Por uma democracia direta (ii): de como o lobby é nocivo à democracia e sobre como podemos acabar com ele

Eleições que se aproximam: hora de tornar a remoer certas ideias. Não que, a curto prazo, adiante alguma coisa. Afinal, com os discursos afinados e as campanhas nas ruas, a sorte já está há muito lançada. A descolonização do imaginário é uma tarefa lenta, que rejeita todo imediatismo. Ainda assim, mesmo que alguém não viva para ver qualquer resultado, não deixa de valer a pena se esforços forem vistos sob uma perspectiva mais ampla, numa escala de tempo mais dilatada do que a dos breves mandatos eletivos.

Falo, aqui, da banalização ou aceitação acrítica de algumas instituições hoje defendidas por políticos e poderosos tais como, por exemplo, o lobby ou o fundo eleitoral. O cidadão comum não costuma se perguntar por que precisamos de representantes legislativos nem de que maneira o lobby, que querem até regular e legalizar, é nocivo à própria democracia. Basta que algum engravatado, provavelmente bacharel em direito, profira algo em favor do status quo, para que pareça um “entendido” em qualquer assunto, ao menos muito além do que o simples eleitor, que, portanto, passa a acreditar naquilo como uma verdade inquestionável. É a síndrome do “você sabe com quem está falando ?”, conhecida em lógica como argumento de autoridade, antítese da falácia do envenenamento do poço.

O lobby se constitui, na origem, como um desequilíbrio no jogo democrático na medida em que permite a determinados indivíduos ou grupos de interesse minoritários influenciar, quase sempre com recursos financeiros (como propinas ou doações de campanha), em decisões de legisladores (senadores, deputados ou vereadores) ou ações de executivos (presidentes, governadores, prefeitos, ministros e secretários). Por meio do lobby, interessados devidamente articulados podem facilmente “molhar o bolso” de legisladores e governantes ou seus prepostos para obter vantagens (das quais legislações protetivas, isenções fiscais e licitações fraudulentas são apenas alguns exemplos), apesar da franca oposição da maioria dos cidadãos às vantagens concedidas.

Tradicionalmente, o lobby é sorrateiro. Age às escondidas, à margem do poder. Encontros com lobistas não pertencem à agenda pública dos políticos, acontecendo, antes, dentro de sua esfera privada. Com o tempo, a figura do lobista entrou definitivamente no jargão das câmaras de representantes, onde circulam anonimamente. O bom lobista não dá entrevistas. Foge das câmeras, microfones e holofotes. Se não achar um jeito de “acessar” determinado senador ou deputado, facilmente encontrará outro. Projetos de regulamentação do lobby (a nosso ver uma contradição por si só), que visam facilitar o “trabalho” destes intermediários da corrupção, são, portanto, uma afronta à inteligência da sociedade, que assiste impotente à sua naturalização por parte de quem dele se beneficia.

Por tais razões, defensores do lobby sustentam o mito de que ele é inevitável. Felizmente, há controvérsias. Numa das mais célebres iniciativas para conter a mazela, Lawrence Lessig, professor de direito de Harvard, ativo defensor da neutralidade e da liberdade da internet, criador da licança Creative Commons, propôs o movimento “Fix Congress Now”, que limita doações de campanha a 100 dólares por cidadão – nivelando, com isto, o poder de influência de eleitores individuais com o de grandes corporações.

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Contra os lobbies, pensamos em outra vacina. Se trata da democracia direta, já defendida por aqui em textos anteriores (como aqui ou aqui) – os quais, no entanto, se concentravam tão somente na vasta economia para os cofres públicos que a abolição das obsoletas câmeras de representantes traria (compreensivelmente, tal hipótese é taxada com horror pela maioria dos senadores, deputados e vereadores como “uma grande ameaça à democracia”).

Hoje, quero convidá-los a refletir sobre como grupos de interesse economicamente poderosos, ainda que minoritários, poderiam interferir em decisões políticas num contexto, utópico, em que todo e qualquer cidadão pudesse deliberar diretamente sobre o que bem lhe aprouvesse. Quero acreditar que os grupos econômicos supracitados enfrentariam bem mais dificuldades para convencer milhões de cidadãos a votarem de acordo com seus interesses do que umas poucas centenas ou dezenas de representantes legislativos. Desta forma, a democracia direta esvaziaria a instituição escandalosamente indecente do lobby de qualquer sentido.

Pensem nisto !