Net blues; ou O desencanto das redes

Há quase dois meses não escrevo neste blog. Acesso o facebook a cada dois ou três dias só para manter o hábito de felicitar uns poucos aniversariantes que conheço pessoalmente ou com quem já troquei ideias. Venho limpando as caixas de grupos de whatsapp dos quais participo mas não leio, usando o aplicativo somente para conversas bilaterais ou com pequenos grupos de trabalho, mais ou menos do modo como usava emails antes deles se tornarem um repositório generoso de mensagens “circulares” (i.e., genéricas, com mais de um destinatário).

A que se deve este, por assim dizer, cansaço ? Tenho, sem muito êxito, procurando respostas. Por muito tempo, redes sociais acalentaram a promessa de amplificar nossos contatos. As maravilhas do mundo conectado. A facilidade inédita de encontrar, muito mais do que entre nossos contatos presenciais, outros com os quais compartilharíamos afinidades, preferências, angústias ou indignação.

Contra esta miragem utópica, há o célebre número de Dunbar. Formulado pelo antropólogo Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, na década de 90, estima entre 1 e 230, com uma média em torno de 150, a quantidade de indivíduos que um ser humano pode, de fato, não apenas conhecer mas, também, saber como se relacionam com os demais membros do grupo. Vale notar que este costuma ser o tamanho de pequenas comunidades, como tribos, aldeias ou pessoas com interesses comuns.

Ora, redes sociais, talvez no intuito de potencializar interações, costumam admitir comunidades bem mais numerosas. O próprio facebook permite que alguém tenha até 5000 “amigos” antes de obrigar o dono de um perfil que atingiu este limite a converter sua página numa fan page. Não é preciso ser nenhum especialista em redes para saber que a diferença entre um perfil comum (com menos de 5000 amigos) e uma fan page (com mais de 5000) diz respeito, principalmente, à interatividade – pois, enquanto qualquer amigo de um perfil pode se dirigir ao mesmo, é vedado (ou, pelo menos, dificultado) aos seguidores de fan pages se dirigir aos donos das mesmas. Deste modo, enquanto perfis comuns podem se relacionar isonomicamente, de uma forma bilateral por default, fan pages são mais afeitas a celebridades – ou, num jargão mais moderno, influenciadores – voluntariamente blindadas ao feedback de seguidores. Por tais razões, postagens em perfis comuns podem ser consideradas como narrowcasting enquanto aquelas em fan pages, broadcasting.

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O que mudou: o facebook ou minha percepção sobre o mesmo ? Tampouco sei. Gostava de pensar que estava lá por causa de recomendações qualificadas, chegando mesmo a considerar meu feed na plataforma como minha rede pessoal de aprendizagem (ou PLN, para personal learning network). Só que cada vez menos encontro ali links interessantes ou linhas de navegação que eu tenha vontade de seguir. Será que minhas fontes secaram, ou é o algoritmo que anda me mostrando as fontes erradas ? Difícil responder.

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Faz pouco tempo que o documentário O dilema das redes adquiriu merecida notoriedade ao denunciar algo do que muitos já sabiam, a saber, que redes sociais, além de alimentar algoritmos cada vez mais sofisticados que servem à publicidade dirigida, também ampliam, para além do tamanho de grupos inofensivos, porquanto limitados pelo número de Dunbar, a fratura entre defensores de ideologias opostas, a qual pode, por sua vez, facilmente se converter em ódio. Pois, como disse uma vez um amigo, de forma apenas aparentemente simplória, “o ser humano, quando em grupo, é sempre mais idiota”.

Não estamos falando aqui, no entanto, deste perigo embutido nas redes, tão bem retratado no filme, mas, antes, de um tédio experimentado no uso das mesmas face à constatação de sua limitação em entregar o prometido e substituir, com isto, as redes presenciais.

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Para muitos, redes sociais trazem a sedutora promessa da publicidade dirigida. A democratização da propaganda, não mais limitada àqueles que podiam arcar com os altos custos da mesma junto a meios de broadcasting. A redenção dos pequenos negócios, que viram no network marketing a miragem de, finalmente, prescindirem de uma propaganda mais robusta e onerosa (e, a bem da verdade, anti-ecológica – pois quem, em sã consciência, ainda presta alguma atenção, depois do Google, em anúncios intercalados em páginas de impressos ou programas de rádio e TV ? Francamente, não entendo a sobrevida da publicidade, que ainda existe muito mais por teimosia de quem a faz do que por interesse de quem a consome…).

