A neutralidade da(s) rede(s)

A neutralidade da rede é um princípio que norteia o protocolo da internet, garantindo que qualquer conteúdo nela trafegue com a mesma velocidade, de acordo com a ordem de chegada, independentemente de quanto está sendo pago e por quem para que a informação nela viaje. Como numa fila única de transplantes.

Como todo princípio isonômico, há quem a ele se oponha. Os argumentos contra a neutralidade variam. Desde os mais comerciais, como garantir a quem pague mais o direito de suas informações circularem mais rápido e/ou eficientemente, como no caso de aplicações que demandam maior largura de banda, tais como plataformas de streaming; até aqueles supostamente mais “altruístas”, como o de que a neutralidade seria um obstáculo à inovação tecnológica.

Uma das propostas mais criativas é a existência não de uma rede única, neutra, mas de várias redes concomitantemente: uma neutra, universalmente acessível, para emails, blogs e sites menos acessados, e tantas outras quanto forem necessárias com facilidades para grandes usuários com necessidades mais específicas.

Assim, tendo surgido como uma condição praticamente utópica, que igualava grandes e pequenos no que tange ao tratamento recebido pela rede, a neutralidade logo se tornou objeto de debate. Tanto que possui nuances diferenciadas em cada país. No Brasil, a internet é neutra, regulamentada pelo Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

Para um entendimento mais abrangente e detalhado da neutralidade da rede, vale a pena consultar a Wikipedia – a qual, ainda que por vezes seja bem sumária, ao menos sobre este assunto é altamente informativa. E neutra.

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Mas não é sobre isto que vim falar. Perto de tudo o que encontrei facilmente sobre o tema, discorrer mais seria como chover no molhado.

Com certeza notaram a licença poética, por assim dizer, do título do post, com os “(s)” depois das duas últimas palavras. A ambiguidade se deve à referência tanto à internet como um todo, com seu controverso ideal isonômico, como, ao mesmo tempo, às redes sociais que nelas residem – as quais, por sua vez, de neutras não tem nada. Ou, ao menos, é nisto que, do alto de minha teoria conspiratória, acredito. Como tento deixar claro adiante.

Redes sociais residem em plataformas (sites) que residem na internet. Como todo site, tem seus proprietários. E, salvo notáveis exceções de sites colaborativos (wikis) não lucrativos que atendem a interesses públicos – como, por exemplo, a wikipedia ou a IMSLP (maior repositório online de partituras musicais), plataformas de redes sociais são, via de regra, startups que deram certo, com alto valor de mercado e que remuneram seus proprietários, sejam eles indivíduos ou acionistas, com polpudos lucros advindos da exibição de publicidade (mais comumente) ou venda de assinaturas para versões ad free.

Até aí tudo bem. Já banalizamos a ideia de que o mercado está aí para quem dele saiba tirar proveito. Todo o problema começa com o algoritmo de distribuição – o qual, numa rede, seleciona quais postagens são (e, o que mais nos interessa, não são) mostradas a cada usuário. Num mundo perfeito, algoritmos seriam transparentes (como, sei lá, a programação em código aberto), configuráveis às necessidades e preferências de cada um. Mas não. Funcionam como caixas pretas, sobre cuja ação podemos não mais do que tecer suposições. Teorias conspiratórias inclusive, como aquela adiante.

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Antes, porém, de prosseguir, cabe um esclarecimento: minha experiência primária se restringe a uma única rede social, a saber, o facebook (não consigo acessar com a devida frequência (que dirá nela interagir) mais do que uma). Não descarto, portanto, a existência de outras redes mais transparentes no tratamento da informação que nelas circula.

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Algoritmos de distribuição existem por que o grande volume de informação (acho que o nome disso é metadados) torna proibitiva a análise por humanos de todos os conteúdos que circulam em redes sociais. Tecnologias de inteligência artificial para reconhecimento de imagem já permitem, no entanto, atribuir automaticamente um viés moral ou ideológico a cada postagem ilustrada. Amigos já tomaram ganchos por postarem imagens com seios, bundas ou genitálias. Pouco importa se forem “nús artisticos”. Experimentem, por exemplo, postar uma reprodução de A Origem do Mundo (BRINCADEIRA, NÃO FAÇAM ISTO !).

