Por que não vou a megashows de roqueiros veteranos

Quem lê este blog sabe o quanto gosto de causar polêmica. Por isto, regozijei ontem ao lograr dividir opiniões, no facebook, sobre megashows atuais de roqueiros veteranos. Li atentamente todos os comentários, compreendendo as razões de ambos os lados – me esforçando, no entanto, para me manter em silêncio (que esforço !), já pensando em explorar melhor o tema num post. O qual, advirto, não deve ser lido por quem pretende ir ao show do The Who em Porto Alegre hoje à noite. Não, ao menos, antes de ter ido ao show.

Há bandas e bandas; roqueiros e roqueiros. É, assim, um exercício totalmente inútil tentar discutir com fãs de uns ou de outros sobre os enormes méritos de seus ídolos em relação aos demais. Não cairei nesta cilada. Antes, tentarei me debruçar sobre certos atributos genéricos de apresentações requentadas, comuns à maioria dos astros veteranos que optaram, por razões pecuniárias ou quaisquer outras, por retardar indefinidamente o abandono dos palcos. Que me perdoem, então, os fãs das honrosas exceções.

Primeiro, preciso esclarecer por que tenho o rock, dentre os gêneros populares, como algo datado, intrinsecamente associado a experiências da juventude de seus apreciadores. Senão, me apontem um ouvinte que seja que, tendo vivido a juventude alheio ao rock (ou seja, numa caverna), desenvolveu algum tipo de apreço pelo gênero em idades mais maduras. Não conheço ninguém assim. Mas me disponho alegremente a conhecer tal sujeito, como objeto de estudo.

Assim, tendo a presumir que pessoas com mais de 40 ou 50 anos prefiram, em sua maioria, ouvir música sentadas, em ambientes relativamente silenciosos. Ouvir música em pé ? Pior: em meio a uma multidão de sovacos a erguerem celulares sobre suas cabeças ? Incluam-me fora disso. O megashow tem outros agravantes. Citarei dois. Exceto para os felizes portadores dos ingressos mais caros, os astros não serão mais do que minúsculos vultos distantes, tendo a maioria dos espectadores que se contentar com closes dos mesmos projetados em telões ao lado do palco. Depois, tem aquela passarela, que se estende perpendicularmente ao palco cortando o espaço destinado à audiência, na qual protagonistas empreenderão, ao longo do show, uma ou duas corridas ensaiadas – premiando, com isto, os que ousarem disputar um espaço junto à mesma com a fugaz sensação de maior proximidade com seus ídolos.

Música ? A música é secundária neste contexto, em que mais vale a comunhão entre os presentes no culto aos que se apresentam. Isto explica, ao menos em parte, o fenômeno dos celulares – pois, para muitos, mais importante do que estar lá é poder mostrar, aos outros e mesmo a si próprios, que se esteve lá.

But so much for the stage. Aos atores, então.

Comecemos por um preconceito. Com o qual, devo confessar, me identifico profundamente – a saber, o de que o rock é, acima de tudo, uma das mais intensas manifestações de espíritos jovens que habitam corpos jovens. Muito já se disse que rock é atitude e coisas semelhantes. Pois a atitude rock é, na maioria das vezes, explosiva, de inconformidade e rebeldia em relação a valores herdados à revelia. Com o avançar da idade, além de preferirmos ouvir música sentados ao invés de em pé, tendemos a elaborar nossa crítica a valores hegemônicos com os quais não concordamos de modo mais introspectivo ou contemplativo. Notem que, como eu disse, se tratam, aqui, de preconceitos, realçados pelas notáveis exceções. Pois bem. Acontece que a maioria dos roqueiros veteranos que espreito (confesso: jamais vi um show inteiro de algum…) são de velhos que se comportam e vestem como meninos, na tentativa patética de emular suas performances de décadas atrás. É claro que, nestes casos, os fãs são condescendentes, não esperando dos mesmos o  desempenho atlético e vocal de outrora.

