Maestros, obras-primas e loucura (2008), de Norman Lebrecht

Certamente com o legítimo intuito de tornar o volume mais interessante aos olhos de seu público-alvo (melômanos, audiófilos e colecionadores), o subtítulo, ausente no original, aposto à edição brasileira de Maestros, obras-primas e loucura, de Norman Lebrecht (a saber, a vida secreta e a morte vergonhosa da indústria da música clássica), é, no mínimo, desconcertante. Nenhum problema com a parte da “vida secreta” da indústria fonográfica. As fofocas (especialidade de Lebrecht) sobre executivos fonográficos e sua relação com as estrelas de seus catálogos são de primeira mão e muito elucidativas. As coisas se complicam com a expressão “morte vergonhosa” de uma indústria com seus dias contados desde o início. Vergonhosa para quem ? Por que ? Melhor seria tratar a questão como o “parêntesis da indústria da música clássica”. Espero que isto fique mais claro ao fim da leitura deste post.

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O crítico britânico Norman Lebrecht é provavelmente o maior cronista vivo da cena internacional da música erudita (aqui chamada de clássica), nela incluída a intensa atividade de gravação que se constituiu numa indústria durante grande parte do século 20, desde o advento da reprodução em série de gravações em discos de cera, acetato ou vinil, passando pelas fitas magnéticas e pelos CDs, até a implosão destas mídias pelo compartilhamento de arquivos e, mais recentemente, pelo streaming, ambos viabilizados pela internet. Sendo assim, é natural que maestros e executivos constituam a matéria-prima por excelência de seus textos. E do ponto de vista de quem dedica a vida a cobrir os bastidores deste cenário, poderia também ser natural que o livro se constituísse num lamento, como sugere o infeliz subtítulo. Só que não. Lebrecht escreve bem e, portanto, está acima desta tentação tão fácil.

Maestros, obras-primas e loucura (me nego a replicar o infame subtítulo) é dividido em três partes. Na primeira, conhecemos uma história detalhada, rica em datas e nomes, da indústria da gravação de música clássica. Maestros, solistas, orquestras, mídias, selos, técnicos, executivos, nada é deixado de lado. Uma história, inclusive, econômica, explicando como os “seis grandes” selos (RCA, CBS, Decca, EMI, Philips e Deutsche Grammophon), além de incontáveis independentes, se tornaram, através de fusões e aquisições, quatro grandes grupos (Universal, Sony-BMG, EMI e Warner). É a parte do livro, com ca. 150 páginas, para ser lida de ponta a ponta, de preferência sem interrupções e com um lápis à mão para sublinhar furiosamente.

As outras duas são listas, provavelmente compiladas de resenhas publicadas por Lebrecht ao longo de décadas e, como tais, se constituem muito mais como referências para consultas aleatórias. Na primeira (Obras-primas: 100 marcos do século da gravação), aficionados devem encontrar muitos de seus discos favoritos. A segunda é, entretanto, a mais divertida: Loucura: 20 gravações que jamais deveriam ter sido feitas.

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O melhor capítulo da primeira parte é, sem sombra de dúvida, o último, Post-mortem, no qual o autor abandona o papel de historiador para retornar a sua zona de conforto, a crítica, especulando sobre as razões que levaram ao declínio e virtual extinção uma indústria dominante por quase cem anos. Como possíveis causas para o colapso, Lebrecht arrola o excesso de produção; a indestrutibilidade do CD; a extravagância de Norio Ohga, executivo (segundo homem) da Sony, que passou a controlar a DG; a internet e o advento de outras mídias. É aqui que, respeitosamente, ousamos discordar. Não que Lebrecht não tenha, intuitivamente, percebido o problema. Ele até roçou a questão ao se referir, ainda que brevemente, ao excesso de produção. Esclareceremos isto, no entanto, mais adiante, depois de examinar um item no qual ele se enganou de modo gritante.