Mas não por muito tempo. É difícil não cansar de perfis pessoais dedicados a constantemente veicular mensagens comerciais. Por exemplo. Lá se vão já uns dez anos que uma blogueira que eu seguia no twitter declarou que estava deixando de seguir músicos, pois os mesmos só faziam anunciar shows dos quais participariam. Não sou totalmente contra o expediente – que deve, no entanto, ser usado muito parcimoniosamente, de tal modo que o network marketing jamais iguale ou supere, em número de postagens, o mindcasting. Ou mesmo, vá lá, o lifecasting.

Os blogs estão morrendo ?

Hossein Derakshan

Semana passada, Idelber Avelar, que dispensa apresentações, compartilhou um post de um blogueiro iraniano, Hossein Derakshan, que permaneceu ca. 6 anos preso pelo regime de seu país. Conversando com Milton Ribeiro, vim a saber se tratar de um post clássico.  Conferi. Lá pelo rodapé, se informava que sua tradução para o português fora publicada por uma revista mineira em 2015.

Nele, Derakshan lamenta a transformação sofrida pela internet durante o tempo em que permaneceu na prisão. Por volta do início dos anos 2000, a rede mundial se apresentava como um ecossistema de blogs, conectados e dialogando entre si por meio de uma malha de hyperlinks – imunes, deste modo, a qualquer controle por parte de alguma força ou poder central. O que encontrou, no entanto, ao sair da prisão, foram redes sociais de propriedade de grandes players tecnológicos dedicadas a prover seus usuários com feeds ou timelines sequenciais, determinadas por algoritmos especializados em auscultar e satisfazer as supostas preferências de cada usuário de modo a induzi-los a permanecer cada vez mais tempo nestas plataformas ao invés de, como antes, saltarem livremente de blog em blog.

Deste modo, seu célebre post, intitulado “Salve a Internet”, bem poderia se chamar “A morte da blogosfera” ou, mais genericamente, “A morte do hyperlink“. Numa de suas conclusões mais desoladas, Derakshan chega a equiparar  o  facebook à televisão.

Logo que passei rapidamente os olhos pelo texto, me deparei com algo que me pareceu, inicialmente, uma vulnerabilidade do argumento. Repetidas leituras não tardaram a me convencer, entretanto, de que o autor estava, na maior parte do tempo, coberto de razão. Posto ser inegável que a internet, inicialmente uma promessa de libertação da dominação imposta pelos broadcasting media, pouco a pouco se tornou um lugar onde poucos e gigantescos players formatam a informação que a maioria consome. De sorte que, temporariamente, abandonei o propósito de examinar um pouco mais de perto premissas que, de início, me pareceram superficiais ou apressadas. Ao mesmo tempo, me tornei um fã de Derakshan e, de imediato, um combatente em sua cruzada por uma internet mais democrática.

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Uma partícula de seu texto permaneceu, no entanto, reverberando em minha mente. Mais exatamente, quando diz, em tom de espanto, que, ao retomar, num surto de entusiasmo, à atividade blogueira ao sair da prisão em 2014, tudo o que sua super motivada escrita angariou, ao ser divulgada no facebook, foram três curtidas. O que o levou a concluir que, comparativamente a índices anteriores a seu encarceramento em 2008, sua audiência teria minguado drasticamente. Em seguida, culpa as redes sociais em geral e o facebook em particular pelo suposto declínio, em razão de uma suposta seletividade maligna de seu algoritmo.

Notem que, no parágrafo acima, uso o adjetivo suposto(a) duas vezes: primeiro em conexão com o declínio de audiência presumido pelo número de curtidas; depois, associado a alguma seletividade ideológica do algoritmo do facebook. Vejamos, então, por partes.

Ora, qualquer exame rápido das estatísticas de visitação de um blog é capaz de mostrar que o número de visualizações de um post supera em muito o número de curtidas da divulgação do mesmo em redes sociais. Deve ter a ver com a velocidade do feed, que faz com que muitas vezes não tenhamos tempo de curtir o compartilhamento por outrem de páginas que abrimos e lemos, na íntegra ou, na maioria das vezes, em parte.

