Beethoven tempi, outra vez

Nestes dias de ópera-rock farroupilha, nem vale a pena falar do assunto. Não que o tema, tão repugnante, não mereça. Ao contrário. É que tantos amigos vem se manifestando com tanta propriedade, tanto na mídia como em redes sociais (vejam, por exemplo, as ótimas peças de Claudia Laitano, Celso Loureiro Chaves, Milton Ribeiro e Francisco Marshall, para citar uns poucos), que, diante do brilho do que já foi dito, é melhor ficar calado.

É nestas horas, em que mais nos esforçamos para afastar nossa atenção do absurdo cotidiano, que certas preocupações recorrentes, tidas por artistas como leitmotiv ou acadêmicos como linhas de pesquisa ou indagação, mais nos ocupam a mente. Em meu caso, torno ciclicamente a ruminar sobre a fidelidade ou não aos tempos de execução diligentemente prescritos por Beethoven para cada trecho de suas monumentais sinfonias. Tanto que já me ocupei disto, ao menos, aqui e aqui.

Sei. Até há músicos bons e honestos capazes de sustentar firmemente que os  andamentos de quaisquer movimentos de sinfonias de Beethoven sejam prerrogativa exclusiva de cada regente no pódio. Há controvérsias. Talvez poucos saibam que Beethoven foi, dentre os compositores mais importantes, o primeiro a deixar instruções específicas quanto a isto aos chefes de orquestra futuros por meio de anotações metronômicas em suas partituras.

Vergonhosamente, é prática corriqueira desrespeitá-las. Se pode ter uma visão, ao mesmo tempo ampla e sucinta, de como pode variar o tempo de execução do primeiro movimento da Eroica (terceira sinfonia de Beethoven, composta em 1803 e 1804), neste fabuloso audiográfico, autoexplicativo, dentre os melhores que já vi.

Notem a lentidão das primeiras gravações, em especial as de Toscanini (1938 e 1945) e Furtwängler (1944 e 1952); em oposição à vivacidade das da última década da amostra, com Abbado (2000), Rattle (2002) e Chailly (2011). Notem também o baixo diapasão das orquestras de instrumentos de época de Hogwood (1985), Norrington (1987), Harnoncourt (1991), Gardiner (1993) e Savall (1994). Interessantemente, o pessoal dos instrumentos de época está entre os que mais aderiram às prescrições de andamento de Beethoven. Muito mais, pelo menos, do que seus contemporâneos.

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Sempre que o tema dos andamentos de Beethoven vem à tona, não há como não nos referirmos à primeira gravação integral de suas sinfonias segundo a vontade do autor, a saber, a coleção gravada entre 1987 e 1989 pelos London Classical Players, liderados por Roger Norrington. A edição, encaixotada pela EMI, é primorosa. O encarte, trilíngue (inglês, alemão e francês), de 94 páginas, tem o requinte de especificar a duração da unidade de tempo (notação metronômica, tipo “semi-colcheia igual a 92”) para cada nova seção, com a devida minutagem na faixa do CD, de cada movimento de cada uma das nove sinfonias. Chamem, se quiserem, de referência.