua filha de 17 anos que vem tendo aulas de programação. De imediato, relacionei ao caso da filha de Howard Rheingold, que apresenta num filme para o Google o ambiente da empresa em que trabalha. Mesmo que não se trate, exatamente, nestes casos, de meninas comuns, não podemos deixar de pensar em que oportunidades de aprendizado de programação são oferecidas a meninas em nossas escolas.

Ainda esses dias a Folha traduziu do New York Times e republicou uma matéria sobre o apagamento histórico de biografias de mulheres pioneiras em áreas tecnológicas. Muito bem pesquisada e ilustrada. Ali, descobrimos o inexplicável sumiço, da história da tecnologia, de Ada Lovelace, matemática e escritora inglesa que viveu entre 1815 e 1852 e, entre outras coisas, escreveu o primeiro algoritmo computacional. O mesmo bias sexista se faz presente hoje em áreas tão distantes entre si como, por exemplo, o esporte ou os brinquedos.

Já no campo das artes, é notória predominância masculina em pódios orquestrais. Mais. Embora rigorosos processos seletivos já tenham equilibrado a presença dos gêneros em orquestras de todo o mundo, há, ainda, lamentavelmente, casos de orquestras totalmente masculinas. Como as filarmônicas de Berlim ou Viena, as quais, respectivamente, rejeitaram, no fim dos anos 80, o ingresso de uma clarinetista, protegida de Herbert von Karajan; e, no ano passado, de uma flautista. Cabe ressaltar que, em ambos os casos, as orquestras reprovaram, por maioria, o ingresso de virtuoses notórias como suas primeiras integrantes mulheres. Coincidência ? Acho que não.

E há mesmo, pasmem, quem trate de justificar, como o eminente finlandês Jorma Panula, para espanto das próprias alunas, que mulheres são biologicamente inaptas à regência orquestral. Sério. Pior. Ouvi testemunhos incríveis sobre isto, longe de qualquer consenso, de músicos e maestros acima de qualquer suspeita. Dentre os mais engraçados (posto que mais preconceituosos) argumentos que normalmente ouço em resposta à pergunta (que tenho mesmo por questão de pesquisa ou linha indagatória) de por que são tão raras as mulheres no pódio, se destacam:

” Então por que não há, afinal, mais mulheres regendo ? “

Esse, ao mesmo tempo tautológico e fenomenológico, simplesmente devolve a pergunta sem respondê-la, .  ao mesmo tempoessa é simples – ótima, no entanto para uma aula de história. Basta lembrar, para começar, que a atividade de regência nasceu ao mesmo tempo do que a militarização industrial das nações…)

” São incapazes de certos gestos mais enérgicos, até violentos, usualmente atribuídos ao gênero masculino. “

Questionável. Tanto no que se refere à capacidade do gesto quanto à necessidade do mesmo.

” Umas poucas que sucedem o fazem sob o preço de se masculinizarem. “

Esse, prefiro nem comentar. Quando o ouço, basta pensar em Alondra.

Alondra 3

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P.S.: uma variante bem interessante para a questão norteadora ” Por que mulheres são tão raras no pódio orquestral ? “ seria ” Por que mulheres, diante de orquestras, são bem mais frequentes como solistas do que como regentes ? “. Um verdadeiro portal para estudos sobre celebridades.