Sobre a tal seletividade maligna do algoritmo. Ok, acredito em fantasmas e também em muitas teorias conspiratórias. Mas daí para se dizer que o facebook ou congêneres censuram deliberadamente os conteúdos que mostram em razão de posições políticas implícitas nos mesmos, menos. Bem menos. É claro que isto corresponderia ao ideal de muitos vilões de distopias da ficção científica.  Acredito, sim, que algoritmos possam identificar com alguma precisão a índole ideológica de textos compartilhados. Só que dificilmente isto se daria por algum tipo de análise semântica residente em alguma inteligência artificial. Não, ao menos, antes da implementação prática da web semântica sonhada por Pierre Lévy.

Então, é muito mais provável que o caráter ideológico de cada postagem seja determinado não pela leitura e interpretação automáticas de cada texto (imaginem o tempo e a capacidade de processamento que isto consumiria !) e sim pela mera quantificação aritmética de quem curte ou repudia cada publicação. Sabendo-se a inclinação política de cada usuário (o que não deve ser nada difícil), fica igualmente fácil, então, atribuir um rótulo ideológico àquilo que cada um curtiu ou execrou. Mais uma teoria conspiracionista ? Pode até ser. Só que bem mais verossímil, no entanto, do que robôs super inteligentes interpretando o que dizemos.

Postas estas ressalvas, cabe admitir que, conforme acredita Darekshan, seus posts escritos de 2014 em diante podem, de fato, estarem sendo lidos por um número significativamente menor de pessoas do que aqueles escritos antes de 2008. Nem tanto, todavia, em razão da recente centralização da internet em torno das plataformas de redes sociais (que ainda discutiremos neste post) mas, simplesmente, pelo crescimento exponencial da quantidade de blogs existentes desde seu surgimento até os dias que correm.

Até o momento, não obtive nenhum retorno de minha solicitação, pelo facebook, de um gráfico que desse conta deste crescimento. Mas as informações contidas na wikipedia falam bem alto. Quando surgiram, por volta de 1999, havia ca. 50 blogs; no final de 2000, já chegavam a poucos milhares; menos de três anos depois, saltaram para algo entre 2,5 e 4 milhões; hoje estima-se que existam em torno de 112 milhões e que 120 mil seja criados diariamente. Como eu disse, são números eloquentes.

Pensem agora na disputa entre todos estes sites na economia da atenção. Nos primeiros anos da blogosfera, todo autor era uma espécie de celebridade, representando posições independentes e/ou dissidentes em relação aos broadcasting media. Darekshan deixa isto bem claro ao afirmar que “Blogs valiam ouro e blogueiros eram como estrelas de rock quando eu fui preso em 2008.” Ora, é perfeitamente natural, então, que, com a pulverização do número de blogs de lá para cá, quando todo internauta se tornou um blogueiro em potencial, a audiência de cada blog tenha ficado restrita, salvo raras exceções (os tais blogueiros que são como pop stars), a um número progressivamente menor de leitores.

Meu amigo Milton Ribeiro costuma dizer, acho que como consolo a blogueiros neófitos, que a audiência espantosamente mais numerosa de seus blogs se deve fundamentalmente ao fato de já estarem no ar há bastante tempo; ouso duvidar disto, afirmando que seus blogs desfrutam de uma base privilegiada de leitores principalmente em razão dele ter começado quando ainda havia menos, muito menos blogs disputando a atenção de leitores. Quem tem razão ? O futuro dirá. Se daqui a dez ou vinte anos blogs que começaram hoje tiverem a audiência da qual Milton desfruta agora, ele terá razão. Se, no entanto, ostentarem números bem mais modestos, terei eu. Tanto faz, pois nem sei se haverá blogs até lá.

Não acho, no entanto, que o declínio assombroso da audiência dos blogs reflita alguma espécie de caduquice do meio mas, antes, uma irrefutável comprovação da realização de seu ideal – que é, ao menos segundo o que acredito, a possibilidade utópica de que todo e qualquer indivíduo tenha seu próprio lugar de expressão independente e omniacessível, para muito além dos limites de seu círculo pessoal. Já que, a rigor, qualquer um no domínio da linguagem e de alguma habilidade tecnológica (o primeiro é bem mais difícil do que o segundo) pode ter, a custos irrisórios ou inexistentes, seu próprio cantinho no ciberespaço. Outrossim, o anacrônico desejo, explícito ou não, de se tornar uma voz que se erga sobre as demais é, em 2017, absolutamente demodé.