Falo, é claro, da suposta “indestrutibilidade” do CD. Não vou me deter, aqui, na infrutífera e interminável discussão sobre qual som é o melhor, se o do LP ou o do CD. Deixo esta querela para os audiófilos. Me refiro à durabilidade em si. Desempenhando bem melhor que o LP em quesitos como gama dinâmica (diferença de volume entre os sons mais fracos e os mais fortes), espectro de frequências, relação sinal ruído, “imunidade” quanto ao acúmulo de chiado e ruído residual da transmissão mecânica responsável pelo giro da mídia, o CD, ao longo de sua vida útil, também é inegavelmente mais estável – tão somente, no entanto, até que sua película metálica incrustada em plástico seja atacada por fungos, deixando a sequência de informações binárias nela gravada ilegível para o feixe de laser. Na reprodução, isso se traduz num click muito mais evidente (i.e., audível) do que os cracks de qualquer LP mais gasto. Por vezes, a própria sequência de leitura se perde, o que equivale a quando, num disco severamente arranhado, a agulha salta de um sulco para outro. Constato esta anomalia em CDs comprados há mais de 30 anos. Tenho, no entanto, muitos LPs adquiridos antes disto que ouço sem problemas até hoje.

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É bem fácil e até razoável se culpar o compartilhamento de arquivos pela internet pela extinção da indústria de gravações de música clássica. Não vamos, no entanto, problematizar isto aqui, até por que a questão pertence a um campo bem mais amplo e complexo: o da propriedade intelectual. Deixemos isto, então, para mais tarde.

Curiosamente, a indústria de gravação de música popular continua firme e forte. Apesar do fim das mídias físicas e do concomitante avanço dos meios de streaming. Como tudo isto é muito novo, o direito autoral se tornou objeto de intenso debate, com pouca jurisprudência ou princípios consolidados para a era da conectividade. Não que a indústria da música clássica tenha sido alguma vez uma competidora à altura para a da música popular. Mesmo nos tempos áureos, discos clássicos nunca representaram mais do que uns 20% (numa perspectiva bem otimista) do faturamento do setor. Então por que, desde o início dos anos 90 e culminando em 2000, as gravadoras populares permanecem enquanto os selos clássicos praticamente desapareceram ou, no mínimo, se desfiguraram ?

A resposta, ao nosso ver, reside principalmente na proporção em que cada música é percebida como um atributo maior de seu autor ou, ao invés, do intérprete. Se deixamos fora desta equação a figura do produtor, que abocanha parte substancial dos direitos do que é gravado, é por que ela existe tanto no setor popular como no clássico, sendo, portanto, de pouca utilidade em se tratando de contrastar um e outro.

Numa audição cega de versões de uma sinfonia de Beethoven por, digamos, Karajan ou Haitink, mesmo melômanos experientes identificarão o autor e a obra muito antes de chegarem a um veredito sobre a versão de qual maestro estão ouvindo. Já se ouvirmos versões de Elis Regina e Maria Rita (para citarmos duas vozes parecidas e do mesmo sexo) para uma mesma canção, provavelmente identificaremos a cantora muito antes da música.

Isto quer dizer que, desde que produtores assegurem um fluxo constante de repertório, novo ou velho, para cada intérprete popular, a visibilidade pública de cada novo álbum estará garantida. Mesmo que as canções já tenham tido dúzias de versões por outros intérpretes.

Na música clássica, não. Se algum maestro, incentivado por público, críticos, produtores ou o próprio ego, se lançar à empreitada de gravar pela enésima vez uma obra conhecida, a gravação estará fadada a uma competição inglória contra um volumoso acervo já existente. Sei. Melômanos podem muito bem preferir uma versão a todas as outras que conhecem. Mas dificilmente comprarão uma nova gravação de uma mesma obra se já estiverem satisfeitos com outra. Alem disso, para ouvintes comuns, uma sinfonia de Beethoven será sempre aquela velha e boa sinfonia que ele já tem em sua discoteca, independentemente de quem estiver brandindo a batuta.

Hão de dizer: “Então por que não gravam novos compositores ?” Justo. Há. porém, um problema. Toda indústria vive da desova de excessos de produção, apoiada pela publicidade – a qual, por sua vez, se especializa em nos fazer desejar consumir “mais do mesmo”, como se a felicidade dependesse disto. Ora, toda música composta até o fim do romantismo, incluindo compositores conservadores neoclássicos e neoromânticos, se baseia numa prática comum, na qual todos se debruçam sobre as mesmas harmonias e formas reconhecíveis. Querer que ouvintes comuns apreciem a abolição desse sistema de referência é como deixá-los no mato sem bússola numa noite nublada. Em sua agonia, a indústria da música clássica, ao perceber isto, se voltou, então, para a gravação da dita música antiga (medieval e renascentista), estranha ma non troppo.

Como melômanos existem em número bastante reduzido em relação à população (que gosta, sim, de música clássica, mas é indiferente ao tipo de sutileza que diferencia uma gravação de outra), não se pode dizer que constituam um mercado – o que derruba, por si só, a miragem de ter havido, alguma vez, uma indústria de gravação de música clássica. A música clássica surgiu numa época em que era a única possibilidade para espetáculos públicos, e a tentativa de enquadrá-la numa indústria próspera de reproduções em série só foi possível graças ao sistema de estrelas dos grandes selos, altamente concentrador, à valorização exacerbada de seus produtos (até o ponto em que viraram moda as “caixinhas” com integrais de sinfonias, quartetos, sonatas ou coisa que o valha de um mesmo compositor) e a seu financiamento pelo superávit gerado pela indústria de gravação de música popular.

Até que, por volta do ano 2000, os números revelaram inquestionavelmente o déficit do setor, com discos de milhões de dólares em custos de produção e poucas centenas ou até dezenas de cópias vendidas num ano. Desde então, podemos dizer que o mundo conheceu o que, num futuro não muito distante, talvez venha a ser chamado de parêntesis da gravação de música clássica.

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Dois livros importantes para se entender a indústria da música popular são Os donos da voz e Como a música ficou grátis, respectivamente, de Márcia Tosta Dias e Stephen Witt, resenhados aqui.

Dois livros para se entender a indústria fonográfica

Nos últimos 25 anos tenho me mantido, mais por força do hábito do que por determinação, um leitor de catálogos e manuais. Isto quer dizer que li, nas últimas décadas, muito pouca ficção, invariavelmente a pedido de amigos. Fora isto, os poucos volumes dos quais cheguei às última páginas tiveram a ver com algum interesse bem específico. Quase técnico. Como, por exemplo, a história da indústria fonográfica, desde sua expansão a partir de meados do século 20 até seu colapso frente ao avanço da internet.

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Já faz tempo que li a indispensável tese de Marcia Tosta Dias, publicada pela Boitempo em 2000, Os donos da voz; indústria fonográfica no Brasil e mundialização da cultura, abrangendo a história das gravadoras no Brail desde os tempos dos festivais e da bossa nova. Fundado sobre extensos de depoimentos primários de alguns de seus principais atores, como o executivo André Midani ou o produtor Pena Schmidt. O livro é um rico compêndio de dados sobre a indústria do disco no Brasil e no mundo. Fartos quadros de fusões e curvas de faturamento dão uma boa ideia de como este importante setor da economia (já repararam como os negócios mais lucrativos são justo aqueles ligados à beleza, ao entretenimento ou ao lazer, tidos por vezes como supérfluos ?) se comportou por mais de meio século.

André Midani
André Midani

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Pena Schmidt

Lendo Os Donos da Voz, fiquei meio incomodado com a predominância, sei lá se por hábito acadêmico ou o que, de muitas páginas dedicadas à explicitação de um referencial teórico/ideológico (Adorno, se não me falha a memória) que, conquanto importante de algum modo para a autora, é perfeitamente dispensável para o leitor em busca do que é prometido no título. Impaciente, queria chegar logo à parte que tratava da indústria da música no Brasil. Pois, ora, se quisesse ler sobre o frankfurtiano, comprava um livro sobre ele.

Também senti falta de um índice onomástico no lugar de uma bibliografia (outro vestígio inequívoco da origem acadêmica do texto), além de um certo sabor de história inacabada devido ao fato do volume não contemplar a então novíssima cena virtual e as reações da indústria frente à nova ameaça da pirataria. Não devemos, no entanto, culpar a autora por esta omissão – já que tudo aquilo era, então, ainda muito novo. Em que pesem estas arestas a serem aparadas da transposição da tese acadêmica para um relato destinado ao leitor comum, o trabalho permanece, no entanto, essencial para se entender como a economia afetou a história da música brasileira num período áureo.

