Shows em estádios e algumas especulações sobre bandas X artistas avulsos

Nunca fui num. O mais perto que cheguei disto foi quando assisti a Rick Wakeman, acompanhado pela OSPA (da qual, na época, eu nem sonhava em fazer parte), no Gigantinho. Na vez seguinte, décadas depois, no show de Luciano Pavarotti e Roberto Carlos no Gigante da Beira-Rio, eu já estava tocando na orquestra. Nisto se resume toda minha experiência no assunto, sobre o qual, não obstante, não me furto de dar uns pitacos.

Sobre o espetáculo de Pavarotti e Roberto Carlos, nada, até hoje, me convenceu de que aquilo não passou de uma gigantesca operação de lavagem de dinheiro que entrara sorrateiramente na campanha de Antônio Britto para o governo do estado. Lembro que Britto e esposa, assim como Hebe Camargo e outras celebridades, estavam na plateia e foram generosamente exibidos em telões. Pavarotti era, então, auto-exilado da Itália por sonegação fiscal e casado com sua secretária, com a qual morava num paraíso fiscal. É preciso dizer mais ?

Lembro, também, que, durante o ensaio geral, uma coluna cenográfica de madeira compensada desabou sobre a orquestra durante a execução da abertura da ópera A Força do Destino, de Verdi. A orquestra, felizmente, conseguiu correr a tempo, mas a estrutura ficou cravada nas cadeiras e estantes. Pavarotti, ao ser informado do incidente, imediatamente cancelou a obra no concerto daquela noite. Este é apenas mais um episódio na longa crônica de superstição (quando é tocada, algo de ruim acontece) envolvendo a abertura de Verdi.

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Quando Rick Wakeman tocou a Viagem ao Centro da Terra em Porto Alegre, já não participava mais do Yes. Este é um dos pontos ao qual quero chegar, a saber, que bandas são uma espécie de trampolim para carreiras solo, geralmente de cantores e songwriters mas, excepcionalmente no caso de Wakeman, de um instrumentista. Mas tornaremos a isto adiante. Por hora, devo dizer que tirei fotos no evento que, se fosse hoje, teriam sido provavelmente postadas em redes sociais. A experiência. Só que como, na época, ainda não havia telões nem eu tinha tele-objetivas, o famoso tecladista não passava, em minhas fotos (slides, lembram ?), de um pontinho iluminado no meio da imensidão.

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Antevejo aqui uma possível crítica, a saber, sobre como posso falar de megashows sem ter uma experiência primária e recorrente em relação aos mesmos. Isto não me preocupa nem me demove do propósito. Pois penso que tão somente se tivesse testemunhado uma apresentação dos Beatles no Cavern Club ou, sei lá, do Nirvana num porão de Seattle é que eu poderia encher a boca prá falar da experiência. Mas, convenhamos, tais eventos teriam sido completamente aleatórios, já que seus protagonistas sequer tinham conquistado, até então, qualquer fama. Afora isto, celebrar recordações em catarses coletivas com milhares de pessoas e, além disso, pagando ingressos exorbitantes para tanto, nada mais é do que contribuir para a aposentadoria (milionária) de celebridades remanescentes de outros tempos. E de seus empresários e produtores, é claro. Há muita música boa por aí para ser ouvida, esperando ser descoberta, em espaços confortáveis para algumas dezenas de pessoas sentadas.

