Fake Famous – uma experiência surreal nas redes (EUA, 2021)

Chegou ao HBO um novo documentário de denúncia sobre bastidores das redes sociais, mais ou menos na linha de O Dilema das Redes. Só que, enquanto o último se debruçava sobre algoritmos de distribuição visando a maximização do vínculo de plataformas com usuários e a coleta não consentida de dados sobre consumidores para comercialização, o tema de Fake Famous – uma experiência surreal nas redes é a fabricação de perfis falsos de influenciadores digitais bombados por milhares de seguidores inexistentes.

O documentário é uma realização do diretor estreante e jornalista veterano Nick Bilton, que recrutou em Los Angeles três voluntários sem quaisquer habilidades artísticas para produzir perfis falsos em redes sociais por meio de fotos glamorosas denotando estilos de vida que não tinham e inflados por milhares seguidores comprados (bots (robôs) que não correspondem a pessoas reais). Em poucos meses, tais perfis, alimentados por fotos assíduas curtidas e comentadas por bots, passam a receber gratuitamente produtos de marcas em troca de fotos ostentando os mesmos postadas no Instagram.

Se há algo de surreal nisto tudo é que nem as plataformas nem tampouco as marcas nelas promovidas, mesmo podendo identificar a proporção entre bots e pessoas reais na base de seguidores de influenciadores digitais, parecem se importar com o fato que que a maioria destes seguidores inexiste no mundo real. Pois o que importa, afinal, são os números e, é claro, que o dinheiro circule.

(aqui termina a resenha do filme;

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a seguir, algumas reflexões por ele suscitadas)

Tal desequilíbrio ecológico entre o que é investido neste tipo de publicidade e o que é efetivamente convertido em vendas não é, no entanto, nenhum privilégio da propaganda em redes sociais, já existindo desde os tempos dos anúncios em meios de broadcasting impressos e eletrônicos (rádio, TV, revistas e jornais). É, no máximo, uma tentativa de adaptação da prática bem antiga de bombardear, a altos custos, uma população indistinta na expectativa de que uns poucos indivíduos – quanto mais melhor – respondam favoravelmente a mensagem. Como pulverizar uma lavoura com pesticidas ou jogar panfletos de um avião para que apenas uma pequena parte dos mesmos atinja leitores interessados. Quem paga por tudo isto, incorporado ao valor dos produtos, são, é claro, os consumidores finais.

E chegamos, por fim, a esta figura emblemática do broadcasting que não faz, no entanto, qualquer sentido no contexto descentralizado (ou assim deveria ser) da internet, a saber, a celebridade.

A mídia tradicional, com seu número bem mais limitado de canais, depende da escolha, por vezes arbitrária (vide reality shows), de um número também limitado de celebridades suficientes para lhes prover conteúdo – celebridades, estas, modeladas por produtores por critérios de aceitação a fim de maximizar índices de audiência, principal atrativo dos canais de mídia para anunciantes que os sustentam.

Só que, na internet utópica, que promete uma comunicação bi-direcional e mais horizontal entre usuários, a ideia de celebridade não faz qualquer sentido. Redes sociais são regidas pelo número de Dunbar, que estima em 150 a quantidade de pessoas que a mente humana pode, em média, conhecer. Se isto for correto, então milhares de seguidores são, no mínimo, suspeitos enquanto milhões dos mesmos são, evidentemente, uma fabricação.

O documentário de Bilton foi ensejado pelo fato de que, no Instagram, 40 milhões de perfis possuem mais de um milhão de seguidores.