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Ano passado, recomendações pelo facebook de Maria Estrella e Zeca Azevedo me levaram até Como a música ficou grátis (Intrínseca, 2015), do jornalista Stephen Witt. Como o livro de Dias, este também ostenta um subtítulo (como se editores no fundo duvidem que títulos destinados a públicos mais específicos chamem, de algum modo, a atenção de seus leitores em potencial…): O fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da pirataria.

Em favor do livro de Witt (ah, maldito estigma da comparação…) está o ritmo da narrativa. Ao contrário de Dias, intercala, com a maestria de um bom roteirista, fragmentos de narrativas de vários atores, todos eles centrais na história da indústria fonográfica, mas cujas trajetórias pessoais, todavia, jamais se tocaram. Como resultado, dá um sentido (ou, como talvez prefiram alguns, provê um contexto) para fatos que, de outro modo, pareceriam desconexos.

A base de consulta de Witt é ampla: dezenas de entrevistas e milhares de páginas de documentos examinados. Os quais, no entanto, não nos são mostrados sequencialmente, tal qual armazenados em arquivos. Ao invés, o texto salta dinamicamente de uma narrativa para outra a cada capítulo, começando com a história de Karlheinz Brandenburg e seu círculo, responsáveis por desenvolverem, no Instituto Fraunhofer (Erlangen, Alemanha), o algoritmo de compactação utilizado até hoje no formato mp3.

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Karlheinz Brandenburg

A seguir, passa a narrar a história da pirataria musical, constituída principalmente por anônimos, a partir da biografia de um de seus principais atores, Dell Glover, funcionário de uma fábrica de CDs da Polygram em Kings Mountain (Carolina do Norte, EUA) que, tendo progredido por anos a fio de empacotador e gerente, conseguiu vazar mais de dois mil CDs antes de seus lançamentos até ser pego por autoridades. Peça importantíssima para grandes redes piratas como a Scene ou seu subgrupo RNS, Dell foi um dos principais informantes de Witt, revelando, entre outras coisas, não conhecer pessoalmente, a não ser por conversas telefônicas mediante pseudônimos, o “dono” da rede a quem se reportava.

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Dell Glover

A perseguição por agentes policiais e braços jurídicos das gravadoras aos compartilhadores piratas mais eficientes foi sempre desastrada. Conseguindo chegar não mais do que a usuários finais, resultou principalmente em perseguições a estudantes e donas de casa enquanto responsáveis por redes ou servidores permaneciam, via de regra, impunes. Na maioria das vezes, incógnitos. Quando logravam prender alguém, como aquele australiano doido, dono do Megaupload, em sua casamata, se tratava de uma exceção, altamente celebrada e publicizada. Como, por exemplo, no insólito caso de Alan Ellis, dono do exitosíssimo site Oink (de compartilhamento via torrent), encarcerado pelo governo britânico.

Alan Ellis
Alan Ellis

Um dos raros piratas que efetivamente chegaram a cumpriram pena, Ellis se tornou notório por jamais ter utilizado, em benefício próprio ou para seu sustento, qualquer centavo das volumosas doações que seu site recebia, as quais mantinha – talvez por achar que, assim, melhor as protegeria contra qualquer confisco ou congelamento judicial – distribuídas em dez contas bancárias distintas.

Do lado da indústria, acompanhamos a trajetória de grandes executivos. Como Doug Morris, que esteve à frente, entre outras, da Warner, da Universal e da Sony.

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Doug Morris

Lendo o livro de Witt, sucumbimos à evidência de que o gênero que moveu a indústria nos últimos dez ou vinte anos foi, sem sombra de dúvida, o rap. Mais que a irreverência, acionistas de grandes gravadoras reconheciam em letras de muitos rappers o incitamento a sentimentos indesejáveis, como a violência ou o sexismo. Os mesmos eram, no entanto, tolerados em virtude de serem, entre todos os artistas dos elencos das gravadoras, os que mais rentabilidade apresentavam nas últimas décadas..