A longevidade de certas bandas é, para mim, um completo mistério. Por exemplo, não entendo o êxito estrondoso de cada nova tourné dos Rolling Stones, invariavelmente anunciada como sendo a última. Outra coisa: o que faz com que uma banda veterana, com apenas alguns de seus integrantes originais, ostente a denominação que consagrou a banda ou, ao contrário, apenas o nome de seus integrantes remanescentes ? Como, por exemplo, o que faz com que Pete Townshend se apresente como The Who e David Gilmour ou Roger Waters não se apresentem como Pink Floyd – já que, em todos estes casos, o núcleo duro dos shows se constitua de canções de suas bandas míticas ? Desconheço detalhes, mas suspeito que o uso de nomes de bandas como marcas seja objeto de complexas disputas comerciais.

Ainda vou entender por que bandas de enorme sucesso como Beatles, Nirvana, Legião Urbana ou Mamonas Assassinas não tiveram qualquer carreira depois das mortes de, respectivamente, Lennon, Cobain, Russo ou todos os seus membros. Pois, em todos os casos, bastaria um produtor com algum senso de oportunidade e muita habilidade no manejo de contratos para garantir o influxo contínuo de dividendos sobre sucessos garantidos.  Seriam, nestes casos, as figuras dos intérpretes mais importantes do que as músicas ? A pergunta não é retórica. Vou modificar ligeiramente. O que é preferível: ouvir  membros remanescentes de bandas icônicas cantando novas canções desconhecidas ou, ao contrário, bandas cover interpretando velhos sucessos da maneira mais próxima possível à original ?

O megashow é território por excelência da indústria do espetáculo, comandada por produtores. Que, como os barões de qualquer indústria, abominam todo risco. Pois os investimentos são demasiado volumosos para sequer se admitir a hipótese de qualquer erro. Assim, sempre que ingressos são postos à venda para qualquer megashow, já se sabe de antemão que um público numeroso afluirá ao mesmo e dele sairá plenamente gratificado. Caminhando sobre nuvens. Vastos recursos de sonorização, iluminação e pirotecnia contribuem, além do elenco aclamado cuidadosamente escolhido para cada audiência, para a sinestesia da experiência.

Já uma situação totalmente diferente ocorre em espetáculos de gêneros musicais mais intimistas, como, por exemplo, o jazz, apresentados para plateias sentadas, escuras e silenciosas diante de um palco despojado de recursos visuais no qual músicos efetivamente correm riscos ao improvisarem em público.

Vale a pena, aqui, tecer algumas comparações entre o megashow de rock e o espetáculo intimista de jazz. Num a audiência é iluminada; no outro, não. Num o público faz parte da experiência; noutro não (vide, por exemplo, a quantidade de selfies tirados num e noutro). Um segue um roteiro minucioso, com todas as ações dos protagonistas cuidadosamente planejadas; o outro é aberto ao imprevisto. Num o público fica em pé; no outro, sentado. Num o público grita e canta junto; no outro, permanece em silêncio. Em qual deles vocês acham que ouvintes estão mais propensos a uma apreciação crítica ?

Para produtores e investidores habituados à indústria do espetáculo, a anulação do risco pode até ser tida como natural. Discordo. Pois tenho a imponderabilidade em relação ao êxito como um dos principais atrativos de qualquer manifestação artística. Pensem, por exemplo, no que seriam os famosos festivais de MPB televisionados ao vivo nos anos 70 sem o expediente da vaia. Os próprios reality shows de calouros atuais exploram ao limite a tensão entre o sucesso e o fracasso.

Além disto, no caso de manifestações radicalmente inovadoras, uma vaia contemporânea é um dos melhores indicativos de um êxito futuro. Lhes contarei uma história. Após a estréia de A Sagração da Primavera, fragorosamente vaiada pela platéia do teatro dos Champs-Elysées em 1913, seu compositor Stravinsky, o empresário dos Ballets Russes de Paris, Serge Diaghilev e o coreógrafo Vaslav Nijinsky retornaram juntos ao hotel. Diaghilev estava furioso; Nijinsky, em estado de choque e Stravinsky, radiante – somente o último, portanto, perfeitamente ciente do enorme triunfo que aquela vaia representou.

Mais sobre reality shows

big brother 3Reality shows são a derradeira tentativa da TV  ser, de algum modo, participativa – o que é absolutamente impossível, já que todo broadcasting é, por definição, centralizador. Isto por que a TV, por mais que queiram seus proprietários, jamais será colaborativa e/ou participativa de modo a incluir cada um de seus espectadores em seus desígnios (esta será, aliás, a causa de sua extinção nos próximos anos).

Reality shows falham sistematicamente em seu propósito não declarado de suprir continuamente novas celebridades. Vencedores do Big Brother não costumam lograr a grandeza sustentável de astros ungidos por outros modos de curadoria. Por produtores, suponho, na maioria dos casos. Pois foi, por exemplo, tão somente pela vontade de George Martin que os Beatles – e não outras tantas bandas juvenis provavelmente existentes na cena suburbana londrina de então – foram escolhidos para ter acesso às então caríssimas prensas fonográficas e programas de TV. Mas isto já é outra conversa.

Como dizia, reality shows apareceram com a desastrosa missão de prover à voraz cena do broadcasting um fluxo contínuo de novas celebridades. Que não se sustentam, todavia, após o fim do programa. Quando, então, vidas tidas como interessantes (ao menos por magos da TV) perdem todo e qualquer interesse para a maior parte da audiência tão logo deixam o ambiente privilegiado do espaço cenográfico.

Então vieram os especializados. Primeiro, os shows de calouros, como The Voice Brasil ou Superstar, que ainda não lograram, até onde eu saiba, revelar talentos sustentáveis como, por exemplo, no tempo dos festivais. Depois, alguém (preciso rastrear a origem do fenômeno !) se deu conta de que o que funcionava bem com microfones deveria também funcionar com panelas. Os concursos televisivos de cozinheiros foram uma decorrência natural. Assim como os de dança.

Já podemos estabelecer uma tipologia dos reality shows em razão do balanço que há, em cada um deles, entre a opinião popular e a de júris especializados. Nesta categorização, teríamos, de um lado, o grau máximo de concessão de poder à audiência (desconsiderem, por favor, o tremendo poder nas mãos dos produtores que escolhem os participantes do programa) em realities de confinamento como o Big Brother. Cujos produtores, inferimos, ousam confiar totalmente no discernimento de espectadores em se tratando de apreciação de vidas ordinárias (alheias, deve ser dito).

Em realities um pouco mais especializados, como os de música ou dança, produtores já não arriscam depender exclusivamente da avaliação popular, recorrendo, nestes casos, a um júri cuidadosamente designado, incluindo especialistas e profissionais reputados. São os casos dos júris em programas como The Voice Brasil, Superstar ou A Dança dos Famosos, cuja apreciação é balanceada com a avaliação popular.

Já os reality shows culinários são, presumivelmente, tidos por seus produtores como os mais especializados, posto que repousam exclusivamente sobre o julgamento de uns poucos especialistas, sem qualquer contraponto com um veredito popular. Acho isto muito estranho. Talvez, sei lá, por achar mais fácil cozinhar do que cantar. De sorte que, se a máxima participativa qualquer um pode [verbo no infinitivo], celebrizada em Ratatouille como qualquer um pode cozinhar  for verdadeira no que diz respeito ao canto ou qualquer outro fazer musical, tanto mais o será no que toca à arte das panelas. Talvez por isto não entenda todo esse hype em torno de bons cozinheiros. Ou chamem, se quiserem, de glamourização da culinária.

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Atinente à minha má vontade em relação a reality shows de qualquer espécie (ok, aquele sobre a família que fazia motocicletas artesanais até que era bem legal – mas não havia nenhuma competição envolvida – os caras, só por fazer o que faziam, eram vencedores absolutos !), perguntei no facebook sobre a sina de vencedores históricos do Big Brother esperando respostas vazias. Quebrei a cara. Soube que, entre eles, há várias apresentadoras de TV e até um deputado federal. Chama a atenção, ainda assim, que a grande maioria perseguiu, quase sempre com êxito, o único propósito de enriquecer investindo o prêmio ganho no programa. É, pois, perfeitamente razoável considerar o gênero como um retumbante fracasso em seu propósito velado de produzir novas celebridades.

Se a mesma argumentação também vale para reality shows musicais e culinários, talvez ainda seja muito cedo para se dizer. Antes, será preciso saber quantos vencedores do The Voice ou Superstar efetivamente embarcaram em carreiras musicais, ou que vencedores do Masterchef lograram alguma permanência em programas culinários ou seus próprios restaurantes. Até lá, muito lixo ainda está por vir.

(repararam que os quatro mais populares reality shows possuem nomes em inglês ? Sei que, para assistir a alguns dele, pagamos royalties no exterior. Será o caso de todos eles ?)