Aqui, devemos falar sobre a incompreensível mania, que não obstante alimenta os sonhos de muitos, de tornar a atividade blogueira algo rentável ou até uma profissão em si. O que é tão óbvio e mesmo ridículo para qualquer um que entenda minimamente a economia da atenção num contexto saturado como o ecossistema de blogs em crescimento exponencial, não parece ser, no entanto, para alguns visionários ou, simplesmente, oportunistas. Por isto, me divirto todos os dias com as dicas monetizadoras de um site chamado Viver de blog, cujo nome é autoexplicativo. Tenho ganas de conhecê-lo. Seus cases de sucesso, ao menos. Só ainda não tive paciência.

Teimoso que sou, continuo achando que quem quer ser um broadcaster e investe num blog está apostando suas fichas no lugar errado. Pois blog são, idealmente e antes de mais nada, células expandidas e interconectadas pertencentes a uma rede neural – cujo poder (no caso, o conhecimento armazenado) reside, antes, distribuído na extensão da rede do que em quaisquer de suas células em particular. Se a proeminência de algumas delas sobre as demais se exacerbar, enfraquecem as conexões, morre a rede e, com isto, todo o conhecimento nela armazenado.

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Como sugeri acima, não acredito que redes sociais sequenciais como o facebook estejam matando na internet sistemas distribuídos como a blogosfera. Tampouco acredito que o facebook conspire contra a ecologia dos blogs ao não facilitar, em suas postagens, a inclusão de hyperlinks. Ao contrário, não apenas o facebook se constitui na mais poderosa ferramenta que conheço para a difusão de publicações em blogs, como facilita tremendamente a inserção de hyperlinks. Como ? – devem estar a me perguntar. A resposta é simples: nos comentários. Então, fica a dica. Se vocês estiverem se sentindo muito limitados por não poderem incluir em cada postagem no facebook mais do que um único hyperlink (o qual será generosamente destacado pelo algoritmo, inclusive com a possibilidade de seleção de uma imagem ilustrativa), basta incluir quaisquer outros no thread de comentários sob a postagem, à razão de um comentário para cada hyperlink que você queira destacar, que o facebook se encarregará do resto, mais facilmente do que em qualquer editor de blog.

É claro que a propalada seletividade do facebook não é nenhum segredo – seu vestígio mais emblemático sendo a configuração default “mais importantes” no canto superior do site, em “feed de notícias” – contra cuja persistência vitupera repetidamente meu amigo Marcos Abreu, mas que pode, no entanto, ser facilmente comutada para “mais recentes”. Por meio deste singelo ajuste, nos tornamos imunes ao intrometido algoritmo que insiste em mostrar o que ele julga “mais importante”.

Mas não é só isso. Autores como Harari bravejam contra a profusão de gatinhos fofos que somos obrigados a ver, volta e meia, na timeline. A resposta a este ranço é um tanto quanto óbvia, pois se os tais gatinhos insistem em aparecer diante de nossos olhos, detemos a responsabilidade exclusiva por convidar ou aceitar amigos que os postam. Não precisaria falar mais disto, mas nunca é demais lembrar que:

1) praticamente todas as postagens em redes sociais pertencem a uma das duas seguintes categorias:

lifecasting – postagens que dão conta do cotidiano de cada um, no intuito de glamourizá-lo, mas que são quase sempre irrelevantes para os outros. Ex.: pratos de comida sem as respectivas receitas; e

mindcasting – postagens, sob a forma de textos na primeira pessoa ou links compartilhados, que trazem em si algum fato ou ideia e buscam angariar apoio, sob a forma de concordância, ou desaprovação para os mesmos.

É, portanto, por meio de postagens de mindcasting que as melhores discussões se materializam em redes sociais.

2) redes sociais podem (ia escrever “e devem” mas, pensando bem, isto fica a critério de cada um) ser configuradas por usuários como personal learning networks (PLNs) – que é uma forma de descrever aquelas redes que congregam perfis notabilizados por compartilharem conteúdo informativo ou crítico.

Ora, configurando nossas redes como PLNs, por meio da análise criteriosa de quem admitimos em nossos timelines, privilegiamos a inclusão de sujeitos mais comprometidos com o mindcasting do que com o lifecasting e asseguramos, com isto, a manutenção de um, vá lá (dando algum crédito a Derakshan), canais de TV altamente customizados, informativos e provocativos.

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PS: Depois que terminei de escrever este post, Jean Scherf postou no facebook, em resposta a minha enquete, o seguinte gráfico: