Por que a Globo não diz nada sobre Glen Greenwald ?

O problema das teorias conspiratórias é que, muitas vezes, elas podem estar certas. Verdades incômodas são frequentemente tachadas por grupos de interesse como teorias conspiratórias. Assim, defensores do crescimento contínuo sempre negarão o aquecimento global, bem como apóstatas do bom-mocismo empreendedor sempre negarão a existência da obsolescência programada. Paciência. Falando nela: se tiverem paciência em me acompanhar por estas linhas, estarão ao par de mais uma teoria conspiratória  atendendo a, pelo menos, um pré-requisito básico das mesmas – a saber, o da plausibilidade – desta vez sobre a absoluta ausência do nome do herói da hora, Glen Greenwald, nos noticiários televisivos da Rede Globo.

Para decepção de muitos que me seguem, já declarei, tempos atrás, gostar de acompanhar o que é veiculado pela Rede Globo como forma de mais facilmente entender como funciona a retórica do campo adversário. Chega a ser, por vezes, didático. No presente caso do vazamento de mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, é flagrante a exclusão do nome de Greenwald dos noticiosos da rede – os quais se referem, de modo impessoal, tão somente ao The Intercept.

Tal comportamento é ostensivamente excepcional, já que

em minha timeline, o nome de Greenwald é um dos que mais aparece, como responsável que foi pela divulgação das conversas comprometedoras entre um então juiz e um dos procuradores de uma operação da Polícia Federal então julgada pelo primeiro – promiscuidade condenada por grande parte dos especialistas jurídicos ouvidos sobre o imbroglio;

ao mesmo tempo, noticiários da emissora, em meio à farta citação de trechos de notas expedidas por órgãos de classe de juízes, procuradores e advogados, bem como do vídeo (!) rapidamente divulgado por Dallagnol (Bolsonaro está fazendo escola; além disto, até pouco tempo atrás, era considerada, no mínimo, indecorosa a voluntariedade de membros do judiciário para estar na mídia), nada informam sobre aquele que, por tudo o que sabemos, protagonizou o vazamento; e

noutros lugares, responsáveis por tais atos heroicos em nome da transparência, tais como Assange, Snowden, o bravo soldado Manning ou, em tempos mais remotos, Deep Throat, são imediatamente alçados à condição de celebridades.

Mas Greenwald não comparece apenas à minha timeline, predominantemente povoada por espíritos de esquerda, exceto por um punhado de direitistas empedernidos que não excluo tão somente por prover o necessário contraste para prevenir que eu me isole numa bolha discursiva mas que, neste caso, nem chegam a falar de Greenwald. Para ouvir o pessoal do #deportaGreenwald, preciso bisbilhotar em grupos de WhatsApp, pelo menos para saber que, além daqueles que o tem como herói, há também quem o considere um vilão.

Por que, então, a mídia hegemônica, que se vangloria de ser imparcial, não apresenta a maior celebridade do momento, tanto seu lado A como aquele tido por muitos como B ? Elementar: por que não pode – e aqui estamos diante de minha teoria conspiratória (desejo, sinceramente, saber se ela tem algum fundamento).

Grande parte da retórica de setores incomodados pelos vazamentos concentram seu ataques a Greenwald, seja por falta de argumentos ou de imaginação, no ódio homofóbico. É precisamente aí que está a possível explicação para a exclusão do whistleblower dos noticiários da Globo, tão flagrante como se houvesse uma ordem explícita neste sentido. Já que a mesma vem, recentemente, em muitas janelas de sua programação (novelas, talk shows, programas esportivos, etc.), promovendo a inclusão LGBT. Com efeito, gays e transexuais vem desempenhando um protagonismo cada vez maior nas novelas da emissora, o que é indiscutivelmente bom – só que não proferindo, é claro, nestes casos, controlados pelos roteiristas, nenhuma verdade politicamente incômoda.

O problema começa quando um homossexual notório (e notável !) adquire celebridade instantânea ao revelar conversas capazes de comprometer um status quo francamente homofóbico. Como, então, condenar o vazamento da escuta supostamente ilegal de Greenwald (pilar da retórica de grupos que pedem sua cabeça) preservando, ao mesmo tempo, a legitimidade de sua opção sexual (clara diretriz editorial da emissora que, não obstante, se constitui num “desvio” fortemente atacado pelos mesmos grupos) ? Ante o dilema, é notória a opção abraçada pela Globo: nada dizer sobre o responsável pelos vazamentos. Como se os mesmos tivessem vindo de outro planeta.

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Disclaimer: este post foi escrito depois da exibição de um telejornal (Hoje, às 13:20 de 11/6/2019) no qual Glen Greenwald foi absolutamente ignorado. Pode ser que, a qualquer momento (quando for inevitável), uma nova diretriz editorial o traga, como merece, para o centro dos acontecimentos.