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O trampolim. Salvo raras exceções, bandas longevas costumam acabar subitamente pela ascensão de um ou mais de seus membros à carreira solo. Mesmo quando isto não acontece, a proeminência de um dos membros sobre os demais é avassaladora. Sabemos quem são George Harrison e Ringo Starr por que, afinal, eram dos Beatles. Mas nada que se compare à trajetória meteórica de Lennon e McCartney. O mesmo vale para Roger Waters. Sabemos, é claro, quem foi Syd Barrett, mas talvez isto se deva ao histórico de drogadição que o levou, como a Kurt Cobain, à morte. Mas e o resto da banda ? Tudo bem, tem o David Gilmour. Deixemos, então, de lado o Pink Floyd, que, reconheço, não foi um bom exemplo. Mas quem foi o Queen além de Fred Mercury ? Ou os Secos e Molhados além de Ney Matogrosso ou, ainda, os Mutantes além de Rita Lee ? Sabemos mais sobre Courtney Love (namorada de Kurt Cobain) do que sobre os demais integrantes do Nirvana. Guns’n’Roses é uma notória exceção pois, além de Axl Rose, todos sabem quem é Slash. Ou, pelo menos, todos os guitarristas. (especialistas que não me contestem, pois sei que sabem recitar a nominata completa de cada banda) Ok, sejamos mais modernos e locais. O que são os Paralamas sem Herbert Vianna, Skank sem Samuel Rosa, Legião Urbana sem Renato Russo ou Pato Fú sem Fernanda Takai ? A lista é infindável. Os Novos Baianos se constituem numa exceção não apenas por que todos eram cantores mas, principalmente, por que a denominação designava muito mais um movimento do que, propriamente, uma banda.

(toda a argumentação acima me faz lembrar que conheci um grande amigo no facebook ao me meter sem ser chamado numa discussão sobre a propriedade ou não do canto ser admitido como componente da interação jazzística, face à notória e indiscutível dominância da voz sobre outros instrumentos, em razão da proeminência absoluta de um texto sobre categorias estritamente musicais tais como melodia, harmonia ou ritmo. Ou, noutras palavras, que o termo jazz, bem como seus festivais e demais espaços, fosse reservado exclusivamente à música instrumental. Ah, que polêmica deliciosa…)

E Paro por aí. Pois sei ainda menos sobre as dinastias do hip-hop e do pagode. O que quero dizer é que a indústria da música é um lugar francamente hostil às bandas, e assim que alguma delas esboça qualquer sinal de sucesso, não falta um produtor a sussurrar no ouvido de seu crooner as enormes vantagens da carreira solo – dentre as quais a principal é, sem dúvida, não ter que dividir entre tantas partes os frutos da colheita.

Ainda respeitando as exceções, eu diria se tratar praticamente de uma premissa da indústria e, quando isto não acontece, é só por que não houve tempo suficiente. Como, por exemplo, nas carreiras trágica e precocemente interrompidas de Curt Cobain ou de Dinho, dos Mamonas Assassinas.

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PS, ainda sobre bandas e artistas com carreira solo que saltam de banda em banda. Se tantos artistas abandonam ou trocam (como Paul McCartney ou, mais aqui perto, Artur de Faria) suas bandas, isto não se dá exclusivamente por razões econômicas, como o texto acima pode, numa leitura rápida, dar a entender, mas por uma distinção mais sutil – a saber, a de que bandas são bem menos “produzíveis” do que artistas avulsos.

Explico. É que bandas são muito mais “lacradas” no próprio conceito do que artistas isolados, aos quais produtores podem imprimir a pegada e a imagem que bem entenderem. A formação instrumental de uma banda é largamente responsável por isto, já que a impressão digital sonora de um grupo é fortemente determinada pelos instrumentos que o compõem. Com isto, bandas repousam sobre um delicado equilíbrio, no qual o menor passo em falso numa direção inadvertida pode esfacelá-las.

Já artistas avulsos, não. Num dia (ou álbum), podem ser um gângster e, no seguinte, uma drag queen, a seu bel prazer (ou de seus produtores). Senão, vejam o caso de Madonna. Conseguem imaginá-la esses anos todos à frente de uma banda ? Nem eu. Se não me engano, esta faceta camaleônica foi até explorada recentemente num comercial de TV – junto com, pasmem, Fernanda Montenegro…

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O que pretendo com estas linhas ? Acabar com os megashows ? Bem que gostaria, mas sei que meu texto não tem todo esse alcance. Se servir, no entanto, para que alguns leitores passem a encarar este tipo de evento sob uma nova perspectiva, não terá sido em vão.

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