A certa altura, Witt dedica alguns parágrafos a esmiuçar o tipo de contrato tradicionalmente oferecido pela indústria fonográfica. Funcionava mais ou menos assim. Tendo escolhido um artista, a gravadora investia antecipadamente os elevados montantes requeridos para a produção, gravação e fabricação dos discos, descontando, depois, dos artistas, tais valores dos royalties que deveriam receber sobre as vendas. Por vezes, dados os custos extravagantes de algumas produções, músicos não recebiam praticamente nada pelas vendas de álbuns bem populares. Cabe, aqui, comparar este tipo de contrato – a saber, do acesso aos meios de produção por seus proprietários mediante o comprometimento de parte substancial da produção futura – com o tipo de acordo tacitamente outrora celebrado entre, de um lado, senhores feudais e, de outro, os servos que aravam suas terras.

Não é, pois, de se estranhar que, ao ensejo do impacto de novas tecnologias, tal tipo de contrato tenha sido abandonado. Com efeito, é bem mais provável que este tipo de contrato – muito mais do que, como muitos ainda acreditam, a pirataria – tenha “matado” a indústria fonográfica. De uns tempos prá cá, as poucas gravadoras corporativas (i.e., não indie) que sobrevivem, além de não mais investir na produção de qualquer artista (um investimento, como mostra Witt, de alto risco – já que, dos muitos nomes do elenco de qualquer gravadora, somente uns poucos podem ser considerados, efetivamente, como lucrativos), passaram, ao invés de pagar royalties por vendas de álbuns a artistas, a cobrar (sic !) dos mesmos parte de valores obtidos com a venda de ingressos para seus shows.

Temos, com isto, uma mudança radical do foco de atuação de uma indústria minguante procurando se reinventar para sobreviver. Pois quem antes vendia mídias físicas gravadas agora vende experiência presencial. Isto, aliás, ajuda a entender todos aqueles smartphones que se erguem hoje sobre as cabeças do público em muitos espetáculos.

O livro de Witt tem um epílogo desconcertante. Conta o autor que, tendo sucumbido definitivamente ao streamming, resolveu se livrar de vários HDs que guardara ao se desfazer de sucessivos computadores, alguns já ilegíveis, contendo milhares de álbuns baixados ao longo de várias décadas. Procurando uma empresa especializada neste tipo de serviço, foi conduzido pelo proprietário de uma delas até um recinto onde havia uma máquina de pregar. O sujeito, então, após se recusar a receber qualquer valor devido ao ínfimo porte do trabalho a ser realizado, efetuou com a pistola alguns disparos contra os HDs para, em seguida, os abandonar numa caixa ao lado que já continha a sucata de muitos outros.

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A tragédia da indústria fonográfica é seu fracasso sistemático em repetidas tentativas de abranger a qualidade e a diversidade. Pois a índole do capital é a devora do menor pelo maior, tendendo à existência de um número cada vez menor de conglomerados cada vez maiores, no que poderíamos chamar de um efeito espuma – na qual, com o tempo, há um número cada vez menor de bolhas maiores. Com negócios lucrativos – como foram, por muito tempo, as grandes gravadoras – não é diferente.

Alguns selos indie –  clássicos, inclusive – até perduram por algum tempo. Mas nenhum catálogo físico (como os HDs pregados de Witt) é ou será capaz de resistir ao apelo avassalador da internet e do streamming. Há coisas que, como a fotografia digital, vieram para sepultar outras. Ao menos quando competitividade comercial estiver em questão.

Como praticamente toda história, esta começou a ser contada a partir de seu final – com o qual temos, obrigatoriamente, maior familiaridade. Resta, então, para completar a narrativa do parêntesis da indústria fonográfica, esperar que alguém escreva o grande livro sobre o recém falecido George Martin, inventor da coisa. Quando poderemos ter, finalmente, uma perspectiva mais completa de como a economia afetou a música durante os últimos cinquenta anos.

George Martin
George Martin