Também é fácil para um algoritmo identificar e, conforme o caso, impulsionar ou ocultar imagens contendo símbolos tais como, por exemplo, uma estrela de Davi ou uma bandeira palestina. Com texto, no entanto, a coisa é um pouco mais complicada. É difícil apontar o matiz ideológico de algo escrito exclusivamente pelas simples presença ou contagem de palavras. Da seguinte maneira. Mesmo que vocábulos como capitalismo ou Marx apareçam uma ou mais vezes num texto, nada podemos afirmar sobre o viés ideológico do que foi escrito, i.e., se o texto é apologético ou condenatório em relação aos mesmos.

Ou, ao menos, assim eu supunha até poucos dias atrás. Quando manifestei meu ceticismo sobre o estado da arte da interpretação automática de textos, um de meus filhos simplesmente perguntou “– Conheces o ChatGPT ?” Talvez ele tenha razão. Se uma IA já consegue criar um texto convincente a ponto de passar por uma formulação humana, o caminho reverso (i.e., entender algo escrito por um humano) não deve ser, afinal, tão difícil. E, neste caso, vale atualizar a proposta por Harari, em The Economist, de uma legislação que obrigue aplicações que utilizem IA a informarem seus usuários sobre isto; para outra que também obrigue plataformas de redes sociais que utilizem algoritmos de distribuição seletivos que informem seus usuários sobre o funcionamento dos mesmos. Talvez como seu código fonte, ainda não compilado, comentado para inteligibilidade universal. Sonhar não custa nada.

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Desde lá de cima, venho prometendo relatar a experiência, involuntária, que funcionou como um sinal de alerta para o fato de redes sociais não serem tão neutras como era de se esperar. Não sou ingênuo, é claro. Sempre suspeitei. Até sabia. Mas os fatos abaixo narrados só aguçaram minha percepção da coisa.

Até poucos anos atrás, sempre era informado pelo facebook de novas postagens pelos perfis de Evonomics (Holanda) e The Guardian (Inglaterra), duas publicações que prezo sobremaneira. Por vezes até traduzi matérias suas neste blog. Só que, ultimamente, notei que há muito não vinho sendo informado pelo face de atualizações destes perfis. Cheguei até a pensar que Evonomics tivesse saído do ar (The Guardian não, por ser um jornal londrino bem tradicional). Preocupado, verifiquei que os bravos holandeses continuam firmes e fortes, tanto no site como no facebook.

Comentando com meu amigo Fábio o ocorrido, ele teceu a hipótese de que, se eu curtisse as postagens dos dois, o face voltaria a me mostrá-las. Entrei, então, em ambos os perfis e curti por atacado. Esperei. Nada. Aprendi, com isto, que, doravante, teria que visitar os perfis (ou os próprios sites) se quisesse saber de novas atualizações, não mais podendo contar com o facebook para tanto. Problema resolvido. A curiosidade, todavia, persistiu.

De início, pensei que o face estivesse ocultando postagens de grandes publicações. Afinal, já tinha ouvido falar que o site “não gosta” de postagens com links que direcionem a navegação para fora da plataforma. Faria sentido. Só que não: continuo a receber normalmente atualizações de The Economist e The New Yorker, entre outros.

Foi então que me dei conta: os dois perfis que sumiam de meu feed são notórios por um viés que, se não escancaradamente de esquerda, não pode de modo algum ser definido como de direita. Ok, The Guardian pode ser classificado como de esquerda. Mas Evonomics publica textos que, de alguma forma, vislumbram possibilidades para “consertar” a iniquidade inerente ao capitalismo.

Já disse, acima, que acho difícil (mas não improvável) que um algoritmo identifique o teor ideológico de um texto para, com base nisto, decidir por sua evidência ou ocultação. Bem mais provável é que publicações maciçamente visualizadas sejam marcadas (talvez até por humanos) como desejáveis ou não no feed de usuários de redes sociais, segundo a matriz ideológica de seus proprietários.

Pouco importa, então, se postagens (ou, mais provavelmente, perfis) são impulsionados ou ocultos com base em julgamento humano ou exclusivamente algorítmico. O que fica patente é que, como já foi dito, de neutro o facebook (e provavelmente outras redes) não tem nada. CQD.

Você trabalha mais do que 39 horas por semana ? Seu emprego pode estar lhe matando

Longas jornadas, stress e inatividade física são ruins para nosso bem-estar – ainda assim estamos trabalhando mais duro do que nunca. Não é hora de voltarmos atrás ?

Publicado originalmente por Peter Fleming em The Guardian em 15 de janeiro de 2018

Quando um grupo de estagiários chegou recentemente ao Barclays, de Nova Iorque, descobriram um memorando em seu correio eletrônico. Era de seu supervisor no banco, assim intitulado: “Bem-vindos à selva”. A mensagem continuava: “Recomendo que tragam um travesseiro para o escritório. Torna o sono sob a mesa de trabalho bem mais confortável… O estágio é realmente um compromisso de nove semanas à escrivaninha… Um estagiário pediu a um de nossos funcionários um fim-de-semana de folga para uma reunião familiar – ele foi mandado embora. Também foi instruído a devolver seu celular e a limpar sua mesa.”

Embora o memorando não autorizado tenha sido concebido como uma piada, ninguém riu quando ele vazou na mídia. Ainda era fresca a lembrança de Moritz Erhardt, o estagiário londrino de 21 anos que morreu depois de trabalhar 72 horas sem interrupção no Bank of America. Parecia que o Barclays também estava levando a “ética de trabalho” a extremos mórbidos.

Depois de 30 anos de desregulamentação neoliberal, o “das nove às cinco” mais parece uma relíquia de uma era passada. Empregos são infinitamente estressantes e crescentemente precários. O trabalho excessivo se tornou norma em muitas empresas – algo esperado e mesmo admirado. Tudo o que fazemos fora do escritório – não importa o quão gratificante – é silenciosamente menosprezado. Relaxamento, hobbies, criar crianças ou ler um livro são desqualificados como preguiça. Tal o poder da mitologia do trabalho.

Se esperava que a tecnologia nos libertasse do sacrifício diário. Só que, com frequência, ela tornou as coisas piores: em 2002, menos de 10% dos empregados liam emails de trabalho fora do expediente. Hoje, com a ajuda de tablets e smartphones, são 50%, frequentemente antes de se levantar da cama.

Alguns observadores sugerem que trabalhadores atuais não “desligam” nunca. Como nossos telefones celulares, apenas passamos a stand by no fim do dia, quando rastejamos para a cama exaustos. Esta implacável falta de alegria é especialmente evidente quando o assunto é férias. Nos EUA, uma das economias mais ricas do mundo, empregados tem sorte se conseguem tirar duas semanas por ano.

Você pode até pensar que esta atividade frenética esteja diretamente ligada a nossa preservação biológica e que não sobreviveríamos sem ela. Como se escrever emails idiotas num escritório apertado fosse semelhante a caçar e colher em eras anteriores… Felizmente, uma mudança generalizada está em curso. O custo do trabalho excessivo não pode mais ser ignorado. Stress duradouro, ansiedade e inatividade prolongada foram expostos como assassinos potenciais.

Pesquisadores do Columbia University Medical Center usaram recentemente rastreadores de atividade para monitorar 8000 trabalhadores com mais de 45 anos. Os resultados foram chocantes. O período médio de inatividade em cada dia acordado era de 12,3 horas. Empregados sedentários por mais de 13 horas por dia eram duas vezes mais propensos a morrer prematuramente do que aqueles que eram inativos por 11,5 horas. Os autores concluíram que permanecer sentado num escritório tinha um efeito similar ao hábito de fumar – devendo, portanto, ser objeto de advertência sanitária.

Quando pesquisadores no University College de Londres observaram 85.000 trabalhadores, homens e mulheres de meia-idade em sua maioria, encontraram uma correlação entre trabalho excessivo e problemas cardiovasculares, especialmente arritmia cardíaca e fibrilação atrial, o que aumenta em cinco vezes o risco de um infarto.

Sindicatos também estão cada vez mais preocupados com o trabalho excessivo, especialmente no que tange ao impacto sobre as relações pessoais e à doença física e mental. Vejam o caso do sindicato IG Metall na Alemanha. Semana passada, 15.000 trabalhadores (que fazem peças automotivas para empresas como Porsche) convocaram uma greve demandando uma semana de trabalho de 28 horas sem redução salarial ou de condições. Não se trata de indolência, dizem, mas de auto proteção: não querem morrer antes da hora. A ciência está do seu lado: uma pesquisa da Australian National University descobriu recentemente que trabalhar qualquer coisa mais do que 39 horas por semana é um risco ao bem-estar.

Há algum nível saudável ou aceitável de trabalho ? De acordo com o pesquisador norte-americano Alex Soojung-Kim Pang, a maioria dos empregados atuais são produtivos por cerca de quatro horas por dia: o resto é preenchimento de tempo e uma quantidade enorme de preocupação. Pang argumenta que o dia de trabalho poderia ser facilmente reduzido sem comprometer padrões de subsistência e prosperidade.

Outros estudos corroboram esta observação. O governo sueco, por exemplo, financiou um experimento no qual enfermeiras de home care trabalharam seis horas por dia recebendo salários de oito horas. O resultado ? Menos faltas por doença, menos stress e um salto na produtividade.

É claro que tudo isto é muito encorajador. Mas quase todos estes estudos focalizam o problema sob um ponto de vista numérico – a quantidade de tempo gasto trabalhando a cada dia, ano após ano. Temos que ir adiante e começar a encarar as condições do trabalho pago. Se um trabalho é miserável e demasiado estressante, até umas poucas horas do mesmo podem se tornar um pesadelo existencial. Alguém que gosta de trabalhar em seu carro no fim-se-semana, por exemplo, pode muito bem achar intolerável fazer a mesma coisa numa fábrica, mesmo por um período mais curto. Toda a liberdade, criatividade e engenhosidade são sugadas da atividade. O que era para ser um momento de descontração voluntária de torna um fardo imposto de fora para dentro.

Por que isto é importante ?

Por que existe um perigo de que meramente reduzir horas de trabalho não mude muito, em termos de saúde, enquanto empregos intrinsecamente privarem de liberdade. Para que empregos conduzam a nosso bem-estar mental e fisiológico, muito menos trabalho é definitivamente essencial. Da mesma forma que trabalhos de um tipo melhor, onde hierarquias sejam menos autoritárias e tarefas sejam mais variadas e façam mais sentido.

Infelizmente, o capitalismo não possui um bom histórico em termos de criar empregos assim. Mais de um terço dos trabalhadores britânicos acham seus empregos sem sentido, de acordo com uma enquete de YouGov. E se o moral é tão baixo, não importa quantos vales-academia, programas de atenção plena e cestas de frutas orgânicas os empregadores lhes dem. Mesmo o empregado mais comprometido sentirá que algo fundamental está faltando. Uma vida.

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O novo livro de Peter Fleming, A Morte do Homo Economicus: Trabalho, Débito e o Mito da Acumulação Infinita (The Death of Homo Economicus: Work, Debt and the Myth of Endless Accumulation), foi publicado pela Pluto Press.

Não existem atalhos para proteger crianças de jogos violentos

O texto abaixo é uma tradução do que foi escrito por Nathan Ditum e publicado originalmente em The Guardian em 31 de março de 2015.

Call of Duty 2

Eis mais uma razão para que todos se interessem por videogames. Obrigado, diretores de escola de Cheshire, por enviarem uma carta, sutil como um tijolo, ameaçando pais de envolvimento com a polícia e serviços sociais se seus filhos tiverem acesso a videogames violentos ! Trata-se de um enorme desserviço.

A mensagem é, na verdade, totalmente equivocada – especialmente se considerando que quase todas as escolas que integram a Nantwich Education Partnership são primárias, abrangendo uma faixa etária particularmente vulnerável, e que a carta também aborda redes sociais. Ora, que a carta trata dos perigos de jogos e da internet como se descrevesse um lugar distante de monstros digitais e predadores sexuais. “Call of Duty, Great Theft Auto, Dogs of War e outros jogos similares são todos inapropriados para crianças”, diz, mais preocupada em defender crianças desses títulos tóxicos sem, aparentemente, perceber que um deles não é real (ao menos, é claro, que os diretores de Cheshire estejam se referindo ao clone de Rambo chamado Dogs of War lançado em 1989 para os consoles Amiga e Atari SX – o que, provavelmente, não é o caso).

A parte sobre social media não é mais racional (o acesso “estimula comportamentos sexuais precoces” e “os torna vulneráveis ao aliciamento para a exploração sexual e à violência extrema”). A verdadeira falha da carta é, no entanto, ser indicativa da ignorância generalizada e indiferença que, ao nosso ver, constituem o cerne do problema.

A situação é frustrante por que, embora destrutivamente pesada e parecendo, por vezes, um cão latindo para fogos de artifício, a carta carece de foco. Pais devem, sim, assumir a responsabilidade final sobre aquilo com o que seus filhos se envolvem, e é correto afirmar que a indiferença generalizada é pior para todos. Como pai de alguém com 12 anos de idade, estou em meio ao processo de tomar essas decisões duras, em parte por que muitos outros pais parecem satisfeitos em deixar seus filhos jogarem o que quiserem. Este senso de injustiça pode tornar a resistência aos pleitos de seus filhos particularmente difícil.

Reconheço que o argumento “mas todos os meus amigos…” é tão velho quanto a humanidade (o pai de Freddy deixa ele usar o machado o tempo todo). É, no entanto, um problema real, i.e., um sintoma de pais não sabendo e/ou pouco se importando com o que seus filhos jogam. E a má notícia, aqui, para a Nantucky Education Partnership e demais fãs da moral prescritiva licenciosa, é que classificações etárias não são suficientes.

Em sua parte mais centrada na agressividade passiva, a carta diz: “se seus filhos obtiverem permissão para ter acesso inapropriado a qualquer jogo ou conteúdo associado indicado para maiores de 18 anos, somos orientados a procurar a polícia e os serviços sociais, pois isto é considerado negligência”. A referência é, aqui, presumivelmente a classificação etária PEGI, fornecida pela Pan European Gaming Information que, desde 2012, é o órgão responsável pela classificação de jogos em todo o Reino Unido.

Ainda que tornem ilegal a venda de jogos a crianças abaixo da idade apropriada, as classificações PEGI apenas propiciam aos pais diretrizes não-obrigatórias sobre o que seus filhos devem ou não jogar – razão pela qual as ameaças contidas na carta soam tão exageradas. Por isso, temos que reconhecer que este tipo de aconselhamento – como, de resto, qualquer outro oferecido por sistemas de classificação – tem sua utilidade apenas como uma forma de orientação demasiado genérica.

Uma mesma classificação 18 foi conferida, por exemplo, a todos os jogos mencionados na carta. Tenho, no entanto, sérias dúvidas sobre se meus filhos devem ou não jogar alguns deles. Call of Duty é uma série que retrata violência militar e oferece aos jogadores um conhecimento enciclopédico sobre armas reais de fabricantes licenciados. Grand Theft Auto V é um jogo no qual é possível contratar uma prostituta. Mas a mesma classificação 18 foi dada a The Last of Us, um terror apocalíptico que, sim, inclui horror violento que muitos pais julgariam inapropriado que seus filhos vissem – mas também elementos de ambiguidade moral com os quais fico, pessoalmente, satisfeito que meu filho de 12 anos se envolva. “Não sei se devo atirar !” gritou ele ao se deparar pela primeira vez no jogo com outro humano desesperado – um senso de ambivalência e consequência que jamais teria jogando Call of Duty.

Finalmente, contrastemos estes jogos para maiores de 18 anos com outro, popular e amigável, classificado para maiores de 3 anos, a saber, Fifa 15. Trata-se de um jogo sobre futebol sem conteúdo sexual, mas que inclui um compulsivo jogo de trocas chamado Ultimate Team o qual, afirmo, teve uma influência muito mais sinistra sobre o senso de valor e espírito esportivo de meu filho do que qualquer outra coisa mais obviamente inapropriada.

Onde quero chegar ? Pais precisam, sim, assumir responsabilidade. Mas, para tanto, não há atalhos. Precisamos mais do que cartas histéricas e classificações etárias. Precisamos compreender a complexidade dos jogos como existem hoje, e tomar decisões sobre o que queremos que nossos filhos experimentem com base no que são capazes de absorver e – algo até agora ausente em toda esta polêmica – as pessoas que queremos que se tornem.

Call of Duty 3